domingo, 17 de novembro de 2019

Artigo Traduzido: "The Primogeniture Blues" Como, na Inglaterra de Jane Austen, filhos sem fortuna tentaram encontrar uma.


Apareceu para mim no Twitter uma resenha da revista History Today comentando um livro recém lançado chamado "Gentlemen of Uncertain Fortune: How Younger Sons Made Their Way in Jane Austen’s England", de Rory Muir.  Como Jane Austen é um dos assuntos de nosso blog e como é um livro de História, decidi traduzir.  

O "Blues" do título significa tristeza e, sim, tem a ver com a cor e com o estilo musical.  O texto em si não trouxe informações que me eram desconhecidas, mas ele é bem informativo e, o pior, é que essas leis inglesas pouco mudaram até nossos dias.  O artigo original está artigo aqui para quem quiser ler.  E, bem, vamos para a tradução:

"The Primogeniture Blues" Como, na Inglaterra de Jane Austen, filhos sem fortuna tentaram encontrar uma

Retrato dos meninos Musgrave Morris, com John Armine Morris (n.1813),
mais tarde Sir John Morris, terceiro baronete de Clasemont à esquerda e
George Byng Morris (n.1816) à direita, c.1830 (detalhe) © Bridgeman Imagens.
É uma verdade universalmente reconhecida que um filho mais novo, que não possui fortuna, deve estar precisando de um emprego, e Jane Austen poderia ter escrito essa frase.

Este livro é um estudo fascinante dos efeitos da tradição britânica de primogenitura na sociedade Regencial, que determinava que o filho mais velho ficaria com toda a herança, muitas vezes condenando seus irmãos a serem socialmente rebaixados. O que isso significava na prática para os filhos mais novos de famílias de origens gentis e aristocráticas, cujas chances de continuar com o mesmo estilo de vida com o qual haviam se acostumado dependiam de suas perspectivas de emprego?

Edward Ferrars não é ambicioso e provavelmente
 vai ser um pastor feliz e com uma vida discreta. 

(Sense & Sensibility, 1995)
Neste livro humano e cuidadosamente pesquisado, rico em histórias individuais, Rory Muir explora os vários planos de carreira oferecidos a esses cavalheiros, que não eram tantos assim se quisessem manter seu status social. A igreja, escolhida por Edward Ferrars, de Jane Austen, em Sense and Sensibility, era a mais estável, mas geralmente não era considerada uma carreira para os mais ambiciosos. Exigindo um diploma universitário e um certo nível de patronagem no início da carreira, poderia se tornar um trampolim para a distinção intelectual e literária, como no caso do impressionante Sydney Smith.[1] Mas, sem sorte ou conexões, um cura fracassado poderia acabar sendo socialmente rebaixado.

O Direito era uma profissão mais arriscada e exigia mais esforço e inteligência, mas as recompensas financeiras no topo da carreira eram muito maiores. Em Emma, de Austen, o irmão mais novo de Mr. Knightley é um advogado de sucesso, tão viciado em trabalho quanto qualquer CQ [2] de primeira linha hoje. A Medicina não possuía o mesmo status social e profissional que hoje associamos a ela: um filho mais novo de um aristocrata pode se tornar um clérigo ou advogado, mas é improvável que tenha estudado para ser médico, embora o filho de um clérigo do interior não considerasse a carreira como humilhante.[3] O setor bancário e o comércio continuaram um pouco duvidosos, pois o dinheiro derivado dessas origens carecia do prestígio da riqueza fundiária, mas os cavalheiros entraram no setor financeiro. Muir oferece um retrato perspicaz do irmão banqueiro de Jane Austen, Henry, que foi arruinado após sua falência em 1816 e depois se reinventou como clérigo.

John Knightley tornou-se um bem sucedido advogado. 
(Emma, 1996)
Para os jovens, no entanto, as opções mais fascinantes, especialmente durante as Guerras Napoleônicas, foram a marinha e o exército. A primeira exigia que o menino saísse de casa muito jovem, por volta dos 12 anos, ainda que não fosse tudo 'rum, sodomia e chicote', segundo Muir, o autor mostra preocupação em  relação ao impacto dessas questões na saúde mental infantil. Outra opção para os aventureiros era a Índia, mas o número de doenças era tanta que se pergunta por que tantos pais enviaram seus filhos para lá, especialmente depois que o apogeu dos ricos nababos [4] acabou.

Uma das descobertas mais surpreendentes de Muir é a relativa falta de ressentimento demonstrada pelos filhos mais novos. Eles tendiam a aceitar sua sorte como uma lei eterna da natureza, mesmo em um período de avanço do individualismo e da democratização. De fato, os filhos mais novos das Eras Tudor e Stuart haviam expressado mais objeções à injustiça palpável de tudo isso.

