Ontem, aproveitei a solidão da manhã, isto é, todo mundo dormindo e eu acordada, para rever Razão & Sensibilidade (1995). Já estava pensando em fazer isso fazia tempos, mas as fotos do Alan Rickman pipocando na minha TL do Facebook durante a semana terminaram definindo as coisas. Para quem não sabe, Razão & Sensibilidade foi o primeiro livro publicado pela autora, que assinou "A Lady" para não ter sua identidade revelada. Não foi o primeiro que escreveu, mas aquele que conseguiu chegar às mãos do grande público.
O ano era 1811, quando mulheres autoras muitas vezes se escondiam sob pseudônimos masculinos, anonimato, ou arriscavam-se a toda sorte de humilhações e recriminações. Razão & Sensibilidade é uma trama que carrega dentro de si todos os elementos que marcam a obra de Jane Austen. Temos o forte elo entre irmãs. A crítica às injustas leis inglesas relacionadas à herança e que prejudicam tanto as mulheres, quanto os filhos caçulas. Temos o casamento como um destino necessário para as mulheres bem nascidas e a questão do dote, ou da falta dele, como um definidor de sua sorte.
Duas irmãs muito diferentes. |
Reduzidas a uma renda muito pequena, a família se muda para Barton Cottage, em Devonshire, graças à oferta de um primo distante da Sr.ª Dashwood, Sir John Middleton (Robert Hardy). O cavalheiro, que no filme é viúvo, reside com sua sogra, a Sr.ª Jennings (Elizabeth Spriggs), cujo maior interesse é casar toas as pessoas que puder. Em casa de Sir John, as Dashwood conhecem o Coronel Brandon (Alan Rickman), um amigo da família, homem muito gentil e honrado, mas com uma história de vida bem sofrida. O Coronel termina caindo de amores por Marianne, que tem 16 anos, e não cogita a possibilidade de aceitar o amor de um homem tão mais velho que ela.
Edward surpreende um breve momento de emoção de Elinor. Ela vai guardar esse lenço como uma relíquia. |
As coisas, claro, podem piorar, porque Elinor acaba sendo apresentada à Lucy Steele (Imogen Stubbs) que a toma por confidente e se apresenta como noiva secreta de Edward Ferrars. Elinor passa a ser guardiã de um segredo que lhe dilacera a alma. Já Marianne, acaba sendo recusada por Willoughby, que precisa casar bem apesar de amá-la. Antes das duas conseguirem alcançar a felicidade, sim, porque Jane Austen não deixaria suas heroínas na mão, teremos muito sofrimento e alguns mal entendidos antes de um belo desfecho.
Margaret é uma fofura. Gosto muito dela no filme. |
A principal mudança é na idade das personagens. A produção idealizada por Lindsay Doran demorou cinco anos para se concretizar e Emma Thompson, que ficou responsável pelo roteiro (*que quase se perdeu...*), não esperava encarnar uma das protagonistas. No livro, Elinor tem 19 anos. Emma Thompson tinha 35 quando das filmagens. A produtora propôs uma alteração crucial, Elinor passaria a ter 27 anos e seria uma solteirona. Só há uma protagonista de Austen que tem essa idade, Anne Elliot de Persuasão.
Uma das fotos mais bonitas do Alan Rickman que eu já vi. |
O filme de 1995 foi a primeira adaptação de Razão e Sensibilidade para o cinema, antes disso, o livro tinha sido adaptado para a TV pela BBC em 1971, com 4 episódios de 50 minutos, e em 1981, com sete episódios de cerca de 25 minutos. Tudo isso é facilmente baixável pela internet. Consegui as duas séries ontem. Essas primeiras adaptações eliminam a irmã caçula. Já a adaptação de 2008, com três episódios, tenta ser mais fiel ao livro. Mas por qual motivo estou enrolando tanto? Vamos ao filme, enfim.
Essa cena da colheita de juncos me pareceu meio sem muita razão de existir, salvo, claro, para o Coronel ajudar Marianne. |
Alan Rickman tem uma interpretação excepcional nesse filme e está muito bonito, também. O ator consegue materializar em olhares e gestos contidos todo o sofrimento e a angústia da personagem por amar, não ser amado, e perceber que a o romance de Marianne e Willoughby vai dar errado. E quando temos a sequência da tentativa de suicídio de Marianne, porque neste filme ela tenta tirar a própria vida quando está na residência dos Palmer, acredito que é impossível não sentir a dor do Coronel Brandon. Ele parece impotente diante da possível perda da moça e suplica que Elinor lhe dê uma tarefa, ou ele irá enlouquecer.
Marianne e Willoughby exibiam seu amor para o mundo inteiro. Quando iriam se casar? |
Aliás, antes que eu me esqueça, o único mocinho de Austen que eu imagino capaz de chorar em público e parecer plausível é Edward Ferrars. Acho interessante a interpretação de Hugh Grant, mas, ao mesmo tempo, o tipo de personalidade de Edward pedia efetivamente que ele fosse muito jovem. Como um sujeito chegaria aos 30 e poucos anos tão dependente da mãe? De qualquer forma, ele transmite toda a timidez e a angústia (*porque esse filme é cheio de gente angustiada*) da sua posição.
