terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Moyoco Anno fala da importância de Haikara-san ga Tooru na sua vida


O Luiz me deu este belo presente de Natal, a tradução de um texto de Moyoco Anno comentando a importância de Haikara-san ga Tooru (はいからさんが通る) em sua vida. O artigo é um extra da reedição do mangá, assim como a conversa entre Waki Yamato (*autora do mangá*) e Ryouko Yamgishi.

Agradeço muito ao Luiz por mais essa gentileza, inclusive por me dar uns toques quando cometo algum erro de tradução em algum post.  Enfim, este post é a melhor forma de terminar 2019. E, antes do fim, se alguém tiver visto o torrente do segundo filme de Haikara-san, por favor, me avise.  Para quem quem quiser ler a resenha da primeira parte, está aqui.




Explicação Especial

A Haikara-san macrocósmica - Moyoko Anno

Talvez isso ainda aconteça, mas na época em que eu estava no primário, às vezes eram distribuídos como brinde shitajikis grossos nas livrarias (N. T. shitajiki é uma espécie de cartão de plástico - ou outro material - para colocar debaixo de um papel de escrever para apoio).  Havia ocasiões em que eu não tinha idéia de qual era o mangá desenhado, mas, sendo essa criança apaixonada por quadrinhos que eu era, só de ter um desenho de mangá nelas eu já ficava feliz.

Então um dia, o tio de uma loja disse que me daria um desses materiais extras e o colocou na sacola de mangás que eu havia acabado de comprar.  A imagem era a de Benio usando um hakama com um guarda-chuva aberto, tendo como fundo o macrocosmo. Era a ilustração do shitajiki.


Shinobu Ijuin é o "segundo tenente", o noivo de Benio.
Eu fiquei como que flutuando de felicidade.  Foi a primeira vez na minha vida que fiquei tão feliz por receber um brinde. Eu voltei para casa dançando e tirei da sacola da loja o shitajiki. Esquecendo-me até mesmo de ler os mangás que havia comprado, aproximei o meu rosto com grande vigor dele e fiquei contemplando-o sem enjoar.

Se pensamos em séries que têm o macrocosmo como pano de fundo, estamos acostumados a ver isso em mangás como Galaxy Express 999 ou Space Pirate Captain Harlock. Mas como não havia muito isso em mangás shoujo, fiquei me perguntando porque haveria essa imagem do universo, já que não era um mangá de ficção científica. Embora tivesse essa dúvida, cheguei à conclusão de que alguém como Benio conseguiria viajar pelo universo, assim como Tetsurou (N. T.: Personagem de Galaxy Express 999).

No macrocosmo de Haikara-san ga Tooru, havia uma escuridão profunda dentro do azul ultramarino. Ainda assim, era belo e leve como é típico dos mangás shoujos. O brilho das estrelas estava desenhado de forma minuciosa, até mesmo em suas pequenas e claras irradiações ao longe, e eu senti sua imensidão sem limites, como ocorre com o verdadeiro universo.

Isso foi igual à expansão que senti quando li o mangá da Yamato-sensei. Era uma estória que, embora grande e sublime, possuía um sentido de realidade. Seus personagens tinham uma familiaridade como a de pessoas que nós temos ao nosso lado. Benio, neste mangá em que as circunstâncias infelizes dela eram mescladas com gags visuais cômicas e vívidas, neste sentido era uma protagonista bem revolucionária. Ela é uma personagem alegre, forte, honesta, que possui um coração gentil e uma perspectiva ampla das coisas. Até mesmo eu, que na época do primário tinha inclinação em torcer pelos arqui-inimigos e rivais das personagens das histórias, amava a Benio.

Ela é justa de maneira coerente para consigo mesma e para com os outros, e eu achava engraçado e fofo o fato de ela não esconder suas idiotices.

Os personagens masculinos que a cercavam também; nenhum deles tinha defeitos. Claro, todos eram belos, mas apesar de cada um ser de um tipo diferente, todos eram legais. Não apenas seus rostos, mas até mesmo suas formas de viver e de pensar eram belas.


No canto, de cima para baixo, Tosei (chefe de Benioe seu quase marido),
Shinobu, Ranmaru e, do outro lado, Onijima, que termina
com Tamaki, a melhor amiga, ojousama e feminista, da protagonista.
Conforme fui envelhecendo, houve uma mudança nos personagens masculinos de que gostava. Quando estava no primário, eu gostava do belo e andrógino Ranmaru, mas quando estava no ginasial me sentia atraída pelo Ookami-san (N. T.: Onijima) com seu ar delinquente. Depois eu basicamente tive por única opção por um período razoavelmente longo o editor chefe, e agora, fechando o ciclo, eu gosto do Segundo Tenente. Quando era pequena eu o evitava porque para mim ele pertencia à Benio.

Personagens secundários como a melhor amiga de Benio, Tamaki, e o avô do Segundo Tenente transbordavam personalidades únicas e um sabor de humanidade. Quando havia episódios tristes ou retratos dolorosos de situações, era possível superá-los desde que estivéssemos juntos com esses personagens charmosos.

Os personagens cômicos que não tinham muita relação com a estória também eram divertidos, assim como eram divertidos os mini-mangás e ilustrações da Yamato-sensei e suas assistentes que ficavam fora dos quadros ou no fundo deles.

Era realmente divertido. Eu me deixava assimilar com todo o meu coração pela vida dessa protagonista que tinha um pulsar de juventude, e com ela eu ficava com raiva e me alegrava. Eu me apaixonava pelos personagens masculinos e chorava por amor. Eu me divertia com minhas amigas imitando as piadas do mangá e copiava as ilustrações dos vestidos esplêndidos. Eu também aprendia com as pequenas doses de informações históricas e ficava feliz comendo o anpan da Loja Kimura (N. T.: Kimura é uma rede de lojas especializada em vender pães no Japão). Tudo o que é divertido em um mangá estava presente em Haikara-san.

Como mangá narrativo, ele não é simplesmente engraçado, mas também apareciam nos episódios a tragédia da guerra e a tolice do ser humano como partes importantes da obra. Por mais que nós pensemos dentro de nossas cabeças e tentemos avançar com algo de forma prática, no fim a natureza segue seu próprio caminho. O que será, será. Até mesmo essa regra básica do nosso mundo - o ser humano seguirá vivendo - está desenhado completamente.


Uma heroína inesquecível. 
“O quão poderosa é esta obra!”, eu pensei isso novamente depois de virar adulta e também tornar-me mangaká.

