segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Aplauso para o criminoso, críticas para a vítima. É preciso saber perdoar. 💗


Olha, como o caso me deixou muito furiosa e é uma daquelas situações que ilustram bem a desigualdade entre homens e mulheres, ou a tolerância com um determinado tipo de agressor, decidi trazer a história para cá.  Está dentro do escopo das coisas que a gente discute no Shoujo Café.


Resumo do caso do vídeo acima: pastor da juventude, em uma igreja no Texas, abusa sexualmente de uma adolescente, confessa diante da igreja VINTE ANOS DEPOIS e é aplaudido pala igreja inteira.  Igreja grande. Tudo só veio à público porque a adolescente, agora, uma mulher adulta e casada, contou sua história graças ao #MeToo.  Aquele movimento que começou entre atrizes de Hollywood e celebridades que vieram à público contar histórias de assédio e abuso sexual, alguns, muitos anos depois.  O que salta aos olhos, quer dizer, mais uma coisa que salta aos olhos, é que o pastor em questão era crítico do movimento #MeToo por ser muito agressivo e mais ainda do seu desdobramento o #ChurchToo, que eu não conhecia, mas que levou a discussão para dentro das igrejas evangélicas.  Realmente, deve ser um movimento muito radical, especialmente, para quem tem telhado de vidro...  

Vamos lá, o caso só chegou ao Brasil com dois anos de atraso, mas em boa hora, afinal, dia desses mesmo, o Papa Francisco anunciou algo que era exigido fazia tempo, que padres que cometeram crimes sexuais sejam entregues a justiça, ou seja, cai a regra do segredo de confissão nesses casos.  Dia desses, um famoso pastor deputado do nosso país, muito moralista e crítico dos movimentos feministas e outros, foi expulso de seu partido por corrupção mas, também, por assédio sexual e outros delitos relacionados a sua conduta com mulheres que com ele trabalhavam.


Escolher esperar é direito seu, não pode ser política de estado.
Voltando ao caso do pastor americano, em 1998, o movimento pró-abstinência sexual, o "Eu escolhi esperar", que os norte-americanos exportaram para o mundo e que a ministra Damares transformou em política pública e que vai encher o bolso de algumas pessoas, estava a todo vapor nos Estados Unidos.  O Texas é um dos estados mais importantes quando a gente pensa em grupos evangélicos conservadores.  Pois bem, vejam que em um Brasil, a diferença de 22 (ele) para 17 anos (ela) não seria vista como escandalosa, caso os dois fossem namorados. Nos Estados Unidos, ela é.  Discuti isso extensamente várias vezes, mas recomendo o texto sobre "pedofilia" em Aladdin, porque acredito que seja o melhor. 

Enfim, já vi uns casos um feios em que professora de vinte poucos anos pega cadeia nos EUA por ter transado com aluno de 18 anos, acima da idade de consentimento na maioria dos estados norte-americanos.  Neste caso, professora tinha 22 anos, mesma idade do pastor.  Motivo?  Na leitura da lei, quem está em posição de autoridade por princípio pode constranger um subordinado, ainda mais um adolescente, a atos que não deseja. Está leitura cabe aqui direitinho.  Um pastor, especialmente, em meios conservadores tem muita autoridade sobre o seu rebanho.  Esse pastor, um jovem exemplar de 22 anos, estava colocado como conselheiro de adolescentes.  Para que um sujeito com tão pouca idade estivesse nessa posição, das duas, uma, ou a igreja era pequena demais, daí se valer de alguém nessa idade para uma função de tamanha responsabilidade, ou ele era efetivamente visto como um sujeito acima da média em termos de conduta espiritual e, claro, sexual.


Manter as pessoas na ignorância, só favorece a ação de abusadores.
Achei duas matérias em inglês que dão extensos detalhes do caso (*1 com vídeo da vítima -2*).  O sujeito parou o carro em uma estrada erma, colocou o órgão sexual para fora e pediu que a menina o chupasse.  Vamos supor que ela não aceitasse, ele poderia largá-la ali.  Em 1998, os Estados Unidos ainda estavam discutindo o caso Bill Clinton, presidente norte-americano acusado de ter mantido relações sexuais com uma estagiária da Casa Branca (*e mais mulheres apareceram*).  Isso quase o levou a um impeachment e colocou em evidência a discussão de que se sexo oral era sexo de verdade.  

Esta "dúvida" a respeito do sexo oral é algo que pode ser fruto tanto da canalhice de alguns, quanto da educação sexual deficiente resultado, entre outras coisas, das políticas de abstinência sexual tão caras às igrejas evangélicas do país.  Por exemplo, no Texas, onde o caso ocorreu, educação sexual não é sequer obrigatória nas escolas, muito menos discussões sobre consentimento.  Pois bem, a coisa entre a adolescente e o pastor não ficou somente nisso, mas penetração não houve.  No meio da história, o cara (*supostamente*) entrou em pânico, correu para fora do carro, caiu de joelhos, pediu perdão a Deus e para a moça, SILÊNCIO.  Sim, não conte para ninguém.  A jovem procurou o pastor da igreja, o titular.  Ele o que fez?  Ordenou SILÊNCIO.  


