sábado, 4 de janeiro de 2020

Comentando Frozen 2 (EUA/2019): Rumo ao Desconhecido passado de Arendelle


Quinta-feira, assisti Frozen II e, sim, é um filme bem satisfatório.  Nesta primeira continuação para os cinemas de um filme de princesa, ou de rainha, já que Elsa é a governante de Arendelle, a Disney tentou manter o que, pelo menos na minha concepção, foi o forte da primeira película, o forte ele entre as irmãs.  Se o primeiro Frozen (*resenha*) era de Elsa, esse é de Anna, ou, pelo menos, a irmã da rainha do gelo é fundamental para o curso dos acontecimentos.  De novidade, que podem, ou não, ser vistas como inconsistência, temos o fato de Arendelle ter se transformado em um país multirracial.  De qualquer forma, o visual é deslumbrante e o figurino foi uma das coisas que mais me impressionou, a música tenta acompanhar o que foi feito no primeiro filme.  As crianças que estavam comigo gostaram e a adulta que está escrevendo, também.


Elsa faz contato com os espíritos.
O ponto de partida desse segundo filme é o seguinte, passaram-se três anos desde a coroação de Elsa.  Arendelle está em paz e prosperando, quando a rainha começa a ouvir uma voz que parece chamá-la.  Uma voz que vem do norte.  Ana e Elsa terminam por lembrar uma velha canção que sua mãe cantava para as duas quando crianças falando de uma terra chamada Ahtohallan e de quando seu pai contou a história de um acordo de paz com o povo chamado  Northuldra, que vivia em harmonia com os espíritos da natureza.  O avô de Elsa havia presenteado aquele povo com uma magnífica represa, mas tudo terminou em uma batalha.  Nesta batalha, o avô de Elsa e Anna foi morto e seu pai, ainda adolescente, só se salvou porque alguém do povo inimigo se compadeceu dele.  De qualquer forma, a floresta foi fechada em uma densa neblina que a tornou impenetrável para qualquer humano comum.


A rainha precisa partir em busca de suas origens.
Ainda angustiada com as vozes e com as lembranças, Elsa tem que lidar com uma tragédia nada natural, causada por um dos elementais, o vento.  Para piorar, os trolls aparecem em Arendelle para avisar que coisa piores ainda estavam por vir.  Elsa decide partir para o norte e Anna se impõe, recusando-se a ficar.  Partem, então, Elsa, Anna, Kristoff, Olaf e Sven rumo à floresta dos Northuldra e em busca de respostas sobre o passado das duas irmãs.  Enquanto isso, Olaf, que parece estar tentando ainda se acostumar com sua vida no meio dos humanos e as muitas perguntas que a vida estava colocando diante dele, insiste que a "água tem memória".  Já Kristoff busca oportunidade para pedir Anna em casamento, mas parece sempre perder o momento certo para fazê-lo.


Vemos muito do pai e da mãe de Elsa e Anna
e as duas como crianças, também.
Não assisti ao primeiro filme no cinema, porque estava com Júlia recém-nascida, mas vi Frozen tantas vezes que, se tivesse que escrever uma segunda resenha, mudaria muita coisa do que coloquei no meu texto original.  Realmente passei a considerar Frozen um dos melhores filmes da Disney, exatamente pela dinâmica estabelecida entre as duas irmãs, pelo reforço dos laços entre Elsa e Anna.  Agora, é fato que, apesar da coragem de Anna no primeiro filme, da importância que ela tem, a moça continua como a parte imatura do par, ela é uma menina, se comparada com Elsa, que é, principalmente depois de Let it go, uma mulher, ainda que ainda cheia de angústias a resolver.  


Elsa está mais poderosa do que nunca,
mas não pode fazer tudo sozinha.
Sabemos que Anna tem uma personalidade ansiosa, agravado pelo isolamento que lhe foi imposto.  Ela quer viver, ela quer conhecer o mundo.  Mas é engraçada a parceria dela com Olaf no filme, com o boneco de neve a tratando com a reverência de uma anciã, alguém que tinha vivido muito.  A Anna do segundo filme tem a idade de Elsa no primeiro, 21 anos, e está pronta para entrar nesse mundo adulto, só que, para isso, Elsa precisa levá-la junto com ela.  O temor nesse filme é que Elsa vá longe demais, que se arrisque para além de seus poderes.  Já Anna quer mostrar para a irmã que ela pode, sim, ser uma ajuda valiosa.  