Eu quis desenhar um mangá que se tornasse um nutriente para o coração das meninas dessa mesma forma, mas, ao tentar fazê-lo, não consegui. Pois o caminho é muito íngreme e longínquo e eu não estava à altura.

Isso não é algo que você consiga atingir só por ter vontade de fazê-lo. É algo que uma pessoa extraordinária desenhou de maneira divertida, mas também séria. E nisso aparecem naturalmente todas as coisas desse mundo. Pensei que isso guiava as pessoas que liam o resultado desse processo.

Mas, como é esperado de um mangá, se você coloca um conteúdo que guia demais as pessoas, isso vira um sermão chato que ninguém consegue ler. É importante haver também um balanço entre a diversão de se ler uma história e os elementos típicos de um mangá, além do componente romance e também de uma moda reluzente.

Nesse sentido, Haikara-san ga Tooru é de fato o mangá número um do universo, e esta Benio que tem atrás de si o macrocosmo é, para mim, um ícone eterno.

Sessenta Anos da Bela Adormecida, Dez Anos da Princesa Sapo


Uma das coisas que adiei, adiei e não fiz este ano foi uma resenha da Bela Adormecida, a terceira animação de princesas da Disney, que foi tão cara para a época, tão requintada, que causou um prejuízo grande ao estúdio.  Só tivemos uma nova animação de princesas, a Pequena Sereia, em 1989, trinta anos depois. Poxa! É outro filme aniversariando, mas eu não pensei em comentá-lo, fica para outra vez. Enfim, eu até cheguei a escrever alguma coisa nos cinquenta anos da Bela Adormecida, mas não foi bem uma resenha.  Para quem quiser, está aqui.  

Nas ilustrações recentes, Aurora usa rosa.
Considero A Bela Adormecida um dos filmes mais injustiçados do estúdio, porque o pessoal aponta o dedo para a Aurora, como a mais submissa das princesas da Disney,  fazem até piada com isso, mas esquecem que nas versões tradicionais do conto a coisa era realmente desfavorável para a princesinha. E nem falo de voltar nas origens, em Giambattista Basile (1566-1632), "Sol, Lua e Talia", uma história violenta e que tratava o estupro e outras violências sofridas pela protagonista com uma banalidade enorme, me refiro às versões posteriores já depuradas.  Na média, em a Bela Adormecida, a princesa vai de bebê à moça de 16 anos em um salto, fere o dedo, dorme e não interage com o príncipe em momento algum antes do desfecho da história.  A passividade da heroína é realmente extrema. 

Ilustração do conto de Basile.
O que a Disney fez?  Deu uma vida para Aurora antes da fatidica espetada no dedo (*bebendo em outro conto, aliás*) e colocou a princesa se encontrando previamente com seu príncipe, o primeiro a ter nome, e fazendo com que eles se apaixonassem quando cantam juntos na floresta. O dueto dos dois serviu de inspiração para o entre Ana e o vilão em Frozen, que culmina com a menina querendo se casar com o rapaz só para Elsa dizer que ninguém deveria fazer isso com quem acabou de conhecer.  Trata-se de uma espetada nos antigos clássicos da Disney.  Outros tempos e uma releitura feminista de uma situação mais que banal para qualquer realeza até o início do século XX.  

Aurora passa parte do filme pensando que é uma camponesa.
Príncipes e princesas casavam sem se conhecer pessoalmente, com sorte, havia trocas de carta e retratos, porque o que importava era combinação das famílias e seus interesses dinásticos.  Mas mesmo em A Bela Adormecida temos uma crítica a esses arranjos "Papai, nós estamos no século XIV!", diz um Filipe indignado quando o pai cobra dele que se case com a princesa que lhe foi prometida no berço. O moço já tinha se apaixonado pela camponesa, que ele não sabia ser a sua prometida, e estava disposto a conseguir impor sua vontade aos mais velhos. Em 1959, filmes como Juventude Transviada eram sucesso e Elvis rebolando era algo que virava a cabeça dos adolescentes e jovens que começavam a acreditar que podiam e deviam se fazer ouvir na sociedade.


A Disney permite que Aurora e seu príncipe se apaixonam
antes dela cair em seu sono profundo.
Filipe, aliás, é o primeiro príncipe da Disney com nome e personalidade, ele não é somente um lugar de refúgio para a mocinha em perigo.  Ele tem o que fazer no filme e faz muito.  É meu príncipe favorito da Disney até hoje, o que encarna todas as boas virtudes e tem senso de humor.  Mas mesmo que se busque desqualificar A Bela Adormecida em termos feministas, quero que alguém me mostre um filme da Disney, qualquer um, com tantas personagens femininas importantes e com falas.  Malévola é a vilã mais elegante e poderosa do estúdio e nossa princesa não se salvaria se não tivesse as três fadas-tias, tão injustiçadas no filme Malévola, lutando por ela e a protegendo.  

Um dos motivos pelos quais não gosto de Malévola. 
Quando tudo parecia perdido, são as Fadas que colocam todo mundo para dormir e dão para Filipe as armas mágicas necessárias para que ele derrote a vilã.  Elas são fundamentais e elas não são jovens, são gordinhas e baixinhas, e capazes de tomar as decisões que precisam com a presteza e a coragem necessária. Aurora não é ajudada por bichinhos e acreditar que foi Filipe, sozinho,  quem salvou a princesa é anular a importância das três fadas madrinhas.  Sim, quero que me apresentem outra animação da Disney com tanta representatividade feminina quanto A Bela Adormecida.


Falei demais da Bela Adormecida, enfim, quase uma resenha.  De qualquer forma, faz dez anos que A Princesa Sapo foi lançada.  Trata-se da última animação de princesas 2D da Disney, infelizmente. Só que, na época, com a Pixar a todo vapor,  as coisas estavam mudando e o estúdio acabou por por acompanhar o que era tendência no momento.  Eu assisti ao filme no cinema e fiz uma resenha para o Shoujo Café na época.  Revi a animação depois com a Júlia e tenho Blu-ray, aliás, nunca saiu uma edição especial dessa animação no Brasil.


Mais tempo como sapo do que como moça.
Tiana é importante só por existir e eu gosto bastante da personagem, que é decidida, trabalhadora, racional, ainda que sonhadora.  Acho aquela introdução do filme, com o bonde indo da parte rica da cidade para o subúrbio dos negros um primor.  Agora, é fato, que mantenho duas das minhas críticas da época à película.  A primeira delas é que a Disney perdeu a chance de pegar um conto africano de verdade e contar sua história, assim como fez com contos ocidentais, ou a lenda de Mulan.  Claro, nada impede que aconteça, mas nesses dez anos, o que tivemos?  

