Estou lendo o mangá 38°C no Kiss ~Manatsu no Gogo, Cooler ga Kowareta Heya de...~ (38℃のキス~真夏の午後、クーラーが壊れた部屋で…) de Miyakoshi Wasou e pretendia resenhá-lo, mas fui olhar quais mangas da autora estavam disponíveis para leitura e acabei tropeçando em vários, mas dei uma olhada rápida em duas, Onna to Shite Dakaretai Seitenkan Shite Hatsukoi wo Mou Ichido。 (女として抱かれたい…性転換して、初恋をもう一度。), bem curtinho e cuja protagonista é uma mulher trans, e Uso Aitsu ga Watashi no Danna-sama Mezametara 10 Nen go no Mirai (嘘!アイツが私の旦那様!? ~目覚めたら10年後の未来). Este último é um mangá tão interessante, que foi uma surpresa acima de qualquer expectativa. Vou resumir o início e já me desculpo pelos spoilers.
Haruka e Kenya se conhecem desde a infância. Eles estão no colegial e ambos tem 17 anos. Haruka tem que levar uma mensagem de um professor para Kenya e, no corredor, passa por Ryouzaki, o sujeito de quem ela gosta por muito tempo. Haruka dá o recado e os dois conversam um pouco, Kenya percebe que a menina está triste e a pressiona para que ela diga o motivo. O garoto termina dizendo que ela ama Ryouzaki e que esperava mais coragem da parte dela, que Haruka deveria se declarar. Ela vai, Kenya fica se roendo por dentro, porque a ama desde sempre.
Haruka esqueceu dez anos de sua vida. |
Enquanto desce as escadas pensando no que Kenya lhe disse, Haruka sente a escada se desfazer sob seus pés, ela é sugada por um abismo, desesperada, ela grita, mas ninguém aparece para ajudá-la. Próxima cena, vemos Kenya adulto e com lágrimas nos olhos. Haruka também está adulta, machucada, com curativos. Ela tinha ficado dois dias em coma depois de um acidente praticando montanhismo. Kenya pensou que a esposa iria morrer. Sim, os dois são casados, mas Haruka não se lembra de nada dos últimos dez anos.
Se retirássemos as cenas de sexo de Uso Aitsu ga Watashi no Danna-sama Mezametara 10 Nen go no Mirai (*esses nomes enormes*), a história daria um dorama, ou um anime fenomenal, mesmo não se dispondo a explicar em minúcias o estava acontecendo. Na verdade, a minha impressão pelos poucos mangás que tenho olhado é que o excesso de cenas de sexo atuam muito mais contra as histórias, do que a favor delas, mas, no caso dessa obra, o roteiro é muito bom e as personagens conseguem se destacar realmente.
As duas Harukas tem papel importante na história. Esse é um doodle da autora. Eles são bem fofinhos. |
A Haruka que acorda não lembra que casou com Kenya, para ela, o homem que é seu marido ainda é o seu amigo de infância. Ela não se reconhece em seu rosto adulto, o odeia até, se acha velha, mesmo com Kenya afirmando que ninguém é velho com 27 anos, e que ela é linda. Haruka nunca beijou ninguém, quanto menos fez sexo, na verdade, como descobrimos logo no segundo capítulo, acho, que ela sequer se masturbou. Kenya tenta ter toda a paciência do mundo, ele nunca conheceu ninguém com amnésia, mas ele ama Haruka e se sente culpado por tê-la levado para a montanha. Haruka se tranca no quarto assustada, ele deixa comida para ela, quando vai para o trabalho e a protagonista lembra de quando ele lhe dava seu lanche. O problema é esse, todas as memórias são antigas.
O rapaz chama a melhor amiga de Haruka para conversar com ela, mas essa mulher a protagonista não conhece, afinal, elas se conheceram na faculdade. Haruka descobre que seus pais se mudaram para interior anos atrás, a casa da infância é ocupada por outras pessoas. Haruka também é comunicada que o pai de Kenya faleceu fazia anos e que ela tinha sido um grande apoio para o amigo. A mãe de Kenya é toda protetora em relação à nora, inclusive, na cena mais engraçada do mangá, ela defende Haruka do marido ao pegar os dois em uma situação íntima. "Haruka! Você recuperou a memória!" "Não?! Eu não criei filho para ser abusador de mulheres!"
Ela não lembra de nada. |
Mesmo com tão poucos capítulos, o mangá de Miyakoshi Wasou trata de questões bem sérias sobre aceitação, perdão e relacionamentos abusivos, porque quando Ryouzaki reaparece sabemos que ele e Haruka foram namorados e que isso quase destruiu a protagonista. Ryouzaki, qualquer que seja suas justificativas emocionais, é um homem horroroso e Kenya, lá no passado, teve que ser muito amoroso e paciente para que Haruka pudesse se recuperar do dano emocional que ele lhe causou.
Aqui, temos um problema muito sério que é do próprio gênero erótico/pornográfico, Haruka ainda gosta de Ryouzaki, ela é a adolescente de 17 anos apaixonada, perto dele, seu corpo reage, mas, ainda assim, ela sabe que é uma mulher casada e resiste. Como pontuei em um texto anterior, uma das ideias complicadas que perpassam os mangás femininos, sejam pornográficos, ou mainstream nos mais diferentes graus, é uma complacência com a cultura do estupro. "Sua boca diz 'Não', mas o seu corpo diz 'Sim'" não é permissão para um estupro.
As cenas com Kenya não são estupros, mas seguem as convenções desse tipo de mangá. |
Se eu pudesse tiraria todas as cenas íntimas entre Ryouzaki, nosso bishounen abusivo, e Haruka, porque são estupros, não cenas de sexo. É abuso mesmo e como são exibidos na íntegra, você acaba igualando de certa maneira aquilo que acontece entre Kenya e Haruka com as maldades e humilhações impostas à protagonista por Ryouzaki. Agora, chegamos ao ponto mais curioso do mangá. A Haruka de 17 anos aparece para a de 27 dizendo que elas trocaram de mente, que ela tem todas as memórias da protagonista, inclusive de como Ryouzaki quase a destruiu.
A Haruka no corpo de 17 tenta ajudar a mais velha, inclusive, nas tarefas domésticas. Ela sofre ao ver Kenya abraçando seu eu mais velho, porque ama o marido. Até aí, imaginei eu que essa Haruka adolescente fosse uma alucinação, que a protagonista acordaria do coma no final da história e que tudo não teria passado de um sonho. Só que algo muito inusitado acontece, muito mesmo, Kenya passa a ver a Haruka de 17 anos. Sim, os três na mesma casa. E esclareço que ele só faz sexo com a mulher de 27 anos, nunca com a adolescente, mas a situação é muito, muito, estranha.
É o único doodle em que o boy lixo aparece. |
Não vou dar mais detalhes, depois disso, ainda temos muita história para acontecer antes do final. E, vejam bem, o mangá só tem míseros 12 capítulos. 38°C no Kiss, o primeiro da autora que eu comecei a ler tem quatro volumes, os capítulos disponíveis já passaram de 40. Ela realmente fez um excelente trabalho nessa história de trocas de mentes, porque houve espaço para discutir os sentimentos das personagens, suas angústias, que um relacionamento abusivo é uma forma de prisão, entre outras coisas. E, bem, acho que posso considerar como um mangá de ficção científica, também. Para quem quiser ler, lembrando que é uma série para maiores de 16 anos, pelo menos, ele está aqui.
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