Marianne permite que Marianne e Willoughby corte uma mecha de seu cabelo como um talismã. |
E por conta desse rolo todo, temos o sofrimento de Elinor e a possibilidade de Emma Thompson oferecer uma das melhores interpretações de sua vida. A Elinor de Emma Thompson parece carregar o mundo nas costas e precisa esconder seus sentimentos o tempo inteiro. Como é constrangedora a situação de amizade forçada de Lucy Steele e suas confidências, ou a obrigação de esconder a todo o custo o seu sofrimento. E, como é um filme de detalhes, a cena em que Steele faz questão de usar um lenço com o monograma de Edward na frente de Elinor é particularmente cruel.
Lucy Steele, a noiva de Edward. |
E temos Marianne... Revendo o filme tanto tempo depois e bem mais velha, consegui sentir empatia pela personagem. Marianne Dashwood é a protagonista de Jane Austen que menos gosto, continua sendo. A vejo como leviana, egoísta, mas, ao mesmo tempo, consigo perceber o quão imatura ela era e como foi fácil se tornar vítima de um sedutor como Willoughby. Talvez, um dos meus problemas em perceber Marianne como uma adolescente venha do fato de Kate Winslet, que era uma adolescente à época, sempre me parecer mais velha do que era de verdade.
Boa parte do filme, Marianne só o esnoba. |
Agora, que ninguém pense que estou relevando Willoughby, porque ele faz parte daquele grupo dos boy lixo de Jane Austen. Ele não abandonou somente Marianne, a quem tentam nos convencer que ele amava de verdade, mas, antes disso, tinha seduzido e abandonado grávida uma adolescente, Elisa, chamada de Beth no filme. E, claro, por aqueles acasos de Jane Austen, ela era protegida do Coronel Brandon. Lembrem-se, também, que Lydia tinha 15 anos quando Wickham a seduziu e que a irmã de Darcy tinha a mesma idade quando ele tentou fazer o mesmo com ela. Austen gosta dessa idade.
O genro e a sogra. |
É divertidíssimo ver o casal Palmer atuando, Imelda Staunton e Hugh Laurie, são a exacerbação da animosidade respeitosa do Sr. e Sr.ª Bennet, porque, enfim,o marido trata a esposa muito mal mesmo. Já Richard Lumsden, Robert Ferras pode ser o filho favorito, mas como está deliberadamente feio nesse filme. E, sim, Emilie François, que faz Margaret é uma gracinha.
O casal Palmer. |
Por outro lado, acredito que poucas obras de Jane Austen tenham tocado tão bem nas injustiças que poderiam acontecer, também, com os homens. O Coronel Brandon era caçula, foi impedido de casar com a mulher que amava e mandado para longe de casa. Mesmo um filho mais velho, caso de Edward, poderia ter sua vida atrapalhada por pais autoritários, afinal, ele não poderia escolher sua profissão. E é engraçado quando Sir John exclama que um homem sem profissão certamente é um cavalheiro. Sim, mesmo na Inglaterra, um cavalheiro preferencialmente vivia de rendas.
Fanny, a vilã, e Robert, o irmão feio. |
Caminhando para o fim, considero Razão & Sensibilidade de 1995 a melhor adaptação para o cinema de um livro de Jane Austen. O elenco é competente, as alterações não prejudicam a história, as discussões de gênero (*nesse caso as limitações e injustiças impostas às mulheres*) e outras importantes na obra da autora estão dentro do roteiro. O figurino é bonito e fiel na medida que um filme precisa ser, os cabelos, que volta e meia são um problema, são adequados, também. E recomendo uma visita ao canal do Youtube da Oxford Academics, pois as entrevistas com o editor de Razão & Sensibilidade discute vários temas pertinentes ao livro e que podem ser percebidos no filme.
E, sim, o filme termina com dois bonitos casamentos. |
Não tem beijo no filme e não fez falta. A única cena de beijo foi cortada e está nos extras do DVD. |
4 pessoas comentaram:
Algo que não consegui entender é que no filme o Edward é deserdado por decidir casar-se com Stele (só depois o Brandon o oferece uma paróquia), no entanto Robert assume o romance e nada perde, o que não faz sentindo algum. Teria alguma explicação para isso?
Não só no filme como também no livro. A explicação foi a aberta preferência da mãe em favor do Robert. Fiquei indignada também, porém foi exatamente isso.
No livro Robert também deixa a mãe arrasada, porém ele havia sido emamcipado pela mãe quando Eduard não rompeu o noivado. Então ele tem dinheiro. E como Lucy se humilha para sua família com toda bajulação do mundo eles acabam sendo perdoados. O livro esclatece bem essa situação. Eu, psrticularmente, não gostei da adaptação.
Como li o livro primeiro, não gostei das alterações feitas na idade dos persanagens. Isso alterou muito a história original. Elinor não era uma solteirona. Era uma jovem de 19 anos, com atitudes de uma mente mais experiente e isso faz seu personagem ser cativante.
Postar um comentário