Tiana é das classes trabalhadoras, mas não em uma situação
de escravidão como Cinderella e a Bela Adormecida.
 
Salvo por Moana, todas as princesas continuam sendo brancas e europeias e ainda teremos repetição de Ana e Elsa.  Fui procurar, mas não consegui encontrar (*conexão ruim*) nenhuma lista feita pela própria Disney com suas princesas favoritas.  Há um consenso que é a Cinderella, mas quem estaria no top 10? Mulan, com certeza, e Bella, mas quem mais? E eu considero a animação original, que eu resenhei para o blog, muito boa, mas tenho curiosidade para saber em qual colocação Tiana está nesse ranking. 

Um príncipe negro para a princesa negra.
A outra crítica é que, mesmo com uma princesa negra, que o é não somente por casar com um príncipe, mas por trazer dentro dela as virtudes de uma princesa para a empresa, Tiana passa boa parte do tempo como um sapo.  Ora, isso foi muito ruim.  Nas versões do conto da Princesa Sapo, a princesa se mantém humana o tempo inteiro, é o príncipe que está sob feitiço.  Na animação, a Disney deixa Tiana por mais de 60% do filme como um bichinho.  Isso é bom?  Não.  As meninas negras tem uma personagem com a qual se identificar, verdade, mas ela é invisibilizada dentro de seu próprio filme.

Tiana tem uma mãe que lhe apoia e uma amiga que realmente gosta dela.
Agora, um deslize da Disney, que eu não percebi na época, foi a escolha das cores, Tiana usa vestido azul, mas na maioria das ilustrações da personagem, ela está de verde.  Cada princesa usa uma cor, ou assim, parece, nas ilustrações oficiais e em outras campanhas.  Por exemplo, Aurora usa azul e rosa no filme, mas como Cinderella usa azul, a Bela Adormecida aparece de rosa faz um bom tempo. No caso de Tiana, o verde em si não era problema, até que em 2012, lançaram um doce de melancia de Tiana e isso gerou uma forte crítica nos EUA. Veja, a imagem caricata de uma pessoa negra comendo melancia é um dos signos do racismo nos Estados Unidos algo usado em filmes e animações entre os anos 1930 e 1950 sem qualquer cerimônia e colocaram Tiana vestindo as cores da melancia.  Bola fora absoluta e algo bem ofensivo.

Doces da discórdia.
Eu queria muito outra princesa negra, uma de uma lenda africana, algo que tivesse origem no próprio continente.  Enfim, vai rolar?  Não sei.  De qualquer forma, Tiana é importante, mas expõe o desequilíbrio entre princesas brancas e não brancas, porque temos somente Tiana, Mulan, Pocahontas (*tão injustiçada*) e Moana. (*Jasmine é anterior, mas está em um filme da série herói  que se chama Aladdin*)  É pouco, muito mesmo.  De resto, uma das coisas que eu mais gosto em A Princesa Sapo é a amizade entre Tiana e a mocinha branca doida para casar, assim como ela ter uma mãe viva e que lhe apoia.  Quantas princesas tem mãe viva?  Merida, sem dúvida, mas a outra é Aurora e a mãe dela, em um filme de mulheres com falas e importância na trama, é somente bela e silenciosa, não muito diferente, aliás, da mãe de Rapunzel, tantos anos depois.


Todas as princesas e a rainha, claro. Faltam Sophia,
Helena e a do Caldeirão Mágico. 
É isso.  É o último post pessoal do blog em 2019, a não ser que eu post alguma coisa de Feliz Ano Novo.  Pretendo publicar um presente que recebi, mas, neste caso, não foi trabalho meu.

Segurem suas listas: o década só termina no ano que vem!



Em 1990, eu estava no 1º Ano do Segundo Grau (Ensino Médio) e meu professor de Química, que se chamava Dionísio, explicou para a minha turma que era uma grande bobagem comemorar a nova década, porque ela só começaria em 1991.  Eu nunca esqueci.  Veio o ano 2000 e, mais uma fez, esse papo e com pompa e circunstância, porque, bem, era fim de milênio. Uhu!  Festa!  E, bem, em dezembro de 2000 já estávamos nós, mais uma vez, comemorando o fim do milênio, só que no momento certo.


Enfim, todo professor de História normalmente começa a aula no sexto ano, ou no primeiro ano, explicando que a gente conta de 1-0, ou de 1-10.  Não existe século ZERO da Era Cristã, ou Comum, a gente começa a contar do Século I.  O achamento do Brasil se deu no século XV (1500) e, não, no século XVI, pois ele só começou em 1501.  Convenções, claro, a gente sabe, mas ninguém rompe com a contagem dos séculos, afinal, estamos nós no século XXI e, não, no século XX, que é coisa do passado.  Então, gente, é só um toque, uma curiosidade de professora de História.  


Espere até o final de 2020 e faça as listas dos melhores em todas as áreas que você quiser.  É isso, ou fazer trabalho dobrado.  Tem um artigo bem didático explicando a contagem aqui.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Quais foram os melhores e os piores filmes que assisti este ano?

Todo início de ano, faço posts listando todas as resenhas feitas no ano anterior.  Não me lembro de nenhum post sobre os melhores filmes que assisti no ano.  Acho que em 2018, fiz posts sobre filmes que precisava rever, mas, enfim, é o momento em que todo mundo está fazendo listas, vou fazer a minha.  Vamos lá!  Se você clicar no nome do filme, vai parar na resenha.

Não esperava grandes coisas, então... 
Começando pelos piores e eu tenho a sorte de gostar da maioria das coisas que eu vejo no cinema.  E vamos diferenciar filme mais ou menos de filme ruim.  Por exemplo, X-Men: Fênix Negra é fraco, Rei Leão com bichinhos de computação gráfica, foi insosso, mas ruins, não foram.  O último Star Wars está despertando ódios, mas eu só o colocaria no rol dos filmes ruins se realmente esperasse algo de bom.  Expectativas baixas, dano baixo, também.