Mattias e Anna.
Como irmã mais velha, e superpoderosa, Elsa tem dificuldades para compreender que sua irmãzinha cresceu.  Como irmã mais velha, eu entendo o sentimento.  E, bem, no momento em que as coisas precisam ser executadas, é Anna que tem que vencer seus medos, limitações e salvar Arendelle.  Ela poderia falhar, mas não havia tempo para ficar sentada chorando seus mortos.  Sim, este era o caso.  Não achei a trilha sonora tão marcante quanto a do primeiro filme, mas a música solo de Anna, a canção que ela começa a entoar em seu momento de desespero, enquanto busca forças para terminar a sua jornada é uma das melhores do filme.


Anna e Olaff são muito amigos nesse segundo Frozen.
Se as canções não me empolgaram muito, até acho que havia músicas de mais e ainda estou me perguntando como transformaram “Into the Unknown” (Rumo ao Desconhecido) em “Minha Intuição”, gostei muito do visual do filme.  Não assisti em 3D, mas, mesmo assim, o visual do filme foi deslumbrante.  A sequência de Elsa com o cavalo de água já tinha sido mostrada no primeiro teaser, mas ela completa é espetacular.  As esculturas de gelo que mostravam o passado, porque “a água tem memória” tiveram um belo efeito dramático, também.  Outro ponto que comentei para mim e para as meninas durante o filme foi a beleza do figurino.  Elsa e Anna usam várias roupas ao longo do filme, o que possibilita o lançamento de uma quantidade enorme de bonecas em múltiplas variações, mas os vestidos todos são lindos.


Não saia da sala de exibição, porque há
uma cena pós-créditos com Olaff.
Já foi rompida a barreira da indicação de uma animação ao Oscar principal, daí a criação da categoria animação, mas fico pensando se não seria possível indicar um desenho para Melhor Figurino.  E eu insisto, o figurino de Frozen 2 é muito bom e a riqueza de detalhes das pedrarias nas roupas de Elsa, ou a forma como os vestidos se transformam e/ou se sobrepõe ao longo do filme é muito bem bolada.  Mesmo a indumentária masculina não é sem graça, ainda que não seja deslumbrante como a das duas heroínas.


Os laços entre as irmãs continuam fortes.
Falando de problemas, em minha resenha do primeiro filme, tinha pontuado o quanto Arendelle era um reino um tanto absurdo.  O lugar parece ainda menor nesse segundo filme, sim, é possível.  Lembrei-me dos acanhados reinos da novela Deus Salve o Rei da Globo, quando a câmera mostrou o pequeno estado de cima.  Pois bem, mas uma das críticas ao primeiro filme tinha sido a ausência de representação de outras etnias do que seria o norte da Europa.  Os Northuldra estão lá para isso e não posso detalhar mais, porque poderia dar spoilers.  Agora, algo que fizeram foi transformar Arendelle em um reino multiétnico, pois, no primeiro filme, uma das acusações de branquear os Sámi, povo ao qual Kristoff supostamente pertencia.


Havia negros no primeiro filme?
Não tenho como pegar o filme 1 para olhar, mas não lembro de negros em Arendelle, neste filme dois, o reino tem negros, além de vários outros grupos, representados na população.  A terceira personagem masculina de maior destaque, o tenente Mattias, é o guarda-costas negro do pai de Elsa e Anna.  Decidiram chutar o pau da barraca em qualquer consistência histórica, como tentar situar Arendelle como um reino europeu do final do século XIX, agora, Arendelle deve estar no mesmo universo de Helena de Avalor ou da Princesinha Sophia.  A coisa se torna ainda mais impossível quando vemos mulheres soldados em Arendelle.  De novo, não havia nenhuma no primeiro filme, neste caso, eu não tenho dúvidas a respeito.  Pergunto-me se precisavam fazer isso, romper de forma tão absoluta com qualquer relação com qualquer convenção temporal-histórico-geográfica, mas fizeram.  E eu não gostei mesmo.


Anna e Kristoff começam como um casal,
eles só precisam dar o passo seguinte.
Falemos de Kristoff, agora.  Tropecei em um artigo, que nem vou tentar achar, porque, bem, minha conexão está um lixo hoje, que dizia que o rapaz era inútil.  Discordo veementemente, porque, em última instância ele salva todo mundo, porque se ele não tivesse resgatado Anna mais de uma vez ao longo da película, estendendo-lhe a mão, que ela agarra com toda confiança, para continuar sendo nossa heroína de plantão no resto da sequência, Arendelle já era.  Kristoff poderia ser substituído por outra personagem, sem dúvida, mas um outro qualquer não teria a sólida relação de confiança e afeto com a heroína.  


