terça-feira, 14 de janeiro de 2020

E saíram os indicados ao Oscar: Minhas Considerações sobre a falta de diversidade da festa


O assunto de ontem, por motivos diversos, claro, foram os indicados ao Oscar. A lista está aqui. Não vou falar das mesquinharias políticas brasileiras, mas de dois pontos que são mais ao meu gosto, este último Oscar foi o menos diverso em muitos anos e, também, um que excluiu deliberadamente histórias sobre mulheres.  Ausências notáveis foram apontadas por muita gente, uma, em especial, pegou duas fragilidades da Academia.  Quando o filme tiver resenha, vou assinalar.

Us foi uma das maiores bilheterias do ano passado (*12º lugar*) e Lupita Nyong’o teve seu desempenho elogiadíssimo.  Corra (Get Out), do mesmo diretor, Jordan Peele, tinha conseguido furar a barreira que impede bons filmes de terror de ganharem indicações.  Esperava-se que Us conseguisse chegar lá de novo de alguma forma.  Não conseguiu.  E, não, eu não gosto de filmes de terror NO GERAL, ainda não assisti nenhum dos dois filmes do Peele (*shame on me*), mas acompanho as notícias, leio resenhas e alguns amigos tentaram me fazer assistir ambos os filmes de todo o jeito possível.  Outro gênero esnobado, os filmes de super-heróis, conseguiu reconhecimento, Coringa chegou lá com 11 indicações e deve muito, muito mesmo, ao Pantera Negra (*resenha*) nesse ponto.  Acredito que todas as indicações foram merecidas, só que é mais fácil reconhecer méritos de homens brancos do que de homens e  mulheres negras, por exemplo.  Como já tinham indicado uma mulher negra a melhor atriz, Cynthia Erivo, por Harriet (*filme super esperado por mim*), a cota estava preenchida e não caberia Lupita Nyong’o ali.

Para muita gente, Us foi um dos melhores do ano
e deu MUITO lucro, mas, ainda assim, foi ignorado.
Alguém pode dizer que Lupita já tem um Oscar de coadjuvante.  Sim, ela tem, só que atriz coadjuvante é uma das categorias mais plurais e a que premia mais mulheres fora do padrão, isto é, negras, estrangeiras, crianças/adolescentes e idosas.  É ali, naquela caixinha, que você coloca os diferentes.  Este ano, não.  Como não assisti ainda o novo Little Women (Adoráveis Mulheres), não posso avaliar, nem o filme, nem o desempenho das atrizes, mas é curioso ver Florence Pugh indicada e explico o motivo.  Normalmente, em adaptações de Little Women, o destaque é sempre a atriz que faz Jo, Saoirse Ronan, queridinha da academia, está indicada como protagonista, ou o ator que faz Laurie, ou ainda, a atriz que faz a mãe da família, mas Laura Dern está indicada na mesma categoria de Pugh por História de um Casamento (*resenha*). 

Eu espero realmente que Florence Pugh tenha dado para Amy, a irmã caçula das March, uma interpretação diferenciada, porque, enfim, normalmente, as adaptações de Little Women tem uma dona só, que é a Jo.  Ainda mais em um filme, que comprime o livro.  De resto, sei que  Scarlett Johansson é muito competente, mas será que ela precisava aparecer duas vezes?  Talvez seja justo, Jojo Rabbit não saiu ainda, mas vejam que uma mulher branca, ou um homem branco (*não aconteceu este ano, mas antes, sim*), aparecer duas vezes não é um grande problema.  Agora, dois não brancos em uma situação dessas, seria algo difícil de suportar.

Vamos ver se essa indicação foi justa, ou não.
Continuando, The Farewell, protagonizado pela atriz Awkwafina, dirigido e roteirizado por uma mulher, Lulu Wang, foi ignorado.  O filme não estreou no Brasil, mas é uma história de mulheres, protagonizada por  mulheres, com um elenco de atores de ascendência oriental.  Todas as críticas a essa história que celebra os valores familiares, porque conta a história de uma família que descobre que sua matriarca está com uma doença terminal, mas decide esconder o diagnóstico e arrumar um jeito de juntar todos os parentes em uma celebração que será, como o título aponta, uma despedida.  Estou louca para ver esse filme.  Ele foi reconhecido em outras premiações, como o Globo de Ouro, mas o Oscar ignorou.  Agora, vá lá olhar quantas indicações Era uma Vez em Hollywood... (*resenha*) do Tarantino recebeu.  Um filme que deliberadamente omite fatos históricos relevantes, mas que poderiam aborrecer extremistas brancos, e retrata Bruce Lee de forma humilhantes, ganhou DEZ indicações.  A mensagem é clara, a Academia gosta de Tarantino e do que ele faz, da forma como faz.  Ótimo, mas a gente não pode deixar de apontar isso.

