Eu sigo o Coisas de TV, canal do Youtube do Fábio Garcia (*a Mara do Mais de Oito Mil*) e a Larissa Martins, e o vídeo de hoje era sobre Nos Tempos do Imperador. Já fiz um post sobre a novela, sucessora de Éramos Seis, e, lá pelas tantas, o Fábio recomendou esse texto meu. Me senti feliz, porque, enfim, um dos meus sonhos desvairados é participar de um programa deles. E nem acho o post muito bom. Agradeço muito a lembrança. Como fui citada, deixo o vídeo abaixo e, a seguir, o comentário que fiz lá com algumas alterações.
Quando vi a escalação da Letícia Sabatella, e gosto muito da atriz, pensei até em fazer um texto, porque acho que foi um erro essa escolha. Seria a chance de escalarem uma atriz baixinha, manca, não tão esbelta e bonita, porque seria mais parecida com a Imperatriz. Apesar de não esperar muito da novela, queria comentar alguns pontos do vídeo:
Poderiam dar a chance para uma atriz com o físico mais parecido com o da Imperatriz.
Como colocaram a ação nos anos 1850, iria ser muito difícil fugir de escalar a maioria dos atores e atrizes negros como escravos. Está muito longe da abolição e a opinião sobre o tema mudou bastante em quase três décadas. Se a novela fosse já no final do governo de D. Pedro, década de 1870 para adiante, eles poderiam fazer diferente. A novela está mais perto temporalmente de Escrava Isaura (1840/50) do que de Sinhá Moça. Na década de 1850, mesmo fazendeiros progressistas, que já percebessem na escravidão um problema, uma relação com os dias contados, dificilmente conseguiriam ver alternativa ao uso da mão-de-obra negra. Eles tinham sido educados para ver a escravidão como algo normal e necessário.
O casal protagonista da novela, Samuel e Pilar.
Essa discussão, aliás, está na novela Escrava Isaura de 1976. Tobias, primeiro amor de Isaura, sujeito totalmente do bem, queria o fim da escravidão, mas tinha escravos. Achava desumano, mas não via saída para a prática que o repugnava. Não sei como a novela Nos Tempos do Imperador vai tratar a questão, mas lutar contra a escravidão negra em 1856 era uma coisa bem mais dura do que fazê-lo trinta anos depois.
Tobias, o primeiro amor de Isaura, era senhor de escravos, apesar de abominar a escravidão. Contradições, enfim.
Falando nessa repetição de atores e atrizes negros como escravos, bem, estamos na década de 1850 no início dessa novela. O problema é ver isso em novelas como Tempos Modernos, ou mesmo Sinhá Moça, que se começam em 1886. De qualquer forma, a única novela da Globo que colocou um elenco negro em posições realmente diversificadas, havia escravos, libertos, profissionais liberais, foi Pacto de Sangue (1989), que estreou toda gravada e que nunca foi repetida, infelizmente. Só que ela se passava às vésperas da Abolição.
Mocinha "adiante de seu tempo" monta como homem. Quero ver se as princesas vão fazer isso, também.
Quanto à comparação entre Rodolfo e Sinhá Moça e a "mocinha adiante de seu tempo" (*Que roupa é essa que ela usa nesse vídeo?!*) e o seu par romântico, olha, o fato do rapaz ser negro mexe completamente na balança. Claro, as críticas da Larissa sobre ser a "mocinha adiante de seu tempo", modelo básico de toda novela recente, procedem, é muito cansativo não termos uma variação disso. O problema é que parece que os novelistas atuais só sabem fazer, ou esse tipo de mocinha, ou a sofredora. Não existe meio termo. Só que o mocinho ser negro é algo que normalmente não se vê.
A "mocinha adiante de seu tempo" com um discurso bem vazio, aliás.
Mesmo racistas conseguem digerir que o homem seja branco e a mulher, negra, mas quando isso inverte, é como se você rompesse com a lógica de dominação. É uma usurpação, um roubo, uma profanação. Por isso mesmo, seria possível criar uma grande história em torno desses dois, mas eu duvido que consigam. Agora, vendo o cara com dupla identidade e vestido com terno, sabendo que ele era escravo fugido (*está em uma das chamadas da novela*), talvez a fonte de inspiração seja o Luiz Gama. Só que eu não li nada à respeito ainda e acredito que seria mais produtivo colocar o próprio na novela. A vida de Luiz Gama, aliás, daria uma novela espetacular.
Será que terão coragem de mostrar um pouco do homem, ou vão ficar somente com o ícone?
De resto, espero que mostrem um D. Pedro II não tão idealizado, mas pela postura do Selton Mello nas chamadas, eu duvido. D. Pedro II é apresentado quase que como um santo em praticamente todas as mídias, quando algum historiador, ou historiadora, analisa sua figura e aponta algo que o apresente como humano e falho, fica parecendo que está "falando mal" do "único estadista honesto" que o Brasil já teve. No entanto, e é preciso pontuar isso, por tudo o que sei, e minha área não é História do Brasil, e nem sou monarquista, Pedro II era um estadista responsável e acima da média do que temos na política seja no Brasil, ou em outros países. Ele não pensava somente em manter seu poder.
Jackson Antunes será Duque de Caxias. Outro vespeiro.
Concluindo, recomendo o canal do Paulo Rezutti, ele lançou uma recente biografia de D. Pedro II. Não é historiador, é jornalista, em alguns momentos, a falta de formação na área impacta na análise, mas é um profissional seríssimo e que consegue desencavar fontes históricas como ninguém. E se alguém quiser trabalho de historiador, tem As Barbas do Imperador da Lilia Moritz Schwarcz, que foi transformado até em uma graphic novel (quadrinho). Trabalho de primeira. É isso, acredito que seja importante levar as personagens históricas para a TV. Falta isso no Brasil. podemos rir delas, admirá-las, criticá-las, elogiá-las, no mais, qualquer produção histórica normalmente fala mais do presente, das nossas ansiedades atuais, do que da época que supostamente busca representar.
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