O Duque de Wellington superou o irmão mais velho,
afinal, não é qualquer um que é capaz de vencer Napoleão.
Nas famílias em que os mais velhos herdavam prestígio e recursos econômicos maciços, geralmente existia uma dinâmica de clientelismo (o que poderia explicar por que os filhos mais novos mantinham seu ressentimento sob controle). Era mais provável que a rivalidade entre irmãos mostrasse seu rosto quando um irmão mais novo ofuscava o herdeiro, parecendo desafiar a ordem natural. Lord Mornington não era apenas o mais velho, mas também um garoto de ouro, festejado na escola e na universidade, servindo mais tarde como governador geral da Índia, secretário de Relações Exteriores e lorde tenente da Irlanda. Mas quando seu irmão mais novo Arthur o alcançou e superou, ele ficou consumido pelos ciúmes. Poucos tiveram que lidar com o triunfo de um irmão tão talentoso quanto o duque de Wellington, mas não era necessariamente fácil ser o primogênito privilegiado.

A extensão desse privilégio, em termos econômicos, é indicada pelo exemplo do 4º Conde de Aberdeen, que herdou uma propriedade no valor de mais de 16.000 libras por ano com apenas 17 anos. Seus cinco irmãos mais novos e uma irmã receberam um único pagamento de 2.000 libras esterlinas, que, prudentemente investido, produziria apenas uma renda anual de cerca de 100 libras, muito menos do que o indivíduo mais econômico precisaria para seu sustento se mantivesse qualquer pretensão levar um estilo de vida compatível com os membros da nobreza. A renda de um cavalheiro era em média de £ 700 ao ano.

O Coronel Fitzwilliam não poderia se casar por amor,
precisava de uma noiva com um bom dote. 

(Pride & Prejudice, 1995)
Muir oferece um capítulo muito objetivo e impecavelmente pesquisado sobre dinheiro, que analisa a renda e o custo de vida. Em um livro no geral muito útil, essa talvez seja sua maior contribuição. Será profundamente útil no futuro para biógrafos e historiadores.

Minha única decepção - e não pude elogiar mais esse livro maravilhosamente escrito por causa disso - é que Muir não tem um capítulo sobre casamento como uma opção de carreira para os homens (era quase a única opção de carreira para mulheres). Eu adoraria ter aprendido mais sobre até que ponto os filhos mais novos contemplaram calculadamente a perspectiva de fisgar uma herdeira e sobre como isso funcionava na prática na vida real das pessoas.[5]

[1] Sydney Smith era contemporâneo de Jane Austen e uma especialista nas obras da autora, Margaret C. Sullivan, acredita que Henry Tilney, o protagonista de Abadia Northanger possa ter sido inspirado nele. A foto de abertura do post é de JJ Feild, que encarnou a personagem em 2007.
[2] QC é a sigla para "Queen's Counsel", o topo da carreira de um "barrister", isto é, um advogado que representa os clientes nos tribunais.  No caso de um QC, nas mais altas cortes de justiça.  
[3] Permanecia o ranço com a Medicina que vinha da Antiguidade e da Idade Média.  Para Aristóteles, a Medicina era uma arte mecânica, ou seja, um médico, um pedreiro, um lavador estavam no mesmo nível.  Era um trabalho manual, portanto.  Na Idade Média, a ideia de trabalho manual, que era associado ao pecado ("Com o suor do seu rosto comerás o seu pão" Gênesis 3:19), além de estar ligada a contaminação, devido aos tabus de sangue.  Médicos aristocráticos não raro tinham um ajudante que era quem carregava os instrumentos e examinava os pacientes.  Fora isso, medicina e cirurgia eram carreiras separadas, a primeira, poderia atrair um cavalheiro, já a segunda, não.  Trabalho manual, lembrem-se disso.
[4] Príncipe ou governador de província na Índia muçulmana entre os séculos XVI e XIX.  Por extensão poderia se aplicar ao europeu que ocupava posição importante e enriquecia na Índia.
[5] Essa questão é central nos livros de Jane Austen e aparece várias vezes.  O Coronel Fitzwilliam coloca claramente para Elizabeth Bennett, em quem ele via muitas qualidades, que ele, por ser o irmão caçula, precisava casar bem, isto é, pensando no dote da noiva.  É uma grande omissão não termos este capítulo sobre casamento no livro.  De repente, o autor escreve um livro inteiro sobre o tema. Vai saber?

1 pessoas comentaram:

Gostei muito! Estou lendo a serie Os Bridgertons da Julia Quinn e, embora seja muito divertido, sempre me incomodou como o irmão mais velho, que herdou o título e a fortuna, conseguiu proporcionar uma vida luxuosa para os sete irmãos, sustentando as famílias dos homens e dando dotes vultuosos para todas as irmãs. E ele era um visconde, não um duque! Não sei se vc já leu a Julia Quinn, é uma autora moderna que escreve romances tipo Jane Austen. Legais, mas não tão acurados.

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