Esse aqui, sim, me deixou furiosa.
Acho que o pior filme que assisti este ano foi Duas Rainhas.  Como esperava muito por um novo filme sobre Mary Stuart, cuja vida é só pegar filmar e ir para a galera, e com um elenco tão bom, ver a materialização da coisa em uma película tão rasa e vulgar, foi um duro golpe.  É aquilo, expectativas altas, dano elevado.  Outro filme ruim, foi A Revolução em Paris.  Fragmentado, inflado de fatos e discursos retirados direto de livros de História antiquados e com a pior representação de Luís XVI que eu já vi e uma das mais rasas de Maria Antonieta em muito tempo.  Robespierre (Louis Garrel) era bonitinho, mas ele não tinha muitas cenas, vou esperar para ver o ator em Little Women.  Vou jogar Memórias da Dor aqui nesse grupo, porque, enfim, o trailer vendeu uma coisa, o filme entregou outra e algumas escolhas de roteiro foram esquisitas.  

Excelentes atrizes, grandes interpretações,
mas o filme é ruim em vários aspectos.
Sei que muita gente vai discordar, mas eu coloco A Favorita entre os piores filmes do ano, apesar de ser muito bom ao mesmo tempo.  Ele entra aqui, porque a Valéria historiadora feminista considera sempre ruim, quando transformam uma peça de difamação contra uma personagem histórica em verdade e, pior, neste caso específico ainda venderam a coisa como algo progressista.  Há muitas personagens históricas LGBTQ+ que precisam receber filmes enfocando esse aspecto de suas vidas, a Rainha Ana, especificamente, não seria um caso que eu escolheria.  Fora que apresentaram uma monarca muito ativa e interessada em assuntos de Estado em uma idiota.  Sim, não me desceu.  Faz parzinho com Duas Rainhas e Mary Stuart escolhendo marido pelas habilidades do moço com a língua.  Saldo dos filmes ruins, 2 da França, 1 da Inglaterra e 1 do Reino Unido/EUA.

Filme lindo e injustiçado.
Vamos aos melhores do ano, serão dez filmes, mais um caso honorário no final.  Comecei cedo assistindo A Esposa e este filme entra na minha lista como uma das grandes películas de 2019.  Torci muito para que Glenn Close levasse o Oscar.  Se a Rua Beale Falasse foi outro filme excelente e muito injustiçado nas premiações.  Assisti em casa, se eu estivesse no cinema tenho certeza de que iria me debulhar em lágrimas.  Ainda bem que o pacote anti-crime passou sem o maldito do "guilty plea", porque iríamos ter muitos casos parecidos no Brasil, já bastam as nossas mazelas todas.

SHAZAM!, um dos filmes mais divertidos do ano.
Entre os filmes pipoca entra Os Vingadores (*Com Spoilers - Sem Spoilers*), claro.  Foi um filme evento, assisti duas vezes no cinema, fiz duas resenhas (*inédito isso*), me emocionei um tanto, fiquei feliz porque meu marido, que estava em crise depressiva fazia meses conseguiu expressar alguma emoção.  Então, entra aqui.  Agora, o melhor filme pipoca do ano, porque se sustenta sozinho foi Shazam!  Comprei o Blu-ray e espero que Júlia tenha condições de assistir logo e a continuação não tarde, porque foi ótimo.

Netflix, que tal uma série do Lunga?
Foram quatro filmes até agora.  Dois Papas entra nessa lista, deve ser a última resenha de filme do ano mesmo.  O filme é ótimo, está na Netflix e considero meio brasileiro, porque o diretor fez toda a diferença para a qualidade final da película.  Bacurau entra na lista, também.  Se você lê minhas resenhas sabe que acho o Kleber Mendonça Filho tem que moderar certos gostos dele, mas Bacurau é um filme para ficar na história.  E quero mais Lunga, porque, vamos combinar, ele apareceu menos do que deveria no filme.

Downton Abbey: Você espera uma tragédia e sai flutuando do cinema.
Seis filmes?  O próximo é Downton Abbey, uma série que eu preciso tomar vergonha e terminar de assistir.  Pensei que seria uma tragédia e o filme ficou muito, muito bom.  Todo mundo teve o que fazer na película e conseguiram fazer em duas horas o que poderia se desdobrar em uma temporada inteira.  Entra aqui Filhas do Sol, também.  Outro filme muito importante, feminista, e que foi lançado com um timing incrível, porque saiu exatamente quando a Turquia começou a atacar os curdos.  Lembro da plateia presa na cadeira sem conseguir levantar no final.  Há muitas críticas bombando o filme, mas acredito que quem o fez não conseguiu perceber que não era um filme de guerra convencional, era algo mais profundo, um filme sobre mulheres e suas várias guerras.

O Confeiteiro, um filme delicioso e bem complexo.
Faltam dois filmes para completar a lista.  Leveza nesse momento, então.  Amei Yesterday.  É rasinho, é bobinho, mas é fofinho e a gente sai cantando Beatles e imaginando o que raios aconteceu naquela piscadela que o sol deu.  E fecho com um filme que assisti lá no início do ano, que ficou semanas em cartaz e esperou até que eu pudesse assistir, O Confeiteiro 🍰.  Um filme bonito, é o filme LGBTQ da lista e a película mais erótica que eu vi em muito, muito tempo.  Delicioso em todos os sentidos.  💗

Branca como a Neve, destaque na categoria, é ruim,
mas eu gosto e veria de novo.
Minha menção honrosa e exceção, porque é um filme para entrar na categoria afetiva do "É ruim, mas eu gosto", Branca como a Neve.  Tem um monte de defeitos, com uns lances muito trashes, mas fazia muito, muito tempo quer eu não ria tanto e com tanto gosto assistindo um filme.  Fazendo a recapitulação dos melhores: 1 do Brasil, 2 do Reino Unido, 2 da França, 1 de Israel/Alemanha, 4 dos EUA e 1 da Netflix, porque acho que nem cabe colocar que é de algum país aqui.  Dos filmes, somente dois são dirigidos por mulheres, Filhas do Sol e Branca como a Neve, mas A Esposa tem uma temática feminista, também,  e vários dos outros fazem discussões de gênero importantes. Bem, na lista das resenhas do ano, eu comentou mais, foi um ano de muitos filmes e deixei de resenhar até uma película importante, Roma (*que achei superestimado demais*).  Mas foram poucas omissões.

