Nas últimas duas semanas, Diego Hypólito, um dos nossos grandes ginastas, caiu em desgraça com as esquerdas e, em especial, com a comunidade LGBTQI. Tudo muito justo, aliás. Em um ambiente de conflagração (*acho essa palavra linda*) política, ele se deu ao direito de se fazer de desentendido e posou para uma foto com o presidente da república, que extinguiu o ministério dos esportes e não tem política alguma para a área. Pensaram que falaria do fato dele ser gay? Sim, sim, está na lista, mas um atleta deveria colocar essa questão como um fator preponderante neste caso, em especial, um que sofreu tanto com a falta de patrocínio. Sabe qual foi a primeira ou a segunda vez que falei de Diego Hypólito no Shoujo Café? Quando o Flamengo cortou os patrocínio de seus atletas em janeiro de 2009.
A cereja do bolo foi aparecer com o namorado em um "louvorzão" com a primeira-dama e dar uma declaração (*infelizmente, perdi o link*) de que sabe que vive em pecado, mas que acredita que fazendo muita caridade, conseguirá a salvação. Bem, bem, alguém deveria orientar o moço que dentro do meio evangélico-protestante, o ambiente da primeira-dama, esse caminho é teologicamente impossível, a não ser que já exista por aí uma vertente cuspindo em tudo que Lutero, Calvino e outros pais (*e mães*) da Reforma Protestante escreveram e defenderam publicamente. Não duvidaria, esse mundo anda virado mesmo. Ainda que possa tudo ter sido uma distorção do que ele escreveu sobre a diferença entre solidariedade e caridade em um texto falando de seu namorado. OK. O que me empurrou para escrever este texto, ainda que tenha muitas outras coisas possíveis de comentar, foram os comentários de uma matéria do UOL intitulada "Diego Hypólito anuncia sua aposentadoria da ginástica". Vamos lá!
A fatídica foto. |
Primeira coisa, nada há de estranho em se aposentar aos 33 anos. Com a idade que tem, com todo o esforço que já fez, nada há de anormal nisso. A aposentadoria dele pode, sim, ter sido antecipada por problemas de patrocínio, mas se retirar de um esporte de impacto e alto desempenho nesse momento e se dedicar a outras áreas, talvez até permanecer como treinador, já que ele é uma referência na área, é normal.
Segundo, vários comentários são sobre os supostos ataques de ódio da esquerda (*que para quem escreve é um bloco monolítico, claro*) contra o moço. Destacam que o UOL omitiu no título a parte mais relevante da matéria, que seria exatamente a exposição por parte do atleta das agressões sofridas. Enfim, criticar a postura política equivocada do rapaz, sua alienação, não é ódio, mas, sim, há gente que escreve coisa absurdas. E, claro, quem acusa normalmente tem um dedo para o "inimigo" e quatro voltados para si.
A marca nega, mas a propaganda com Diego Hypólito não está mais sendo veiculada. |
Se as pessoas, muitas vezes as primeiras a atacarem personalidades não alinhadas com suas ideias (*e que são prontamente chamadas de esquerdistas por elas*), começarem a exigir o silêncio deferente em relação à equívocos e até crimes de gente que é negra, mulher, LGBTQI etc., estarão traindo suas próprias ideias de que nenhum grupo deve ter privilégios. Aliás, as esquerdas (*nem todas as vertentes, que fique claro*) acolhem as minorias por solidariedade com sua luta e/ou seu abandono por parte do poder público, da perseguição sofrida por instâncias religiosas, ou o grande capital, não por concordar em acobertar desvios de condutas ou a alienação dos indivíduos que pertencem a esses grupos. É preciso tentar entender até as condutas individuais, relevá-las, ou acobertá-las quando crime, nunca.
Terceiro, há um comentário em especial, muito longo e bem redigido feito por alguém de esquerda. Foi este comentário em especial que me obrigou a escrever o texto e é uma daquelas oportunidades de apontar mais uma vez que não há grande diferença entre um machista, um homofóbico, um racista, whatever de direita, ou de esquerda. Ele está aí embaixo. Como o autor não coloca um nome, não precisei apagar nada.
