Uma das coisas que adiei, adiei e não fiz este ano foi uma resenha da Bela Adormecida, a terceira animação de princesas da Disney, que foi tão cara para a época, tão requintada, que causou um prejuízo grande ao estúdio. Só tivemos uma nova animação de princesas, a Pequena Sereia, em 1989, trinta anos depois. Poxa! É outro filme aniversariando, mas eu não pensei em comentá-lo, fica para outra vez. Enfim, eu até cheguei a escrever alguma coisa nos cinquenta anos da Bela Adormecida, mas não foi bem uma resenha. Para quem quiser, está aqui.
Nas ilustrações recentes, Aurora usa rosa. |
Considero A Bela Adormecida um dos filmes mais injustiçados do estúdio, porque o pessoal aponta o dedo para a Aurora, como a mais submissa das princesas da Disney, fazem até piada com isso, mas esquecem que nas versões tradicionais do conto a coisa era realmente desfavorável para a princesinha. E nem falo de voltar nas origens, em Giambattista Basile (1566-1632), "Sol, Lua e Talia", uma história violenta e que tratava o estupro e outras violências sofridas pela protagonista com uma banalidade enorme, me refiro às versões posteriores já depuradas. Na média, em a Bela Adormecida, a princesa vai de bebê à moça de 16 anos em um salto, fere o dedo, dorme e não interage com o príncipe em momento algum antes do desfecho da história. A passividade da heroína é realmente extrema.
Ilustração do conto de Basile. |
O que a Disney fez? Deu uma vida para Aurora antes da fatidica espetada no dedo (*bebendo em outro conto, aliás*) e colocou a princesa se encontrando previamente com seu príncipe, o primeiro a ter nome, e fazendo com que eles se apaixonassem quando cantam juntos na floresta. O dueto dos dois serviu de inspiração para o entre Ana e o vilão em Frozen, que culmina com a menina querendo se casar com o rapaz só para Elsa dizer que ninguém deveria fazer isso com quem acabou de conhecer. Trata-se de uma espetada nos antigos clássicos da Disney. Outros tempos e uma releitura feminista de uma situação mais que banal para qualquer realeza até o início do século XX.
Príncipes e princesas casavam sem se conhecer pessoalmente, com sorte, havia trocas de carta e retratos, porque o que importava era combinação das famílias e seus interesses dinásticos. Mas mesmo em A Bela Adormecida temos uma crítica a esses arranjos "Papai, nós estamos no século XIV!", diz um Filipe indignado quando o pai cobra dele que se case com a princesa que lhe foi prometida no berço. O moço já tinha se apaixonado pela camponesa, que ele não sabia ser a sua prometida, e estava disposto a conseguir impor sua vontade aos mais velhos. Em 1959, filmes como Juventude Transviada eram sucesso e Elvis rebolando era algo que virava a cabeça dos adolescentes e jovens que começavam a acreditar que podiam e deviam se fazer ouvir na sociedade.
Filipe, aliás, é o primeiro príncipe da Disney com nome e personalidade, ele não é somente um lugar de refúgio para a mocinha em perigo. Ele tem o que fazer no filme e faz muito. É meu príncipe favorito da Disney até hoje, o que encarna todas as boas virtudes e tem senso de humor. Mas mesmo que se busque desqualificar A Bela Adormecida em termos feministas, quero que alguém me mostre um filme da Disney, qualquer um, com tantas personagens femininas importantes e com falas. Malévola é a vilã mais elegante e poderosa do estúdio e nossa princesa não se salvaria se não tivesse as três fadas-tias, tão injustiçadas no filme Malévola, lutando por ela e a protegendo.
Quando tudo parecia perdido, são as Fadas que colocam todo mundo para dormir e dão para Filipe as armas mágicas necessárias para que ele derrote a vilã. Elas são fundamentais e elas não são jovens, são gordinhas e baixinhas, e capazes de tomar as decisões que precisam com a presteza e a coragem necessária. Aurora não é ajudada por bichinhos e acreditar que foi Filipe, sozinho, quem salvou a princesa é anular a importância das três fadas madrinhas. Sim, quero que me apresentem outra animação da Disney com tanta representatividade feminina quanto A Bela Adormecida.
Falei demais da Bela Adormecida, enfim, quase uma resenha. De qualquer forma, faz dez anos que A Princesa Sapo foi lançada. Trata-se da última animação de princesas 2D da Disney, infelizmente. Só que, na época, com a Pixar a todo vapor, as coisas estavam mudando e o estúdio acabou por por acompanhar o que era tendência no momento. Eu assisti ao filme no cinema e fiz uma resenha para o Shoujo Café na época. Revi a animação depois com a Júlia e tenho Blu-ray, aliás, nunca saiu uma edição especial dessa animação no Brasil.
