sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Novelando Urgente: Ainda não vou falar de Amor de Mãe, mas da tentativa de desqualificar o trabalho da Regina Casé


Esses últimos dois dias foram meio atribulados (*encontrar escola para a Júlia, aulas e provas de recuperação etc.*) e não postei nada no blog. é raro, mas acontece.  Enfim, estou assistindo a novela das 21h.  A última que acompanhei completa foi, salvo algum engano, Salve Jorge (2012-13).  Normalmente, só vejo novelas de época e tenho baixíssima tolerância às tramas contemporâneas, variando um pouco a depender de quem escreve.  

Gosto da Glória Perez, por exemplo, daí ter assistido, na média, mais novelas das 21h dela do que de outro autor qualquer.  Graças ao vídeo do Coisas de TV resumindo o primeiro capítulo de Amor de Mãe e a notinhas como essa que coloquei para abrir o texto, fui lá e peguei a estreia da novela que é escrita por uma autora estreante, Manuela Dias.  Resultado?  Não consegui parar de assistir e estou atrasada em vários capítulos de Éramos Seis por causa disso.  Espero retomar em breve.

Lurdes, seus filhos e sua neta.
Na novela, Regina Casé é uma potiguar, ou seja, nascida no Rio Grande do Norte, que teve seu filho mais novo vendido pelo marido (Daniel Ribeiro), um alcoólatra, para uma traficante do Rio de Janeiro.  O filho mais velho, um menino de uns dez anos, tenta impedir o pai, mas quem é ele para lutar com um homem adulto?  Lurdes, o nome de sua personagem, interpretada na primeira fase pela maravilhosa Lucy Alves, não pode fazer nada, já que estava no hospital, parindo a filha caçula, porque a parteira viu que era caso de emergência.  Ao retornar, ela enfrenta o marido, que tenta estuprá-la recém parida, e termina por matá-lo acidentalmente. Ela foge com as crianças e, no caminho, encontra uma bebezinha abandonada.  Com seus quatro filhos, ela chega no Rio, vai trabalhar como diarista, empregada, babá e nunca desiste de procurar seu filho perdido, mesmo mais de vinte anos depois.

Regina Casé tem cara de pobre, assim como eu tenho, imagino que se eu ganhasse na loteria, continuaria com a mesma cara de gente da periferia, do subúrbio, do entorno, da favela mesmo, aida que nunca tenha morado em uma.  Gente que para quem sempre cai como uma luva a descrição de Euclides da Cunha em Os Sertões "O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.  A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.  É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos."   Regina Casé, com seus 65 anos, poderia ser minha mãe, a avó de alguém, a tia e se fosse a professora universitária, a advogada, a empresária, continuaria parecendo gente do povo, gente como boa parte do povo brasileiro.  Gente vista como feia, mas forte, apesar de aparentemente fraca, conforme a descrição mediada pelos princípios eugênicos de Euclides da Cunha no início do século passado.

Duas nordestinas típicas.  E, sim, eu sei que
há nordestinos de todos os tipos,
 questiono as escolhas televisivas.
Quando você viu uma protagonista nordestina, com cara de pobre e já perto da terceira idade em uma novela?  Estou falando de protagonista de novela contemporânea urbana, não de participação especial, não a empregada de alguém, ou, no máximo, a mãe de uma personagem de maior relevância. Falo de uma mulher que pudesse parecer com as que a gente vê no mercado, na feira, na igreja, enfim, com alguém que você conheça na vida real.  Alguém pode falar Maria do Carmo.  Como eu poderia esquecer dela?  

A protagonista de Senhora do Destino (2004-2005), uma self made woman (*uma empreendedora que se fez por seu próprio esforço*) que, assim como a Lurdes de Regina Casé, veio para o Rio de Janeiro sozinha com os filhos vinda do Nordeste, não morava na Zona Sul, nem na Barra, mas em Duque de Caxias (Baixada Fluminense).  Agora, nem ela, nem seus filhos, que eram trabalhadores (*menos o filho que era político e bandido*), pegavam ônibus, algo incomum nas novelas daquela época, mas não se pareciam com nenhum dos meus parentes de Sergipe, ou os do meu marido, que são da Paraíba, ou com a maioria dos nordestinos que eu conheço.  Eles eram nordestinos tipo exportação, por assim dizer, aqueles que reforçam para os estrangeiros a ideia de que nós, brasileiros, somos mais brancos, altos e dentro dos padrões de beleza internacionais do que somos na média.

