Deveria estar escrevendo sobre outras questões, mas uma, mais urgente, se impôs. Na semana passada, um dos filhos do presidente afirmou que não há casos como o de George Floyd no Brasil. Há, sim, acontecem todos os dias, o que não existe são reações populares semelhantes e uma empatia da opinião pública em relação às vítimas, claro, autocrítica, também não existe. Sua cor de pele parece ser um atestado de culpabilidade, ou azar. A violência policial contra negros é uma política de Estado no Brasil, ao que parece. E há um artigo com esse título no Deutsche Welle, veículo de comunicação alemão.
Quase em ato contínuo, desconsiderando ações anteriores desse senhor, o presidente da Fundação Palmares ordenou a retirada das biografias de personalidades negras do site da instituição. Gente como Luís Gama, que inclusive foi apropriado por movimentos negros que se afirmam de direita, não é digno de ser lembrado. Nem o engenheiro abolicionista e monarquista André Rebouças. Todos foram retirados. Nada mais doce do que ter um homem negro fazendo essa limpeza. É possível invocar, inclusive, o tal "lugar de fala" que é usado e abusado pela internet a fora.
Busto de Luís Gama, no Largo do Arouche, em São Paulo. |
“Aplicação do Castigo do Açoite”, do francês Jean-Baptiste Debret. Você certamente estudou em algum livro com essa imagem. Será que seu livro didático falava de Luís Gama? |
Nada como um homem branco, rico, velho e "nobre" falando para a gente acreditar, não é mesmo? E digo uma coisa, quanto mais leio sobre Pedro II e a Princesa Isabel, mais certeza tenho de que ele e ela, sem contar ainda com a Imperatriz Leopoldina, teriam vergonha de alguns de seus descendentes. E não vou me tornar monarquista por reconhecer méritos em figuras ligadas ao período imperial brasileiro, só não me peçam deferência por sujeitos reacionários negacionistas, ostentando títulos que só existem no mundo da fantasia.
Ela voltou. |
A propaganda de 1952. Associação direta entre a palha de aço e o cabelo da menina negra. |
Muita gente estava comentando e uma mulher, que deveria ter mais ou menos minha idade, postou sua foto e comentou do quanto ela demorou a aceitar seu cabelo, porque, durante muito tempo, ouviu que ele era crespo, feio, que deveria ser alisado. Olha, eu não me identifico como negra, já escrevi isso inúmeras vezes, sou fruto de muitas misturas, mas meu cabelo é crespo. Eu não consegui ainda superar esse adestramento da infância.
Toda menina negra, ou com cabelos crespos, sabe o que essa ilustração significa. |
E termino relembrando de uma das músicas brasileiras mais conhecidas, "O Teu Cabelo não Nega" de Lamartine Babo e sua primeira estrofe: "O teu cabelo não nega, mulata/Porque és mulata na cor/Mas como a cor não pega mulata/Mulata, eu quero o teu amor". A mulher negra serve para usar a krespinha e para os prazeres da cama, afinal, a cor não pega. Os filhos mestiços nascidos dela, talvez nunca tenham o nome do pai branco em sua certidão de casamento. Eu não sou a favor da censura, temos é que refletir sobre a sua letra, como sempre fiz com minhas turmas de terceiro ano. O racismo é estrutural e está, também, nos produtos de limpeza e nas músicas.
Alguns românticos, inocentes, distraídos, ou canalhas progressistas de ocasião, talvez estejam lamentando muito o retrocesso, como se, um dia, o Brasil tivesse deixado de ser racista. Amiguinhos, não nego o retrocesso dos últimos anos, mas o racismo e sua negação sempre estiveram presentes no nosso dia-a-dia. Só tinha se tornado feio, sintoma de falta de educação, externar isso em voz alta e tornar o racismo em política pública. Agora, parece que liberou geral. De resto, por favor, visitem a página do manifesto "Enquanto houver RACISMO, não haverá DEMOCRACIA", por favor.
P.S.1: Uma matéria racista bônus para vocês, leiam esse fragmento: “Pra quem é de Toledo (PR) e sabe… a Igreja Batista do Calvário fica na Vila Pioneira, que é uma região mais pobre, né? E na Pioneira a gente não via loira, né? Como a minha esposa, e quando ela veio pro culto, tipo, destacou, porque o pessoal [da igreja] é tudo assim mais classe pobre, mais moreninho, meio encardido, um povo meio sujo… mas ela veio e essa aí é da Zona Norte, zona mais nobre da cidade…”. É um pastor louvando a beleza de sua esposa em comparação com os fiéis que frequentam a sua congregação. Nem vou comentar.
P.S.2: A Bombril se desculpou e tirou a Krespinha do site, depois de todo o escândalo que a propaganda gerou. A explicação, claro, não me convenceu. O mesmo produto ficou anos no mercado sem ostentar esse nome de inspiração racista mesmo que, lá atrás, quando foi criado, as pessoas não tivessem consciência disso. por qual motivo ressuscitar o nome AGORA?
P.S.1: Uma matéria racista bônus para vocês, leiam esse fragmento: “Pra quem é de Toledo (PR) e sabe… a Igreja Batista do Calvário fica na Vila Pioneira, que é uma região mais pobre, né? E na Pioneira a gente não via loira, né? Como a minha esposa, e quando ela veio pro culto, tipo, destacou, porque o pessoal [da igreja] é tudo assim mais classe pobre, mais moreninho, meio encardido, um povo meio sujo… mas ela veio e essa aí é da Zona Norte, zona mais nobre da cidade…”. É um pastor louvando a beleza de sua esposa em comparação com os fiéis que frequentam a sua congregação. Nem vou comentar.
P.S.2: A Bombril se desculpou e tirou a Krespinha do site, depois de todo o escândalo que a propaganda gerou. A explicação, claro, não me convenceu. O mesmo produto ficou anos no mercado sem ostentar esse nome de inspiração racista mesmo que, lá atrás, quando foi criado, as pessoas não tivessem consciência disso. por qual motivo ressuscitar o nome AGORA?
1 pessoas comentaram:
O Brasil nunca foi grande coisa, mas pelo visto, está mesmo virando o lixo do mundo. Parece que todos os ratos e baratas que estavam escondidos, ou pelo menos andavam mais discretos, resolveram dar as caras todos de uma vez e estão ganhando os holofotes.
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