Kristoff usa a natureza a seu favor, como sua aliada.
Uma das coisas mais diferentes em relação a qualquer outro filme da Disney é que Anna e Kritoff já começam juntos e eles só precisam se casar.  E esse é o drama do rapaz, como pedir Anna em casamento superando a timidez e o monte de obstáculos que eles precisam vencer para salvar Arendelle.  Falando em Kristoff, a outra grande música do filme é cantada por ele, quando o rapaz pensa que Anna o deixou para traz ao partir com Elsa para o extremo norte.  Foi necessário, aliás, mas ele segue atrás dela.  Kristoff no filme é um modelo de masculinidade saudável, não tóxica, mais do que útil, especialmente, para as crianças que assistem ao filme.


Elsa tenta se livrar de Anna para protegê-la, mas a jovem
mostra que não é uma criança indefesa.
E Olaf, nosso bonequinho de neve, continua irritante e adorável.  Ele fica se inquirindo sobre o sentido da vida e parece deslumbrado com o mundo de possibilidades de aprendizado que a natureza e os humanos oferecem.  São dele duas das cenas mais divertidas do filme, mas engraçadas de verdade mesmo.  A primeira, quando ele conta os acontecimentos do filme anterior para as pessoas que estavam isoladas na tal floresta mágica e a segundo, uma cena pós-créditos (*fiquei uns dez minutos a mais esperando por ela*), na qual ele reconta o segundo filme, o que acabamos de assistir.  Ambas foram muito, muito inspiradas e eu estou me perguntando até agora quem é Samantha... 


A salamandra fofinha.
E como vocês já devem saber, Elsa não é lésbica, nem tem um par romântico.  Aliás, quem acompanhou meus textos sobre o assunto (*1 - 2*), sabe que não seria problema para mim, mas que preferia que criassem uma personagem que tivesse sua orientação sexual explicitada desde o início.  Querer forçosamente que Elsa tenha um namorado, ou namorada, é reforçar o estereótipo de que uma mulher não pode ser feliz sem um par romântico, ou que ninguém pode, veja bem, viver sua vida sem estar preocupado/a com essas coisas.  Elsa pode, ela está além disso e não adianta os reacionários chiarem, nem os progressistas reclamarem, melhor deixar a heroína em paz.  Quem sabe no filme três, não é mesmo?  Eu aposto que ele vem, ou algum especial, quem sabe.  Se bem que o final de Elsa a colocou em um patamar diferente de uma simples mortal.  OK, ela já estava em um patamar diferente mesmo.


Novo upgrade no cabelo da Elsa.
Nesse filme, aliás, temos de novo a metáfora do cabelo, quando Elsa finalmente descobre quem realmente é, seus cabelos ficam completamente soltos e mais brilhantes.  Ah, sim!  E agora a boneca da Elsa pode ser vendida com um bichinho, a salamandra, o espírito do fogo, que é a coisinha mais fofa do filme.  Eu queria um bichinho daquele em vinil, pelúcia, o que seja.  Já Anna parece usar o cabelo preso não como metáfora de repressão, mas como de fato era no século XIX, para mostrar que não era mais uma menina, mas uma mulher.  


Os Northuldra.
De resto, é um filme que celebra a importância da família, os laços que continuam além do tempo.  Nesse sentido, o filme reafirma valores mais que tradicionais. O pai e a mãe de Anna e Elsa estão presentes em vários momentos da película com direito a algumas revelações importantes.  Por exemplo, quem acreditava na teoria maluca de que eles eram pais de Tarzan, esqueçam, porque, agora, o cânon vai deixar bem claro que não é assim.  Os Northuldra também são importantes nessa descoberta dos antepassados, mas não vejo em Elsa, Anna e, bem, nada de spoilers, qualquer traço desse pessoal.  


Há um casal no filme, ele é importante, Anna, aliás, é fundamental.
Terminando, o filme cumpre a Bechdel Rule com facilidade e é, mais uma vez, um filme que celebra a sororidade através das duas irmãs.  Coloca mulheres em posição de destaque não somente por seu nascimento, mas por serem capazes de agir, tomar seu destino em suas mãos, fazendo as escolhas sensatas e corretas.  Frozen 2 reforça, também, um modelo de masculinidade não-tóxica, que não celebra a agressividade, mas estimula a parceria e a cooperação, seja com o feminino, representados por Elsa e Anna, seja com a natureza, que não é apresentada como algo que precisa ser domado, ou submetido.  É memorável esse Frozen 2?  Não sei, mas foi um aprofundamento das personagens que aprendemos a amar no primeiro filme e um material que consegue dialogar com crianças e adultos sem tratar ninguém como incapaz.


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