Não estou no trabalho hoje pela manhã. É semana de prova no meu trabalho, vamos somente alguns dias, porque tudo será feito pela internet, e eu estava me sentindo muito mal, como meu post mais cedo bem atesta. Cismei de assistir um filme aleatório de Sherlock Holmes, porque descobri que o Mycroft era o Richard E. Grant. Explicando, ontem foi aniversário do ator e o Frock Flicks estava postando fotos dele em filme de época, não postou do Sherlock Holmes, mas acabei indo olhar a página de E. Grant na Wikipedia e o vi lá.
Há muitos filmes aleatórios usando Sherlock Holmes, na verdade, são mais de 250 produções com o detetive juntando cinema e TV. Uns são divertidos, outros interessantes, alguns são bem infames. Esse Sherlock: Case of Evil seria do tipo divertido, desde que você consiga embarcar na brincadeira. Eu não estava exigente e achei o protagonista, o ator James D'Arcy, bonito demais para largar o filme pela metade. Mas vamos para um resumo da história:
Holmes quer publicidade e o jornalista (Peter-Hugo Daly) participa do filme inteiro. |
O filme começa com um jovem Sherlock Holmes enfrentando Moriarty (Vincent D'Onofrio) nas ruas de Londres. Há alguma rixa pessoal entre eles e o motivo parece ser algo que o vilão tenha feito com o irmão mais velho de Holmes, Mycroft (Richard E. Grant). O rapaz acredita que matou o vilão e que seu corpo desapareceu nos esgotos de Londres. Holmes chega a ser levado pelo inspetor Lestrade (Nicholas Gecks) para a delegacia para se explicar.
Holmes termina saindo livre e ganha as manchetes de jornais como o prodigioso detetive que conseguiu matar o pior criminoso de Londres. Enquanto ele conta sua versão, descobrimos que ele havia sido contratado por uma mulher, Lady de Winter (Gabrielle Anwar), que dizia estar sendo chantageada pelo vilão. Mais tarde, Holmes é procurado por Ben Harrington (Struan Rodger), um sujeito poderoso e dono de vários salões de consumo de ópio. Holmes recusa o caso, não quer ter nada a ver com um sujeito como Harrington, mas tem sua curiosidade despertada pela possibilidade de desvendar um caso de assassinato.
O ator que faz Watson é menos de 5 anos mais jovem que o que interpreta Holmes. |
Harrington lhe dá uma espécie de salvo conduto para que ele possa acompanhar a autópsia de um sujeito, outro fornecedor de ópio, que havia sido morto na véspera. Na sala de autópsia, Holmes conhece o Dr. Watson (Roger Morlidge). Depois de um estranhamento inicial, ambos chegam à conclusão de que há algo de incomum naquele assassinato. Outras mortes se seguem mantendo o mesmo padrão, a inserção de uma agulha grossa em alguma parte do corpo e um dano no córtex cerebral da vítima provocado por algum opioide muito forte e desconhecido de ambos. Holmes termina por concluir que cometeu um erro e que Moriarty está vivo e envolvido com os tais assassinatos...
Nunca tinha ouvido falar de Sherlock: Case of Evil, mas o filme é bem divertido, quer dizer, eu estava disposta a tolerar várias barbeiragens de roteiro e o estupro do cânon, então, consegui assistir. Vou citar três inconsistências sérias, talvez. Holmes nasceu em 1854. Em uma dada cena, Lady de Winter, que mais tarde saberemos ser uma atriz/prostituta contratada or Moriarty, fala que seu irmão se viciou em ópio depois da Guerra dos Boers.
Holmes recusa um caso, porque odeia os comerciantes de ópio, mas termina sendo arrastado para a investigação. |
Nós, aqui, no Brasil, só estudamos a Guerra dos Bôers de 1899-1902. Fui procurar e, sim, há uma anterior de 1880-81. A personagem fala como se a coisa estivesse em um passado relativamente distante. Em que ano o filme se passa então? 1883? 1884? Holmes estaria perto dos 30 anos? Só que o ator era bem mais jovem e parecia mais jovem ainda. Se dissessem que James D'Arcy tinha 20-22 anos, eu acreditaria. Com um acontecimento datado, eu sou obrigada a questionar outras coisas. O que seria aceitável em um sujeito quase adolescente, talvez mimado, não seria tolerável em um cara de 30 anos.
Segunda inconsistência, Holmes e Watson se conhecem em Um Estudo em Vermelho. Watson tinha acabado de retornar da guerra no Afeganistão. Não sabemos quantos anos tinha, nunca achei nada no cânon que apontasse para a idade de Watson (*achei páginas colocando seu nascimento em 1852*), nunca vi nada em lugar algum, mas a gente sempre supõe que ele seja um pouco mais velho que Holmes. Eu arriscaria entre cinco e dez anos, no máximo.