Revista The Margaret muda sua periodicidade


O ANN noticiou que a última edição da revista Margaret comum anunciou que sua edição especial, a The Margaret, passará a ser trimestral.  A revista, que foi criada em 1982 e tornou-se bimestral em 1989, era bimestral.  Em 1997, ela tornou-se mensal para voltar a ser bimestral em 2011.  Um... Acho que a próxima mudança será para tornar a revista digital.  A The Margaret normalmente publica capítulos especiais, ou one-shots, de mangá-kas das revistas da Shueisha: Margaret, Betsuma, Cookie, Cocohana e a Ribon.

domingo, 29 de dezembro de 2019

Notícias da revista Flowers: novos mangás de Taamo, Setona Mizushiro e Chiho Saito


Taamo, autora de Taiyou no Ie  (たいようのいえ),  iniciou uma nova série se chama Itoshino Kanojo wa Kakure Otaku  (愛しの彼女は隠れオタク) na revista Flowers.   Segundo Comic Natalie, parece que esse novo mangá está ligado de alguma forma a uma obra anterior da autora chamada Ashi-san  (アシさん), sobre uma adolescente que desejava ser uma mangá-ka e começava a carreira como assistente de uma artista de sucesso.  Acredito que nesse novo mangá, a adolescente seja a mangá-ka, enfim.



Outra notícia relacionada a revista Flowers é que teremos um novo gaiden de Kyuuso wa Cheese no Yume o Miru (窮鼠はチーズの夢を見る) de Setona Mizushiro.  Se entendi bem o CN, este gaiden também estará incluído na adaptação para o cinema do mangá original.  Para quem não viu a notícia, ela está aqui.  O resumo da história é o seguinte: "Kyouichi está divorciado de sua esposa e mantém uma relação descomprometida com a Imagase. Ele até se acostumou a fazer sexo com a Imagase todos os dias. Na verdade, Kyoichi se acostumou a cometer adultério e não assumir as consequências de seus atos.  No entanto, quando Tamaki, um jovem colega de trabalho apaixonado por Kyouichi, aparece em cena, pode ser o começo do fim para Kyouichi e Imagase." 



Outra notícia relacionada à revista Flowers, mas que não foi comentada no CN é que Chiho Saito vai lançar uma nova Koi Monogatari (Love Story) com 45 páginas.  Está bem no cantinho da preview da edição que sai 28 de janeiro.  Há um sujeito vestido como oficial da marinha japonesa e uma moça de quimono.   Mais no centro, está o anuncio do mangá normal dela na revista.

Finalmente comentado o Caso Porta dos Fundos


Dia 17, comecei a escrever um texto sobre a polêmica em torno do especial do Porta dos Fundos na Netflix.  Parei o texto, fiquei fazendo comentários aleatórios no Facebook, no Twitter, mas não formalizei nada qui.  O tempo passou.  Pois bem, na véspera de Natal, enquanto estava vindo de Brasília para o Rio, houve um atentado ao estúdio do grupo, que fica no bairro do Humaitá, Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.  O local tem muitas câmeras de segurança, já identificaram a placa do automóvel, então, a polícia só não pega os três sujeitos, se não quiser.  Ninguém se feriu, o segurança não foi atingido e ainda evitou que o prédio incendiasse, e, sim, o que aconteceu foi crime, provavelmente, motivado por motivos religiosos, assim como o ocorrido com os cartunistas a Charlie Hebdo.

No dia 26, um grupo intitulado Comando de Insurgência Popular Nacionalista, tendo ao fundo o símbolo do Integralismo, nosso partido fascista tupiniquim, assumiu o tal atentado.  Para quem não sabe, o lema do Integralismo é "Deus, Pátria e Família".  Para ser integralista, você precisa se assumir cristão, não há alternativa.  "Ah, mas quem faz isso não é cristão!"  Olha, hoje, e no Rio de Janeiro parece uma praga, há traficantes que se assumem cristãos e cometem atentados contra terreiros de umbanda e candomblé.  Aliás, esse atentado ao porta dos fundos é fichinha diante dos ataques que as religiões afro-brasileiras vem sofrendo faz anos e não somente no Rio de Janeiro.  Fora que há milicianos que se afirmam cristãos e são recebidos nas diversas igrejas com a maior deferência.  Não há como tapar o sol com a peneira, melhor discutir por qual motivo esse povo se acha cristão e como chegamos a este ponto de promiscuidade.  De resto, o discurso dos caras no vídeo me pareceu meio estranho, mais para os jargões tradicionais da esquerda do que para os normalmente utilizados pela direita.  Pode ser uma fraude?  Pode.  Se assim for, os caras precisam ser punidos, também.  Agora, o que não pode ser esquecido é que nenhuma autoridade (*prefeito, governador, presidente, ministro da justiça*) se pronunciou.  Típico caso em que funciona a máxima "Quem cala, consente.".  E eu diria mais, no momento em que vivemos, QUEM CALA, APROVA.


O atentado.
Independentemente dos canalhas do vídeo serem, ou não, os responsáveis pelo atentado, ainda que a polícia não considere terrorismo, porque a lei, que é da época do governo Dilma, parece sob medida somente para quem está na rua protestando. O caso, como não poderia deixar de ser, repercutiu midiaticamente no mundo inteiro.  E foi como terrorismo mesmo.  A imagem de nosso país, outrora associada à gente simpática, carnaval, futebol, mulheres bonitas (*e prostituição*), está mudando.  Passaremos a ser vistos como intolerantes religiosos, hipócritas, partidários das teorias da conspiração, desrespeitosos com os direitos humanos, destruidores do meio ambiente, racistas e homofóbicos.  E, como cheguei ao ponto da homofobia, não pensem que o que incomodou realmente nesse especial do Porta dos Fundos foi outra coisa, senão o fato de Jesus ser gay.

Antes de prosseguir, vamos explicar o que é o Porta dos Fundos.  Trata-se de um canal de comédia surgido em 2012 e que veicula regularmente vídeos na internet.  A inspiração do Porta dos Fundos formado por vários artistas (Antonio Tabet, Fábio Porchat, Gregório Duvivier, João Vicente de Castro, Júlia Rabello, Letícia Lima, Luis Lobianco, Marcos Veras, Marcus Majella, Rafael Infante etc.) foi grupo inglês Monty Python, que eu amo, mas, de certa maneira, o Porta não consegue ir muito além da escatologia rasteira que permeia boa parte do humor brasileiro.  É até bom pontuar isso, porque quando decidi escrever o texto, tinha acabado de ler um artigo do site feminista americano The Mary Sue sobre o especial. 