Educação sexual é fundamental para que crianças e
adolescentes se salvem de abusadores.
Caso desses, em uma igreja conservadora DE VERDADE, escalaria para um casamento.  Não é o ideal, estou simplesmente falando como pessoa que cresceu em uma igreja evangélica, que seria o que ocorreria.  Não ia ser bom para ele, nem para ela, mas, sim, seria esse o caminho.  Não estou me posicionando, mas dizendo o que iria acontecer caso o pessoal cumprisse o que prega.  Conheço casos de jovens que queriam que a família aceitasse um casamento precoce, quando pais e mães queriam que eles estudassem e esperassem, que fizeram sexo para poder casar.  E estou falando de anos 1990, a época desse caso nos Estados Unidos.  Esse pastor tem a minha idade.  Como desdobramento do caso, o jovem pastor foi transferido para outro lugar.  A moça obedeceu.  Anos depois, graças aos movimentos de mulheres, ela decidiu falar.

Esse caso me lembrou o da família exemplar com trocentos filhos que tinha um reality show  (*19 Kids and Counting*) nos EUA.  Falei deles aqui em um texto sobre educação domiciliar.  Crianças lindas, brancas e perfeitas, educadas em casa, tudo girando em torno da igreja, mas, eis que se descobre que o filho mais velho, já pastor, militante de movimentos conservadores, tinha abusado de algumas das irmãs quando era adolescente (*agora, li que de uma babá, também, e que uma das irmãs abusadas era uma BEBÊ de colo*).  Como o caso foi tratado?  Ele foi aconselhado, orientado, tudo no maior sigilo e dentro da comunidade religiosa.  E as irmãs?  Para elas, SILÊNCIOSuas dores, o que pensam, não sabemos até hoje.  A elas cabe perdoar, afinal, o agressor se arrependeu, confessou e, claro, não foi tratado como a lei exigia.  Para ele, muito amor e compreensão. A mãe da família até alegou que "Não houve dano, porque elas nem tinham ideia da gravidade do que tinha acontecido."   


Família linda com segredos bem feios.
Enfim, confessar algo grave, pelo menos no meio cristão, não deveria ser motivo para aplauso, mas para que se buscasse pagar pelo crime, que não é somente pecado, ou erro. Testemunho a gente dá depois de ter cumprido com as penas relativas ao crime. Eu já assisti testemunhos de sujeitos que tinham cometido crimes sérios, mas depois de ter pago pelos seus delitos, depois de terem se convertido e aceitado suas penas.  Agora, parando para pensar, testemunho de estuprador; de prostituição, um monte, mas de gente que abusou sexualmente de alguém, nunca.  Curioso... De qualquer forma, não foi o caso desse pastor. E o pastor mais velho que acolheu a confissão, ainda lamentou que a vítima não tenha sido capaz de perdoar e continuar calada.  Eu acredito no perdão, é terapêutico, mas não nesse perdão seletivo, obtido mediante chantagem para salvaguardar a imagem pública de um homem.  Não raro, aliás, homens que são muito duros na forma como medem outros.

Agora, vamos parar e pensar um pouquinho em quantas meninas, meninos e mulheres, dada a tolerância, não foram chamadas à perdoar para que homens pudessem continuar em suas posições de poder, autoridade e vomitando regras morais para todo mundo? Sera que esse senhor só fez isso com uma adolescente, ou tinha esses surtos de culpa toda vez que saia da linha? É só a igreja católica que precisa fazer a faxina? Esse daí foi transferido depois do abuso e a vítima, bem conclamar a a se calar lá em 1998 e em 2018, mais uma vez.  


Exemplo de megachurch.
Já a carreira do pastor vai muito bem, ele abriu mais uma "megachurch" no ano passado.  O que é uma "megachurch"?  Uma igreja evangélica, normalmente conservadora nos costumes e liberal na forma de adoração (*pensem em um show*), com uma média mínima de 2 mil pessoas por culto todas as semanas. (*ironia mode ON*) Imagina se esse homem abençoado tivesse que responder por seu "mau passo" quando tinha 22 anos?  Quantas vidas ele deixaria de abençoar? (*ironia mode OFF*)   A conta bancária dele seria menos gordinha, também.  Talvez, se ele fosse negro, a tolerância seria menor, mas isso daria outro texto.

Concluindo, porque já me estendi demais e estou brigando com a conexão, fui atrás de informação sobre idade de consentimento no Texas. Em 2020, ela é de 17 anos, não sei em 1998. O que isso significa? Se o adolescente tem  menos que essa idade é crime. O outro link que encontrei discute as exceções, curiosamente, o Texas é um dos Estados que menos abre exceção para quem é pouco mais velho que a vítima. Normalmente, as exceções são para pessoas com 3 ou 4 anos mais velhos que o/a adolescente.  No Texas, três anos.  Se a lei texana fosse a mesma em 1998, o jovem pastor estaria ferrado.  Então, silêncio é fundamental e muito amor, também, mas só com o agressor, porque, bem, não vamos ferrar com a vida de um jovem tão promissor.

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