Me passaram uns prints de um grupo do Facebook sobre uma discussão sobre meu trabalho falando da garota-príncipe. Trata-se de um dos capítulos do livro que editei junto com o Prof. Amaro Braga. Em linhas gerais, a pessoa que comenta desqualifica o que eu escrevi, afirmando que trata-se de um livro (*na verdade é uma coletânea de vários autores*) superficial e mal pesquisado, porque Tezuka não teria criado a Garota-Príncipe, mas o mangá-ka Katsuji Matsumoto (1904–1986) em Nazo no kurōbaa (?(なぞ)のクローバー, "The Mysterious Clover").
A capa do mangá. |
Como a gente gosta de descobrir coisas novas e realmente eu não conhecia Nazo no kurōbaa, fiquei feliz em saber que a personagem foi inspirada em meus queridos Scarlet Pimpernel e Zorro. Em linhas gerais, trata-se da história de uma menina que se veste de bandoleiro e sai na calada da noite para ajudar os desamparados. Seria uma garota-príncipe? Realmente, não sei. Segundo as informações que consegui, a personagem aparece em uma única história de 16 páginas que foi apêndice da revista Shōjo no tomo de 1934.
A pessoa disse que eu teria encontrado a referência se tivesse procurado nos lugares certos, mas o verbete da Wikipedia sobre o autor é enfático ao colocar que essa pequena obra esteve desaparecida e ignorada pelos estudiosos até ser desencavada em 2006 para uma exposição no Yayoi Museum. Tente imaginar quantos exemplares sobraram dela. Somente depois disso, Nazo no kurōbaa começou a ser estudada pelos especialistas de seu país e aparecer em artigos em japonês, língua que não domino. Imagino que se saiu alguma coisa sobre ela em inglês, italiano, francês, tenha sido pouca coisa. O livro com o artigo ficou pronto em 2014 e foi lançado em 2015. O artigo foi escrito em 2013, talvez 2012, porque a coisa demorou a ser revisada e publicada.
A protagonista do mangá é uma pequena pastora. |
Se eu tiver a chance, procurarei ler artigos analisando essa obra, porque é algo que me interessa, claro. Agora, escrevo sem problema algum que Tezuka pode até ter lido essa historinha, mas as autoras da geração de 1948, dificilmente o fizeram. Elas leram Tezuka. Fora, claro, que as discussões de gênero, isto é, papéis atribuídos a homens e mulheres em uma determinada sociedade, só vieram a ser discutidos de forma ampla com A Princesa e o Cavaleiro (リボンの騎士). E sabe por qual motivo eu escrevo isso? Porque o que eu achei sobre Nazo no kurōbaa não entra em discussões sobre gênero, ou a insatisfação da protagonista, o que vem em destaque é que esse pequeno mangá se destaca pelo uso da narrativa gráfica, ângulos e tudo mais. É esse seu traço mais relevante. Olhando por cima e pensando por esse ângulo, eu realmente achei muito bom.
A protagonista confronta o irmão abusivo em suas roupas femininas. |
Em um artigo de 2014 (*as datas são importantes para situar o meu artigo*) do The Comic Journal chamado "The Mysterious Clover: Matsumoto Katsuji, Douglas Fairbanks, and the Reformed Modern Girl", fala-se de como o mangá bebeu no filme Zorro de 1920, que visivelmente inspirou a roupa da personagem, daí falar em Fairbanks, e apresentou a protagonista como tomboy. A tomboy é uma garota que tem comportamentos masculinos, que podem, ou não, resultar em algum conflito mais amplo. Pode ser somente uma fase, a menina tomboy normalmente está sempre vestida como uma garota comum vide Candy de Candy♥Candy (キャンディ♥キャンディ), mas ser garota-príncipe demanda um pouco mais, ela precisa questionar de alguma forma as bases da sociedade patriarcal.
Ainda no artigo, há uma fala da protagonista que confronta a descriminação sofrida pelas mulheres, mas a protagonista não está disfarçada de homem quando confronta o irmão, mas em suas roupas femininas comuns. Ela é a nova mulher, como Benio de Haikara-san ga Tooru (はいからさんが通る), que não aceita ser tratada como inferior por não ser um homem. Não se trata da garota-príncipe, vejam bem. E, de novo, o artigo louva as inovações narrativas apresentadas no mangá. Algo que não era comum e que, sim, acaba sendo atribuída à Tezuka. Mas uma obra isolada, isso se for o caso, não tira o mérito de Tezuka que fazia uso contínuo de recursos que iravam inspiração do cinema.
Bem Zorro, porque o Pimpernel não fazia esse tipo de exibição. |
A heroína é celebrada no final. |
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