Esse deus horroroso foi um dos fatores que me afastaram do especial.
A pessoa assistiu ao especial, que nem sabia que existia, por causa do escândalo feito no Brasil contra a Netflix e por achar que um filme com um Jesus gay poderia ser revolucionário, mas fica transparente ao longo dos parágrafos que a redatora achou o material bem mais ou menos (*salvo pelo detalhe de Cristo ser gay*) e ofensivo às minorias, inclusive aos homossexuais, com representações rasas e datadas.  Daí, para conseguir equilibrar, ela comenta meio constrangida algo como "vai que o humor brasileiro seja desse jeito?" ou "talvez, eu tenha perdido o sentido da piada por causa da tradução.".  Humor é cultural, diria mais, histórico, porque as piadas romanas talvez não façam sentido para nós hoje, e essa questão deveria ser minimamente sabida por quem cursou o ensino médio.  O problema é que ela não parece ter entendido errado, ou perdido o timing das piadas, o especial ficou aquém de outros que o grupo já fez.

Enfim, não vou entrar na discussão da qualidade do especial, vamos para outra questão, a da sexualidade de Cristo. O título do especia do Porta dos Fundos é tirado do filme A Última Tentação de Cristo, que é de 1988.  Não tinha bagagem para ver o filme na época, nem idade para tanto, mas lembro do escândalo, dos jovens que tinham assistido e comentavam horrorizados (*ou fingindo estar*).  Só fui assistir adulta, muitos anos depois e com a maturidade suficiente para entender o que estava assistindo.  Enfim, é um filme que eu adoro e que, na sua época, provocou uma grande polêmica e foi proibido em vários lugares por retratar um Cristo demasiadamente humano.  Tão humano, que ele quase se desviou da sua missão na Terra.  Era um Cristo que tinha libido, que se apaixona e se casa.  Quem coloca diante dele essas tentações, claro, é o Diabo que quer a todo custo impedir que Jesus cumpra com o projeto divino que é morrer pelos nossos pecados possibilitando a salvação da humanidade. No especial do Porta dos Fundos, a ideia é a mesma, Jesus não pode fugir da sua missão, o percurso é que é diferente, a qualidade do material, também.


Um Jesus que tinha desejo e dúvidas foi visto como ofensa.
Sim, acreditando que Jesus existiu, ou não, sendo cristão, ou não, a lógica interna da história está ao alcance de todos: Cristo precisava morrer e o Diabo, o vilão desse história, queria impedi-lo.  Em A Última Tentação de Cristo, a tentação era viver como um homem comum, ter esposa e filhos, cumprir um ciclo que a maioria dos humanos costuma viver.  E Jesus, a personagem, é homem, também, as pessoas não podem esquecer.  No deserto, ele teve fome e sede, ele chorou, ele teve medo, na cruz, ele sofreu.  Enfim, mas seria bom se a noias sobre uma possível sexualidade de Jesus tivessem ficado lá nos anos 1980, quando a sugestão de um Cristo casado com uma mulher causou tanto escândalo.  Mas não ficaram, porque como bem colocou Michel Foucault, o dispositivo da sexualidade é central para a nossa sociedade.  Falamos de sexo o tempo inteiro, mesmo quando não falamos, mesmo quando silenciamos.  

Há embates sobre a perpétua virgindade de Maria, trata-se de um divisor de águas entre católicos e a maioria dos protestantes/evangélicos até hoje, mas ao silenciarmos sobre a sexualidade de Jesus (*e nos textos bíblicos e canônicos temos ZERO informação sobre isso*), partimos do pressuposto que, sim, ele também é virgem.  É como crermos que toda personagem cujo tom de pele não é descrito é branco, ou que todo mundo é hetero até que o/a autor/a diga alguma coisa a respeito.  Pensando em termos históricos, dificilmente um judeu de trinta e poucos anos permaneceria solteiro.  Só que o Jesus dos textos que temos não é qualquer pessoa, ele é uma divindade (*é assim que a narrativa do Novo Testamento o apresenta*), está ciente da sua excepcionalidade desde muito tempo, seus pais (*Maria e José*) sabem que ele é alguém especial, então, é necessário dar um desconto nesse caso.  


Estreia do filme "A última tentação de Cristo" de Martin Scorsese -
Segurando terços, as religiosas da Legião de Maria da Igreja
Nossa Senhora da Glória rezam na porta do
Cine Largo do Machado / Ricardo Chvaicer 17/11/1988, O Globo.
Muita gente em nossos dias já digeriu uma possível relação entre Cristo e Maria Madalena, que pode, ou não, ser vista como uma ex-prostituta, vai do gosto do freguês.  Temos as especulações  surgidas a partir do Evangelho (*apócrifo*) de Maria Madalena.  Temos livros que se alimentam de teorias da conspiração como A Linhagem do Graal e o Código Da Vinci.  Uma relação entre Jesus e Maria Madalena tornou-se romântica, palatável, revolucionária, feminista, afinal, está tudo dentro da heteronormatividade.  Só que o Porta dos Fundos, como grupo de humor incendiário que é, decidiu pegar um nervo exposto, ao colocar Jesus como homossexual.  E criou-se essa tragédia toda.  Só por causa disso, aliás, é que há um abaixo-assinado com mais de 3 milhões de assinaturas (*quando olhei da última vez*) correndo na internet para que a Netflix tire o filme do ar e temos um juiz federal dizendo que vai processar a empresa e pedir indenização com base na legislação vigente que visa punir a intolerância religiosa, imagino eu.

Ser enganado pelo diabo e tentar fugir da sua missão (*afinal, tudo foi inspirado no filme que citei lá em cima*) passou batido.  O Deus-Pai, terrível e mau caráter, apresentado no especial, é irrelevante.  Agora, a questão da homossexualidade é uma ofensa sem tamanho.  Aliás, tomando um desvio, desculpem o texto desconexo, mas ele foi sendo escrito e modificado ao longo de vários dias, um dos mais importantes youtubers brasileiros, Cauê Moura, jogou mais lenha na fogueira ao postar um tweet infame, ele está no fundo da imagem abaixo.

Uma voz de sensatez, mas que não consegue ver que Cauê foi, também, homofóbico.
Fiquei sabendo do post desse importante influenciador digital através do canal de onde veio o print.  Trata-se de um Youtuber evangélico muito sensato e que já tinha feito um vídeo anterior sobre o especial do Porta dos Fundos.  Ele era novinho quando comecei a escrever, mas, enfim, o tempo passou.  Fazer o quê?  Enfim, vocês conseguem perceber o quão ofensivas são essas três linhas?  Não estou falando de ofensivo a Jesus, porque ele não precisa de gente para defendê-lo, se  você, cristão, der bom testemunho, já está no lucro, mas, sim, se você acredita que imaginar um Cristo gay é ofensa (*caso do youtuber que linkei*), o ataque é contra você, também, claro.  Veja, se consideramos algo uma ofensa, é uma ofensa, pelo menos, para a gente   Por isso, essa histeria com o Jesus gay.