No afã de criticar Diego Hypólito pelo que ele merece ser criticado, o autor reduz a "mimimi" todas as situações de abuso que o atleta sofreu. Eu escrevi um texto comentando o assunto que foi notícia no ano passado. Se você não quiser ir ao texto, destaco o trecho mais importante, mas se quiser os links, terá que ir até lá: "Precisamos mudar a forma como as masculinidades são forjadas em nossa sociedade, pela violência e para a violência. Meninos submetidos a uma rotina de abusos - físicos ou emocionais - podem não crescer para serem abusadores em alto grau, mas tenderão a ver a violência como aceitável, formativa, e, talvez, até um dos laços que os une aos outros homens, vide a camaradagem dos que praticam bullying, por exemplo. Vítimas um dia, agressores mais adiante, como se fosse um ciclo normal, como se fizesse parte da vida, desde que, claro, você não seja SEMPRE a vítima. Alguém leu o depoimento do Diego Hypólito sobre sua infância e adolescência como atleta? Pois é, ele veio à tona no meio de inúmeras denúncias de abusos cometidos por homens (técnicos) e meninos ginastas contra outros meninos ginastas. Isso é normal? Pelo jeito foi, para uma geração ou mais de atletas brasileiros. Esse caso está me dando angústia, mas não sabia bem como comentá-lo aqui. Meninos e homens são vítimas do machismo e da sua violência, e suas identidades pessoais e sociais são forjadas assim. Daí, vários se tornam opressores, agressores e cúmplices, porque a classe dos homens se protege e há vantagens em estar do lado dos opressores e não nas vítimas usuais, as mulheres, as crianças, os machos considerados mais fracos. E pedir ajuda pode transformar você em um desses machos fracos, ou em um traidor."
Não se pode normalizar o bullying. |
Normalizar experiências de abuso transformando-as em algo banal pelas quais todos os ginastas devem passar para se tornarem homens de verdade é criminoso. No entanto, é algo que faz parte da própria dinâmica da construção da masculinidade (*tóxica*) visível em nosso tempo. Não, nada do que Diego Hypólito relatou é "mimimi" foi bullying, abuso com conotações sexuais, negligência dos técnicos; é tudo que não se deve fazer com ninguém.
Negar-se a criticar isso, porque, bem, Hypólito se tornou persona non grata, recebendo o selo de minion, é uma atitude desprezível. Ao fecharmos os olhos para o bullying e os abusos em ambiente escolar, em locais onde crianças e adolescentes praticam esporte, lugares de formação de caráter e de personalidade, somos quase tão criminosos quanto os agressores. Como professora, eu sei que as pessoas fecham os olhos e isso é uma das piores coisas de estar em uma escola, ver o bullying acontecer e ter gente achando que é o que vai fortalecer aquele menino, ou menina, que eles precisam passar por isso.
Eu nunca esquecerei deste momento. |
Veja, você pode continuar criticando Diego Hypólito pelos sucessivos papelões que ele vem fazendo. Até imagino que, em um futuro próximo, ele possa se converter (*ele diz ser evangélico, falo de conversão*) e dizer que deixou de ser homossexual. Ele me parece uma pessoa extremamente permeável a esse discurso, talvez por todas as situações de abuso e repressão que sofreu. Mas não é disso que estou falando, tampouco sou psicóloga para avaliar essas coisas. O que eu peço é que não esqueçam de dois pontos: ele foi vítima de abuso e ele foi um dos nossos maiores ginastas e merece respeito por isso, pelo seu desempenho como atleta.
Não diminuam a situação pela qual ele e outros meninos passaram para continuarem treinando, às vezes, escondendo da família o seu sofrimento. Quando Hypólito contou sua história, um dos técnicos abusadores estava finalmente sendo investigado pela justiça depois de cerca de uma década abusando de meninos. Ele foi banido do esporte. Ignorar isso é mesquinharia política. Agora, aqueles que o fazem por homofobia (*"A bichinha bem que gostou!" "Se faz de vítima, mas queria o quê com aquela pinta toda?" e por aí vai*), você é fruto desse sistema que legitima e normaliza os abusos, mas ainda há tempo de repensar seus valores.
Quando Diego voltou a falar dos abusos, a maioria dos portais trazia esta foto. Veja se é foto adequada para uma matéria sobre violência sexual? O que ela sugere? |
No mais, Diego Hypólito precisa aprender a ser responsável pelas escolhas que faz. Isso implica em ser criticado, vaiado até, perder patrocínios e tudo mais. Outras personalidades LGBTQI de pouco juízo já passaram por isso. Ninguém escolhe ser homossexual, hetero, ou bi, ou o que seja, ou sofrer bullying, mas pode ser mais seletivo, ou precavido em outras questões. E é tudo o que eu tenho que escrever sobre este caso.
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