Não vou concordar integralmente com o texto do The Mary Sue, sobre Hollywood ignorar histórias de mulheres.  Hollywood pode preferir histórias masculinas, pode ignorar o quanto pode histórias de mulheres brancas, mas Adoráveis  Mulheres está  entre os indicados ao Oscar.  Obviamente, e aqui estou sendo super-super parcial, o filme é da Greta Gerwig, mas, mesmo ela, não conseguiu aparecer entre os melhores diretores do ano.  Até li um texto no qual o autor, ou autora, não consegui achar de novo, pondera que filmes não se dirigem por si mesmos.  Concordo, mas isso é problema antigo tornado mais evidente quando a Academia decidiu abrir a indicação de melhor filme para até dez produções. Ora, se você pode indicar até dez filmes e somente cinco diretores, gente vai sobrar.  

Awkwafina levou o Globo de Ouro, mas ela e
The Farewell foram esnobados no Oscar.
Os filmes indicados este ano foram:  Ford vs Ferrari (James Mangold), O Irlandês (Martin Scorsese), Jojo Rabbit (Taika Waititi), Coringa (Todd Phillips), Adoráveis Mulheres (Greta Gerwig), História de um Casamento (Noah Baumbach), 1917 (Sam Mendes), Era uma vez em... Hollywood (Quentin Tarantino) e Parasita (Bong Joon Ho).  Estão em vermelho os diretores também indicados nessa categoria.  Acredito que o grande vitorioso nesse rol de indicações seja Todd Phillips.  A Academia tem certa repulsa por filmes de super-heróis, mas gostou de Coringa.  E, repito, não é demérito do filme, é para a gente parar e pensar no que possibilitou que o filme furasse o bloqueio.  Agora, se abriram para um filme baseado em quadrinhos, sobra pouco espaço para ousar dentro dos padrões da academia.  

Era líquido e certo a indicação do diretor de Parasita (*resenha*).  O filme foi um dos queridinhos do ano por méritos próprios e por certos exageros.  Até me aborreci com um idiota fanático pelo filme, o sujeito chegou a me xingar, porque ele ficou indignado por eu não considerar Parasita genial, mas SOMENTE um filme muito bom.  Segundo o sujeito, o filme era genial, porque era muito melhor que as "bostas" (*termo dele*) que estreiam todo fim de semana.  Ora, ser melhor que filmes lixo não tornam um filme bom, certo?  E Parasita é muito bom (*e voltarei a ele em um texto próximo*).  Preenchida a cota do estrangeiro e do excêntrico, dada a cadeira cativa para o Quentin Tarantino, não sobrou espaço para uma mulher, nem mesmo a Greta Gerwig, nem para o Taika Waititi, que não norte americano e não é branco.  Alguém lembrou que Waititi poderia tr sido indicado a melhor coadjuvante, porque ele interpreta Hitler, mas, enfim, ele não foi indicado em nenhuma das duas categorias.  Jojo Rabbit foi lembrado duas vezes, uma delas com a dupla indicação da  Scarlett Johansson.

Dolemite não recebeu nem a indicação de figurino, que era certa.
Não quero me estender muito mais, mas resta comentar dois pontos.   Eddie Murphy era o único negro cotado para indicação em melhor ator por Meu Nome é Dolemite (*, fora figurino, no qual era favorito e ficou de fora*).  O único que tinha mínimas chances de ser indicado era ele.  "Ah, você está dizendo que nenhum ator negro merecia?"  Olha, um dos pontos discutidos faz muito tempo por aqueles que estão atentos ao cinema norte americano é a falta de papéis de destaque em filmes importantes para atores negros.  Os grandes filmes, os que dão dinheiro, os que tem visibilidade, as histórias que os produtores querem bancar, são, normalmente, sobre homens (*do sexo masculino*) brancos.  Percebe como a industria opera?  Olhe os indicados a melhor filme.  Somente três saem um pouco da curva.  Mesmo Coringa, que furou o bloqueio, conta a história de um homem branco.  Um filme sobre mulheres, sobre negros, estrangeiro, para furar o bloqueio precisa ser um sucesso inegável e, ainda assim, pode ser solenemente ignorado.  Isso aconteceu muitas vezes.  Você merece, mas não leva nem a indicação.  Vide o caso de Spike Lee por Malcolm X.

E já houve filmes indicados que ganharam e seu diretor, normalmente um homem branco esnobado por algum motivo, não estava na lista.  Exemplo?  Argo (*resenha*).  Filme muito bom e que viria bem a calhar de ser revisto, agora, no início de 2020, com esse atrito entre Estados Unidos e Irã.  Voltando, não tem como indicar cinco diretores somente e contemplar os dez diretores dos filmes do ano, matemática simples.  Agora, dá para repensar os critérios de indicação e parecia que o Oscar estava fazendo isso.  Não estava.  Como vai ter muita chiadeira, muita MESMO, como um amigo meu pontuou, ano que vem a Academia deve dar uma resposta.  O que isso significa?  Teremos indicações mais plurais, mas periga gente que não merece levar estatuetas de melhor filme e/ou diretor/a.  E, sim, estou me remetendo ao ano que premiou Guerra ao Terror (*resenha*) e celebrou a primeira mulher a receber um Oscar de Melhor Diretora.  Memorável negativamente e procurem os vídeos da festa de 2010, em especial Barbra Streisand, que foi esnobada várias vezes pela Academia para uma indicação por melhor direção, e Tom Hanks, que entregou o prêmio principal.  Veja o constrangimento, ele estava tão pesado que dava para cortar com uma faca.  