Roger Morlidge é um excelente Watson. |
Enfim, no filme, Watson é mais velho que Holmes, parece muito mais velho, porque efetivamente o ator aparenta ter mais idade. Mas o que fazia Watson em Londres e trabalhando como legista?! Apagaram qualquer passado como militar da personagem. Nesse sentido, parece outro Watson. No entanto, o Watson desse filme deve ser elencado junto com as melhores representações da personagem que eu tenha visto. Ele é inteligente, ele é um homem de ação, mesmo que seu físico esteja mais próximo da representação do Watson gordinho, e ele é um excelente amigo para o nosso detetive.
A terceira inconsistência com o cânon é Moriarty. O vilão do filme parece uma celebridade do mundo do crime desde a sua primeira cena. Todos conhecem Moriarty, a polícia, os jornalistas, as mocinhas que assediam Holmes (*volto a isso daqui a pouco*). No cânon, Moriarty é descrito como uma aranha que controla uma imensa teia do crime sem que ninguém desconfie dele. Um homem aparentemente inofensivo. No filme, ele é um chefão mafioso e que parece abusar um pouco quando o quesito é a moda. Eu olho para ele e imagino algo como um cafetão, enfim, uma personagem caricata.
Esse Moriarty me lembr os sujeitos de Gangues de Nova York misturado com o Dr. Facilier da Princesa Sapo. |
Tanto que em um outro livro derivado de Sherlock Holmes que eu adoro, Uma Solução de Sete Porcento, que eu acredito que teve elementos utilizados no roteiro desse filme, Moriarty é fruto da imaginação de um Holmes viciado em cocaína e o detetive é atraído para Viena para que possa ser atendido por um especialista, o Dr. Freud. No filme, Watson fala de um amigo em Viena que seria especialista em cocaína. Enfim, neste livro que citei e recomendo, tem filme, também, Moryarty existe, porém, é um professor de matemática que foi tutor de Sherlock e Mycroft. Há um segredo no passado da família, uma tragédia, que o liga os irmãos Holmes e o professor.
Neste filme, Moriarty também está ligado ao passado da família. Entre as atividades criminosas do vilão está o tráfico de drogas. Ópio, claro, era a droga do momento, mas dentro do filme ele é o inventor da heroína. Pois bem, o roteiro não se dá ao trabalho de explicar se Mycroft era cliente de Moriarty, ou o quê. Desconto pontos do filme por causa disso. Há uma cena que se repete em que o menino Sherlock, com doze anos de idade, vê Moriarty injetando drogas em seu irmão mais velho. Tampouco, se explica se Holmes era órfão e/ou estava sob a tutela do irmão muito mais velho que ele por algum motivo.
Richard E. Grant faz só uma pontinha no filme, mas a sequência é importante. |
Vejam, nos livros, a diferença entre os dois Holmes deve ser de uns dez anos. Há especialistas em Sherlock Holmes que teorizam que Mycroft não fosse o irmão mais velho, porque os Holmes são membros da gentry, a pequena nobreza rural, essa turma que sempre aparece nos romances de Jane Austen. Por conta disso, Mycroft sendo o mais velho não teria uma profissão, ele seria o herdeiro das terras e dos títulos da família. Enfim, mas quem se importa em tentar dar sentido às coisas que não deveriam ter sido planejadas por Sir Arthur Conan Doyle são os fãs.
Retornando, o irmão mais velho de Holmes era um alto funcionário público, que vivia praticamente recluso e frequentava o Clube Diógenes, cuja principal regra era que um membro não poderia conversar com o outro. Mycroft é tão inteligente quanto Holmes, na verdade, o detetive diz que até mais, só que lhe falta a energia. No filme, Mycroft vive semi-recluso, mas é quase um inválido. fica subentendido que a fixação de Holmes por Moriarty é uma forma de vingar o irmão mais velho.
A foto sobre a estante. Holmes quer vingar o irmão. |
Escrevi que fui atrás do filme por causa do Richard E. Grant, pois bem, além da cena do flashback com Moriarty que se repete o filme inteiro, e na sequência em que Holmes entra em crise depois de descobrir que não matou Moriarty e Watson faz contato com o irmão do jovem detetive. Há uma foto em Baker Street, algo que também não faz parte do cânon, porque Watson descobre a existência de Mycroft muito tempo depois de ir morar lá. E é algo tipo "Você tem um irmão?!" "Sim, ele mora X quarteirões daqui." "Por que nunca me contou?" "Ah, faz dez anos que não o vejo. Vou levar você lá e o apresentar." Não fui buscar o livro para checar o diálogo, mas é algo meio nessa linha.