 Agora, percebam o machismo da coisa e a homofobia que vem no mesmo pacote.  Para não ser gay, um homem precisa comer (*porque somos coisas mesmo*) mulheres, pelo menos três, menos que isso, você é gay.  Agora, pelo menos para mim está óbvio que nesse tweet do Cauê Moura ser gay é algo ruim, ou inferior a ser um hetero pegador.  A gente já conversou aqui sobre o machismo de esquerda ser tão machismo quanto o de direita, né?  E nem sei se se aplica "esquerda" ao moço, vamos trocar então por "progressista" e usar, ao invés de "direita", "conservador".  Melhorou?  Até onde sei, Cauê Moura não se desculpou com mulheres e gays pela piada grosseira, com os religiosos, não vai se desculpar mesmo.


Os terroristas?  Tenho cá minhas dúvidas, mas, também certezas:
houve atentado e há criminosos, além de instigadores.
Enfim, não assisti ao especial, vi o trailer, não achei grandes coisas.  Nesta altura da minha vida, salvo por foça da lei, ou do trabalho, só leio o que quero, só assisto o que me interessa. Gosto de algumas esquetes do Porta dos Fundos, mas não acredito que eles consigam sustentar 45 minutos de especial empilhando os quadros de 3 minutos de sempre.  Fora dos nichos de ódio, a maioria das coisas que li é que, comparado com outros especiais do grupo, todos sobre Jesus, aliás, este é o mais fraco de todos.  Meu marido ateu, que assistiu ao filme para marcar posição política, achou fraquíssimo, disse que conseguiu rir somente uma vez.  Um amigo brasileiro e gay que reside nos EUA, de berço batista, como eu, assistiu e queria poder receber seu tempo de volta.  Achou sem graça e rasteiro nas piadas.

Como considero as duas opiniões sensatas, eu passo, como não tenho tempo para jogar fora, e quero assistir tantas coisas e não encontro um espaço no meu cronograma, não iria parar para ver um material só para fazer uma resenha destacando problemas, ou qualidades, sei lá.  Preferi investir meus minutos no Choque de Cultura e recomendo muito que vocês deem uma olhada no último Carburador de Prata e nos extras.  Desculpe, mas eles, sim, sustentam 45 minutos, ou mais de especial sem problema.  E nada tenho contra o povo do Porta dos Fundos em particular, mas nem tudo o que eles fazem me faz rir, diferente do Monty Python, ou do Choque de Cultura, ou da Tatá Werneck.  Agora, recomendo muito o programa solo do Gregório Duvivier, que interpreta Jesus Cristo no especial, na HBO.  É fácil achar as temporadas no Youtube, são 30 ou mais minutos de um humor super inteligente e ácido.


A Última Tentação de Cristo inspirou o especial do Porta dos Fundos.
Desde o lançamento do especial, houve muito escândalo.  Todas as medidas tomadas para retirar o especial do ar, para taxar a Netflix, medidas partidas do meio evangélico e católico, mas apoiadas por setores muçulmanos (*os fundamentalistas e oportunistas sempre se unem nessas horas*), também, fracassaram.  Nenhum operador sério do direito apareceu na mídia para defender a censura.  O especial bateu recordes na plataforma de streaming, a Netflix já garantiu que o próximo especial irá sair.  Se tivesse ficado só nisso, eu diria "Está vendo, o que vocês conseguiram?".  Bastava não assistir, agora, o mundo inteiro conhece o Porta dos Fundos e o Meteoro, que é um canal maravilhoso, ainda fica insistindo na genialidade do especial em vários vídeos em cadeia.  Sim, gente, menos.  E veio o atentado.  Ato simbólico, mas que precisa ser punido, ou qual será o próximo passo?  Uma Charlie Hebdo promovida por cristofascistas?  Porque houve deputado pastor falando da tribuna do Congresso que todo grupo tem seus malucos, como sancionando um ato de intolerância religiosa para calar os humoristas.  Uma vergonha. 

Uma das coisas que os religiosos histéricos, os mesmos que votam contra os pobres, que acreditam que corrupto é sempre o outro, que não se importam com as crianças que morrem por bala perdida e fazem arminha com a mão, mais repetem é "queria ver brincar com Maomé", como que legitimando o uso da violência religiosa dos islâmicos radicais e suspirando que a gente pega muito leve.  Não duvido de mais nada nesse Brasil em que estamos vivendo hoje, mas acredito que antes de um atentado bem sucedido, talvez tenhamos que lidar com leis de blasfêmia.  Esses institutos jurídicos típicos dos regimes islâmicos, e que são largamente usados contra os cristãos (*vide o caso Asia Bibi, no Paquistão*). A ideia das leis de blasfêmia é supostamente proteger a fé de uma maioria.  Considero que isso já é um abuso, mas se formos observar o funcionamento desse tipo de legislação veremos que ele usado para constranger,  censurar e humilhar os que pensam diferente da suposta maioria. Não raro, mentiras são inventadas para punir desafetos e dissidentes religiosos.


Asia Bibi, mulher cristã, condenada à morte por
blasfêmia no Paquistão.  Será o nosso futuro?
Nenhuma democracia do mundo que mereça seu nome tem leis de blasfêmia.  Agora, é esse o caminho que a gente quer?  Até o momento, a justiça julgou improcedentes todas as ações que tentavam enquadrar o especial do Porta dos Fundos em crime de intolerância religiosa, ou vilipêndio de símbolos de uma fé.  Jesus não é uma coisa, um símbolo privativo de uma única religião, mas, queria lembrar que a santa, que um bispo da universal chutou no ar na TV Record anos atrás, era.   A própria TV Record já foi condenada por disseminar ódio contra as religiões afro, mas em que o Porta dos Fundos dissemina ódio contra os cristãos em geral, ou algum grupo deles em particular?  Ou ainda aos muçulmanos que creem que Jesus seja o profeta Issa?