Vale como representatividade, mas foi uma escolha ruim.
Resumindo, não é porque foi feito por mulher, negro, oriental, marciano, whatever, que é bom, mas muita coisa boa é ignorada por ser feita por quem não é homem-branco-ocidental, mas quando a crítica vem pesada, periga-se premiar filmes "diferentes", seja pelo tema, ou pela origem, simplesmente para dar satisfação.  Atende o princípio MÍNIMO da representatividade, mas pode premiar coisas esquecíveis, ou ruins mesmo.  Kathryn Bigelow, por exemplo, fez um filme extremamente reacionário, que invisibilizava as mulheres presentes nas forças armadas norte americanas, e que foi elogiada por conseguir fazer um filme de homem (*guerra/ação*), como qualquer homem faria.  Lindo, não é?  Ela foi premiada por conseguir fazer o que qualquer diretor branco mediano faria, mas sendo mulher, é um mérito e foi premiada.  E está aí a Barbra Streisand, Ava DuVernay, Lulu Wang etc. etc. E, não, para mim a Greta Gerwig ainda não fez por merecer, mas, se tivesse que apostar, acredito que ela passe a frente de muita gente com mais currículo que ela por motivos que já foram expostos neste texto.  

Mesmo em filme estrangeiro, que tinha muitos filmes pré-candidatos sobre mulheres e dirigidos por mulheres, prevaleceu na lista final narrativas centradas em homens e dirigidas por homens.  Honeyland tem uma co-diretora Tamara Kotevska e é sobre uma mulher caçadora apicultora.  Só que, algo curioso, o filme está em todo lugar listado como documentário e, não, ficção.  O resto são filmes sobre homens, ou com maior destaque para eles, e dirigidos por homens.  E, claro, se nada acontecer de estranho, a estatueta tem dono, Parasita.  Todo mundo sabe disso, temos um cenário muito parecido com o do ano passado, com Roma.  Só que eu não acredito que o Oscar de diretor vá para a mão do Bong Joon Ho.

Exemplo do quanto as mulheres fortes incomodam.
Sim, terminando, eu fiquei realmente furiosa com a ausência de Frozen 2 (*resenha*) em melhor animação, especialmente, porque no lugar da animação da Disney entrou Como Treinar o Seu Dragão 3 (*assisti e não resenhei, como a maioria das animações que vi com Júlia em 2019*).  Histórias sobre meninos que se tornam homens são mais relevantes que histórias sobre mulheres, que já tinham deixado de ser meninas no filme anterior, e descobrem que o mundo é muito maior do que elas imaginavam.  E mulheres fortes incomodam, vide a imagem que eu coloquei acima. De resto, todas os outros filmes da lista são filmes sobre homens, centrados neles.  E ninguém me venha dizer que Toy Sory 4 (*resenha*) é sobre Bo Peep, porque o filme é sobre o Woody.  Enfim, esta estatueta parece já ter dono, também, Link.  Curiosamente, a Júlia não se interessou pelo filme quando assistiu ao trailer no ano passado, disse que não queria ver.  Ela só se interessou quando falei que o filme tinha sido premiado, agora, ela quer saber o motivo.  

Sim, não indicaram nenhum anime.  Novidade?  Não.  É o prêmio do cinema americano, estrangeiros estão lá por concessão.  O problema mais grave e meu texto é basicamente TODO sobre isso, é quando não dão espaço nem para a representatividade doméstica.  É isso. Desculpem o texto longuíssimo.

4 pessoas comentaram:

Oi Valéria, como vai?
Fiquei bem frustrada com a ausência de "Us" na lista de indicados.
Não gosto de filmes de suspense/terror, mas este em especial me
chamou a atenção.
Mas eu fiquei em dúvida sobre "O Farol". Você chegou a assistir?
Este filme poderia vir a concorrer este ano?

Abraços,

S.

Não me interessei pelo Farol. Tive boas referências, mas não pago para ver Robert Pattinson no cinema, a não ser que seja incontornável. 😉

E dois papas? Eu amei o filme!

Eu gostei de Klaus. Espero que ganhe como melhor animação. Toy Story 4 e Como treinar seu dragão, ao meu ver, foram apenas pra arrancar dinheiro (principalmente com o ingresso de 3D tão caro...).
Faz tempo que eu não estou mais tão interessada no Oscar. Acho uma premiação bem injusta. Eles tentam fazer mudanças pra melhorar, mas a minha vontade de assistir é bem abaixo de zero.

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