No filme, um Watson muito preocupado, remexe nas coisas de Holmes, enquanto ele está no seu estado de frustração, e descobre o contato de Mycroft. E, como não poderia deixar de ser, é um Mycroft diferente, caloroso com o irmão caçula , preocupado com sua saúde e disposto a ajudá-lo. Nenhum dos dois Holmes é emocionalmente efusivo, mas o filme os colocou assim. Mas acho melhor essa opção do que transformar Mycroft em um sujeito detestável como no primeiro livro de Enola Holmes (*vai virar filme*).
As várias matérias sobre o detetive. |
Na verdade, Sherlock: Case of Evil é tipo um grande fanfic, se você embarca, consegue achar a coisa interessante, mas tem que relevar muita coisa. Agora, se Holmes jovem, mas não tão jovem quanto em o Enigma da Pirâmide, fosse desse jeito, ele teria morrido antes dos 25, ou de tiro, ou de sífilis, ou intoxicado com alguma coisa. Daquele jeito, ele não chegaria mesmo aos 30 anos.
Algo que é difícil de lidar nesse filme, pelo menos para mim, é que o filme coloca Holmes como um galanteador e mulherengo. Isso é tão não-Holmes que é bem surreal ver o detetive flertando e seduzindo para logo em seguida ser mostrado na cama com uma mulher que conheceu na cena anterior. Holmes tem um comportamento misógino, ainda que não extremado, e considera as mulheres não somente inferiores no uso da razão, como um estorvo. Ele as trata muito bem, é um cavalheiro, mas quer distância delas afetiva, ou sexualmente, falando.
Um detetive fofinho e vulnerável. |
Sim, sim, há Irene Adler, mas sobre o caso dos dois, temos mais material não-canônico do que algo escrito pelo próprio Sir Arthur Conan Doyle. Holmes admira Adler e o faz não por sua beleza, mas por ela o ter derrotado em seu próprio campo, ela foi mais inteligente e sagaz que ele. Enfim, mais tarde no filme, quando ele consegue juntar lé com cré, porque comparado com a maioria dos Holmes esse menino é meio lento, e confirmar que Moriarty está vivo, o sujeito bebe sozinho uma garrafa de absinto (!!!) em um bar (*isso depois de ter bebido outras coisas em casa*), é expulso do estabelecimento e assediado em via pública por duas mulheres.
Ele, Holmes, é uma celebridade e parece gostar disso. Depois de entrar na carruagem das duas, ele segue com elas para casa e tudo termina em uma orgia. Sim, em uma orgia, mas nada de realmente explícito é mostrado no filme. Seria algo como classificação 12 ou 14 anos. Agora, imagine se Holmes, mesmo se fosse um sujeito com sua libido aflorando, iria pegar carona com duas desconhecidas e as levar para casa. Ainda mais depois de descobrir que seu arquirrival estava vivo e solto por aí. Poderia ser uma armadilha.
Rebecca é uma boa moça, mas nunca passaria como uma dama da alta sociedade. |
E, claro, temos a mulher que o enganou lá no início. E, sim, bastava olhar para a tal Lady de Winter e saber que, salvo se ela tivesse tido uma vida pregressa e ainda assim se tornado esposa de um nobre poderoso, de "lady" ela tinha muito pouco. Mas era uma boa mulher, uma atriz e prostituta que foi contratada. Holmes e Watson vão atrás dela para conseguir chegar até Moriarty. Obviamente, a partir desse momento sabemos que ela já pode encomendar o caixão.
E a moça, que descobrimos se chamar Rebecca Doyle, acaba ficando hospedada na casa de Holmes. Como Mrs. Hudson, a proprietária do prédio, não existe, então, não há ninguém para questioná-lo sobre a presença de uma mulher na casa dele. Mas na noite em que ela chega, ficam dos dois já sem conseguir dormir, ela na cama e ele circulando pelo apartamento. OK, fosse somente isso, mas começa uma confusão na rua e o que o Holmes desse filme faz? Igualzinho o povo quando tem tiroteio perto da casa dos meus pais no Rio de Janeiro: corre para a rua.
Começa um barulho na rua e você vai lá para o vilão lhe pegar. |
Sabemos que vai dar m****, mas não a extensão da coisa. Nosso herói é capturado por Moriarty que começa a testar heroína nele. Holmes fica dias preso e sendo torturado. No filme, a heroína foi inventada por Moriarty, mas a droga já existia desde 1874. Enfim, o Holmes canônico não é viciado em heroína, mas o filme faz uma coisa interessante com isso, Watson usa cocaína (*daí a referência à Freud*) para conseguir livrar o amigo da heroína. É uma tentativa de reduzir os efeitos da abstinência.