Pi-Pi-Pi-Pó-Pó-Pó, será que
Regina Casé não tem medo de se repetir?
Mas eis que alguns jornalistas, essa nova foto de uma chamada da Folha de São Paulo está aí para provar, querem enfatizar que Regina Casé está se repetindo.  Como assim se repetindo?  Estamos falando de quê?  De cinema?  A maioria dos brasileiros e brasileiras não vai ao cinema e, quando vai, não opta por filmes nacionais, salvo as grandes comédias, algumas delas, especiais que caberiam melhor na televisão do que na tela grande.  Quantos papéis de cinema Regina Casé fez com o perfil de Lurdes?   Eu, Tu, Eles por ser nordestina?   Que Horas Ela Volta?  por ser nordestina, empregada doméstica e babá?  Ambos foram grandes sucessos de público e crítica, inclusive, mas as personagens ali não são a Lurdes.  A protagonista assujeitada de Que Horas Ela Volta? em nada parece com a mãe leoa da novela, ela nunca colocaria o filho de qualquer patroa em primeiro lugar.

Muito bem, faz 18 anos que Regina Casé não está  em uma novela completa, acredito que a última foi As Filhas da Mãe (2001-2002), das 19h, que eu não assisti.  Ela até fez alguma participação especial, mas uma novela inteira, faz tempo.  A minha recordação mais antiga de Regina Casé é Cambalacho (1986), na qual ela interpretava uma espevitada suburbana que queria ser Tina Turner e exigia ser chamada de Tina Pepper.  Casé envelheceu e não tem o biotipo para ser uma Helena de Manoel Carlos, ou uma das dondocas ricas que costumam povoar novelas das 21h e as outras, também, mas se lhe dão um papel na medida de seu talento, isso parece incomodar.

Minha lembrança mais antiga de Regina Casé.
Parece que ter uma protagonista (*são três nessa novela*) fugindo dos estereótipos (*ainda que reforçando outros*) recorrentes da telenovela brasileira incomoda muito certas pessoas.  Incomoda tanto, que eles chegam ao ridículo de perguntar para a atriz se ela não tem medo de se repetir.  Nunca perguntam isso para uma atriz branca, alta, magra e linda (*para os padrões dominantes*), ainda que já além da meia idade, esse tipo de coisa.  Elas podem fazer o mesmo papel, com poucas variações, novela após novela que, bem, a imprensa nem se importa.  Se saem do estereótipo, caso de Sílvia Pfeifer, que em Topíssima interpreta uma mulher pobre e da favela, duvidam que vá dar certo, afinal, ela nasceu para ser a mulher rica de novela das 21h da Globo.  Até parei para pensar em um remake de Brega e Chique (1987).  Será que colocariam segunda família do ricaço branca e padrãozinho como foi nos anos 1980, ou escolheriam um elenco mais plural?  Difícil saber.

Enfim, Regina Casé está arrasando na novela.  Meu medo, nem é ela, mas a autora, uma novata nesse formato, conseguir segurar essa trama por quase 200 capítulos.  É um grande desafio escrever uma novela, ainda mais das 21h com capítulos de quase 1h de duração por mais ou menos sete meses.  Desejo sorte e que ela consiga cumprir a missão.  De resto, parem de querer desqualificar Regina Casé por ser gente como a gente e prestem atenção no ridículo que é dizer que ela está repetindo o mesmo papel.

2 pessoas comentaram:

Texto incrível parabéns, quando eu e meu irmão estávamos vendo o primeiro capítulo dessa novela ao ver o papel da Regina, nos depois falamos ao mesmo tempo ela é igualzinha a avó, que é nordestina forte me ensinou a ser assim também, incrível pois foi a primeira vez que tive o sentimento de uma real representação de várias formas...

Independente de como Regina Casé for na vida real sempre questionam seu talento por causa da sua riqueza. Como se el tivesse obrigação, pra ser reconhecida profissionalmente, de ser fofa. Todo mundo vê as declarações da Susana Vieira, da arrogância que ela mostra, mas sabem separar seu trabalho da sua postura pessoal. Por que será, não é mesmo?

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