Tiana é importante só por existir e eu gosto bastante da personagem, que é decidida, trabalhadora, racional, ainda que sonhadora. Acho aquela introdução do filme, com o bonde indo da parte rica da cidade para o subúrbio dos negros um primor. Agora, é fato, que mantenho duas das minhas críticas da época à película. A primeira delas é que a Disney perdeu a chance de pegar um conto africano de verdade e contar sua história, assim como fez com contos ocidentais, ou a lenda de Mulan. Claro, nada impede que aconteça, mas nesses dez anos, o que tivemos?
Tiana é das classes trabalhadoras, mas não em uma situação de escravidão como Cinderella e a Bela Adormecida. |
Salvo por Moana, todas as princesas continuam sendo brancas e europeias e ainda teremos repetição de Ana e Elsa. Fui procurar, mas não consegui encontrar (*conexão ruim*) nenhuma lista feita pela própria Disney com suas princesas favoritas. Há um consenso que é a Cinderella, mas quem estaria no top 10? Mulan, com certeza, e Bella, mas quem mais? E eu considero a animação original, que eu resenhei para o blog, muito boa, mas tenho curiosidade para saber em qual colocação Tiana está nesse ranking.
A outra crítica é que, mesmo com uma princesa negra, que o é não somente por casar com um príncipe, mas por trazer dentro dela as virtudes de uma princesa para a empresa, Tiana passa boa parte do tempo como um sapo. Ora, isso foi muito ruim. Nas versões do conto da Princesa Sapo, a princesa se mantém humana o tempo inteiro, é o príncipe que está sob feitiço. Na animação, a Disney deixa Tiana por mais de 60% do filme como um bichinho. Isso é bom? Não. As meninas negras tem uma personagem com a qual se identificar, verdade, mas ela é invisibilizada dentro de seu próprio filme.
Agora, um deslize da Disney, que eu não percebi na época, foi a escolha das cores, Tiana usa vestido azul, mas na maioria das ilustrações da personagem, ela está de verde. Cada princesa usa uma cor, ou assim, parece, nas ilustrações oficiais e em outras campanhas. Por exemplo, Aurora usa azul e rosa no filme, mas como Cinderella usa azul, a Bela Adormecida aparece de rosa faz um bom tempo. No caso de Tiana, o verde em si não era problema, até que em 2012, lançaram um doce de melancia de Tiana e isso gerou uma forte crítica nos EUA. Veja, a imagem caricata de uma pessoa negra comendo melancia é um dos signos do racismo nos Estados Unidos algo usado em filmes e animações entre os anos 1930 e 1950 sem qualquer cerimônia e colocaram Tiana vestindo as cores da melancia. Bola fora absoluta e algo bem ofensivo.
Eu queria muito outra princesa negra, uma de uma lenda africana, algo que tivesse origem no próprio continente. Enfim, vai rolar? Não sei. De qualquer forma, Tiana é importante, mas expõe o desequilíbrio entre princesas brancas e não brancas, porque temos somente Tiana, Mulan, Pocahontas (*tão injustiçada*) e Moana. (*Jasmine é anterior, mas está em um filme da série herói que se chama Aladdin*) É pouco, muito mesmo. De resto, uma das coisas que eu mais gosto em A Princesa Sapo é a amizade entre Tiana e a mocinha branca doida para casar, assim como ela ter uma mãe viva e que lhe apoia. Quantas princesas tem mãe viva? Merida, sem dúvida, mas a outra é Aurora e a mãe dela, em um filme de mulheres com falas e importância na trama, é somente bela e silenciosa, não muito diferente, aliás, da mãe de Rapunzel, tantos anos depois.
É isso. É o último post pessoal do blog em 2019, a não ser que eu post alguma coisa de Feliz Ano Novo. Pretendo publicar um presente que recebi, mas, neste caso, não foi trabalho meu.
5 pessoas comentaram:
A própria imagem que você colocou no final do post, traz jasmine, outra princesa nao branca. Mas sim, ainda é pouco
Jasmine foi incorporada às princesas, mas ela é coadjuvante de um filme da série heróis. Ela não não impacta em nada o que eu escrevi.
Assisti A Bela Adormecida ano passado. E cheguei as mesmas conclusões que você.
Me ajude. Eu sempre assisti Cinderela na infância e achava que o vestido da Cinderela era branco e o que mudava sua cor eram as luzes do baile, entre azuis e violetas. Quando os produtos da série Princesas começaram a ser vendidos, cada uma ganhou uma cor e o vestido ficou cada vez mais azul. Mas no original não é branco? Kkkkk
Suellen, sempre foi azul.
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