Se houvesse bom senso, os cristãos ofendidos teriam se mobilizado para não assistir ao programa e, não, para se impôr à sociedade como um todo.  Imagine se cada uma das 3 milhões de assinaturas fossem convertidas em doações para abrigos e asilos? E o que foi conseguido?  Viramos objeto de escárnio (*como se muitos de nós já não fossem*), alguns líderes religiosos instigaram a violência e a comemoraram depois de perpetrada.  Termino deixando uma passagem bíblica:
"Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores.Por seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus.Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons.Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo.Portanto, pelos seus frutos os conhecereis.Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus." (Mateus 7:15-21)
Há muita gente sendo enganada.  Há muita gente sendo guiada por cegos espirituais.  Há muita gente cobrando dos ímpios, no caso o povo do Porta dos Fundos, o comportamento dos crentes, mas, quando sua própria vida é examinada, seus frutos não condizem com o que deveria ser a árvore.  Jesus disse que era manso e humilde de coração.  (Mateus 11:29) Ele só se inquietou e se exaltou diante dos vendilhões do templo, ele só foi implacável com os que defraudavam os necessitados e os humildes.  Eu vejo muito pouca indignação no meio cristão em relação a essas questões, mas um esforço enorme para controlar a moral alheia e o que as pessoas fazem com seus afetos e orifícios.  Um pouco de reflexão, um pouco de testemunho, um pouco de amor ao próximo e menos violência.  Fora isso, espero que o crime seja punido e o único até agora foi o atentado.  De resto, desculpem por esse post enorme, meio Shoujo Café, meio púlpito de igreja.  Eu sou batista e tento ser cristã, mas lidar com essa loucura que se apossou do Brasil é muito difícil para mim.

sábado, 28 de dezembro de 2019

Taxa de natalidade bate outro recorde negativo no Japão


Estão começando a liberar as estimativas de natalidade no Japão e 2019 teve a taxa mais baixa de nascimentos desde que começaram os levantamentos, em 1899.  Segundo a CNN, nasceram menos 54 mil crianças em 2019 comparado com o ano anterior.  Pelo quarto ano consecutivo nasceram menos de 1 milhão de pessoas no Japão.  O número de mortes também foi um recorde do pós-guerra, o Japão perdeu 1 milhão e 376 mil habitantes, um decréscimo populacional de aproximadamente 512 mil pessoas.

Outra questão que a matéria aponta é que o Japão faz parte do pequeno grupo de países com uma população super envelhecida, isto é, com 20%, ou mais, de seus habitantes acima dos 65 anos.  Outro desses países é a Alemanha, mas, pelas projeções atuais, em 2030, EUA, Reino Unido, Singaupra e França poderão estar na mesma situação.  Ainda segundo a matéria, a Coreia do Sul tem apresentado taxas de natalidade mais baixas que as japonesas.  Em 2018 nasceram 8.7% a menos que em 2017.  Segundo a matéria, para conter a queda de natalidade, o governo coreano reduziu as horas máximas trabalhadas por semana de  68 horas  (*mais ou menos 11 horas por dia em uma semana de 6 dias*) para 52.

O governo federal japonês vem investindo em melhorias nos serviços de creche e outros incentivos para as mulheres que trabalham.  Só que, volta e meia, os mesmos políticos que querem estimular a natalidade, culpam as mulheres por não desejarem filhos, ou casamento.  Lembrando que para ter filhos, é preciso casar, porque mães solteiras são estigmatizadas.  Casando, espera-se que a mulher abandone a carreira.  Ainda que ela queira, o custo de vida é elevado e, não raro, o salário do marido não é suficiente para compensar as responsabilidades e sacrifícios.  É preciso mudar muita coisa, não acho que esses velhos ricos que comandam a política japonesa conseguirão resolver, ou melhorar esse quadro.

P.S.: Houve muita gente comentando no Facebook que essa situação populacional japonesa é a ideal.  Gente, um indivíduo não querer procriar é uma coisa, isso se tornar um fenômeno social é algo completamente diferente.  Nenhuma sociedade se sustenta sem renovação, sem reposição, sem crianças.  No caso do Japão, não se trata de controle de natalidade, morre mais gente do que nasce.  Nenhum sistema previdenciário é viável com um desequilíbrio tão grande.  Se nada for feito, o Japão não será o paraíso, mas entrará em colapso.  

Mangá-ka inova ao lançar um mangá simultaneamente no Japão, Coreia e China


O mangá de ficção científica Artemis & Diana (ディアーナ&アルテミス) recebeu atenção do jornal japonês The Mainichi por ser o primeiro projeto de lançamento simultâneo de um mangá no Japão, Coreia do Sul e China.  Bem, há lançamentos simultâneos anteriores e eu poderia listar, mas acredito que o inédito é o fato do autor ter pensado seu mangá como um material multimídia, multiplataforma e  para vários países.

"Até agora, se um trabalho não fosse um sucesso no Japão, não poderíamos levá-lo para o exterior. Mas se o lançarmos em vários países ao mesmo tempo, ele poderia se tornar popular no exterior, criando mais chances para os autores de mangás. ", argumenta o autor, Yasuo Otagaki.  Segundo o The Mainichi, o mangá foi lançado nas três línguas e, no caso da Coreia, em formato próprio para celular, algo muito popular no país.  Esse foi o caso de Gisou Furin (偽装不倫), de Akiko Higashimura, mas o mangá saia antes em coreano e em formato para celular, só, depois, no Japão.


Diana & Artemis, que são o nome romano e grego da mesma divindade, conta a história de duas investigadoras que trabalham em uma cidade localizada na superfície da Lua.  Elas investigam crimes ligados ao roubo das reservas de água, um recurso importante para a cidade.  Segundo a matéria, Otagaki, que já fez mangás de Gundam, é um especialista em ficção científica, mas decidiu inovar criando suas primeiras mulheres protagonistas.  E elas são adultas, o que é interessante.  

No Japão, o mangá é publicado na revista Manga Action, a mesma que publicou Orange (オレンジ), e em uma plataforma on line chamada Mecha Comic, a Xinmanhua publica a série na China e Peanutoon é a editora na Coreia, com direito ao formato tirinha para celular.  O mangá está disponível em quatro línguas: japonês, coreano, chinês tradicional (Taiwan) e chinês simplificado.  E ele usa texto horizontal e, não, o tradicional vertical japonês, ou seja, ele é pensado para além das fronteiras nipônicas.  Outra característica interessante é que, no Japão, ele sai em preto & branco, mas no formato digital, ele é colorido.


O texto fala de questões que já discutimos aqui, que é a crise das antologias de papel e o aumento de vendas de material digital, seja pensado, ou não, para esse formato.  Mais adiante, o mangá-ka pontua o seguinte: "O senso comum que se aplicava ao mangá japonês até agora, assim como a minha abordagem tradicional, não se aplica mais, quero continuar avançando com a sensação de que um recém-chegado teria".  Não sei se ele está certo, mas o fato é que é uma nova forma de encarar o mercado de mangá e lidar de forma positiva com novos desafios.