Quem fica como enfermeira é Rebecca, a atriz. Ela cuida de Holmes, os dois já estavam apaixonados. Depois que Holmes começa a se recuperar, o inevitável acontece e eles tem uma noite de amor, ou várias, vai saber. Mas Holmes decide sair com Watson para encontrar o lugar onde Moriarty o prendeu e acabar com o seu negócio de produção de heroína. E deixa Rebecca sozinha. Se da primeira vez Moriarty capturou o detetive, já no final do filme, ele leva a moça, claro.
Moriarty quer torturar Holmes. |
Eu realmente vejo como curioso alguns roteiristas/escritores querem justificar a misoginia do detetive com o trauma da perda da amada. É assim em O Enigma da Pirâmide, filme que eu amo e que me fez começar a ler os contos do detetive lá nos meus 12, 13 anos, e fazem em Sherlock: Case of Evil. Ora, Holmes não é um sujeito que fez voto de castidade, ou que recusa o envolvimento com uma mulher, porque sofreu uma perda amorosa. Ele acredita que as mulheres são ilógicas, menos capazes intelectualmente, e que, se ele cedesse aos seus encantos, iriam corroer as suas rotinas.
Pois bem, o vilão mata a moça com requintes de crueldade diante de um Holmes que nada pode fazer. Cena triste, é diferente do Enigma da Pirâmide, pois o vilão não queria matar a mocinha (*não naquela cena, que fique claro*), ela é que se atira na frente da bala para salvar Holmes. E, bem, mais uma vez essa história de "mataram a mulher da minha vida" é usada como justificativa para a solteirice de Holmes. Em Uma Solução a Sete Porcento, a coisa é muito melhor explicada (*dou o spoiler completo?*), tanto a aversão que Holmes tem pelas mulheres, quanto sua propensão a tentar protegê-las (*inclusive, delas mesmas*). Por tudo que escrevi, vocês já sabem que nesse filme há ZERO sugestão de qualquer relação homoerótica entre o detetive e seu melhor amigo.
Watson foi ferido na perna, como seu ferimento de guerra no cânon. Não fica claro se eles já estão dividindo o apartamento no final do filme. |
Já caminhando para o final, o filme tem umas cenas meio gore, temos umas três autópsias, fora outras cenas mais pesadas nessa linha. Watson é uma espécie de cientista a sua maneira e foi transformado em inventor, também. Ele inventa uma máquina que auxilia em suas autópsias e uma bengala que, na verdade, esconde uma rama calibre 45. A bengala de Holmes esconde uma espada.
Enfim, já escrevi que gostei do Watson desse filme, me pergunto se a intenção não era fazer uma série e a coisa não vingou. Ele tem umas teorias engraçadas de que um dia os cigarros serão proibidos, porque o cigarro é uma droga sem função medicinal, já a morina e a cocaína, mesmo mais potentes, tem uso na medicina. É ele quem dá o cachimbo para o jovem Holmes. O argumento dele é que é para quando proibirem os cigarros. Seria interessante se deixassem sugerido no final que Watson, que decide começar a escrever, omitiu esse caso para poupar Holmes do sofrimento e que decidiu reinventar o encontro dos dois em O Estudo em Vermelho.
E uma tia manda o famoso chapéu de presente para ele. |
Já o Holmes de James D'Arcy é mais imaturo que o menino do Enigma da Pirâmide. E ele comete uns erros que, bem, Holmes não deveria cometer, mesmo um que ainda estivesse aprendendo a ser o grande detetive. Agora, sem dúvida é Sherlock Holmes mais bonito que eu já vi em um filme. Fiquei tentando lembrar onde tinha visto o ator antes... Acho que só lembro dele em duas produções, mas nem o tinha notado direito, confesso. Ele foi Tom Bertram em Mansfield Park (2007), versão que não me agrada por causa da protagonista, e como Tibério Graco no docudrama Ancient Rome: The Rise and Fall of an Empire. O único capítulo que assisti (Rebellion) era estrelado por ele.
É isso, um filme divertido, mas nada tem de brilhante, é mediano e só isso. Ah, sim! Não vemos o violino de Holmes em nenhuma cena, pelo menos, eu não vi. Ele não cumpre a Bechdel Rule, seria difícil de qualquer forma, porque quando há duas mulheres em cena e elas tem nomes, estão falando de Sherlock Holmes. E Holmes só terminou vivo, porque tinha que terminar, fosse pela sua esperteza, ou talento, tinha morrido na metade do filme.
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