quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Quando o livro é bom, ele sempre será revisitado


Estou com esse texto pendurado aqui faz algum tempo, umas três semanas, acho, como já tinha sido começado, melhor terminá-lo.  Pelo título, vocês já imaginam o que eu irei escrever, quando um livro é bom, ele sempre será revisitado e as novas produções tem a função de introduzir a obra original para novas gerações.  A cada dez anos (*na média*) teremos um novo Jane Eyre, ou uma nova versão de Orgulho & Preconceito, por exemplo.  É só esperar.  

Jane Eyre 2006, uma das melhores versões, na minha opinião.
A gente pode gostar mais, ou menos, de uma versão, mas o fato é que uma adaptação feita trinta anos atrás pode não ter o mesmo apelo para o público de hoje, ainda que parte desse público vá reconhecer que  um produto mais antigo tenha mais qualidades que a última adaptação mais moderninha, talvez a primeira que você viu na vida.  Eu assisti Orgulho & Preconceito 2005 e lembro que, na época, amigas me disseram "Olha, você precisa ver a versão da BBC de 1995.".  Sim, eu precisava, tornou-se a minha favorita.  

No caso de Jane Eyre, assisti um monte de versões, há várias resenhas no site.  Gosto muito de três, 1973, 1983 e 2006, a mais fiel ao livro é a mais antiga, mas meu coração derrete pela primeira adaptação a sair neste século, e que eu nunca comentei no Shoujo Café.  Tenho um lugar no coração para a versão de 1970, a primeira que vi na vida, ainda criança, mas sei que ela tem muitos defeitos, ainda que seja superior em pelo menos um aspecto.

A mocinha de Sanditon e seu cabelo moderninho,
 mas absolutamente inadequado no início do século XIX.
Quando a gente lê historiadores que trabalham com cinema, uma das questões que são sempre marcadas é como um filme histórico, e vale para séries, também, fala muito mais de questões do presente, do que do passado.  São os problemas da época em que um produto é feito, as interrogações, as discussões sociais, que muitas vezes moldam aquele produto.  Por exemplo, Éramos Seis atual quer dialogar com os problemas da classe média brasileira de nosso tempo, essas questões não eram, necessariamente, as mesmas questões que agitavam esse grupo social nos anos 1920, 1930, ou 1940.  

No caso das adaptações literárias, os padrões de beleza dos atores e atrizes acompanha muito mais os gostos da época em que o material foi produzido do que uma fidelidade com a época em que o livro original foi produzido.  Keira Knightley não seria uma beldade na época de Jane Austen, sua magreza não seria um traço atraente, mas sua beleza estava absolutamente adequada ao gosto do ano de 2005.  Algumas produções patinam na maquiagem, ou na necessidade de adaptar os vestuários para as audiências modernas.  Cabelos então... Estou engasgada com a mocinha de Sanditon, a adaptação do livro inacabado de Jane Austen que está no ar agora, porque, bem, a mocinha vive de cabelo solto o tempo inteiro.


Não sei o que esperar dessa nova versão de Little Women.
Eu fui apresentada para muitos livros (*e alguns mangás*) por filmes e minisséries.  Por exemplo, está para estrear uma nova adaptação de Little Women em comemoração aos 150 anos do livro.  Eu conheci o livro através de um episódio de Super Aventuras, um excelente anime exibido nos anos 1980.  Ontem, o Frock Flicks estava comemorando o aniversário de June Allyson, que faz Jo March na versão de 1949, e fiquei com saudades.  Foi a primeira adaptação da obra para o cinema que assisti e acho que Allyson é a Jo que mais gosto.  De novo, é minha memória afetiva que está atuando, eu assisti ao filme quando criança.

Como tenho três versões de Little Women no meu HD (1933, 1949, 1994), abri e fiquei assistindo especialmente o final do filme, quando o Professor Bhaer vai até a casa de Jo e temos os fragmentos de Under the Umbrella, o capítulo que mais gosto do livro.   "I have nothing to give but my heart so full and these empty hands." (Bhaer) "They're not empty now"(Jo) ("Eu não tenho nada a oferecer a não ser este coração tão cheio e estas mãos vazias." "Não estão vazias agora".)  Não perdoo a versão da BBC de 2017 por ter omitido esse trecho.  De qualquer forma, vi uma moça comentando e dizendo que não se conformava da Jo ter se casado com Bhaer e não com Laurie.  Ela só tinha assistido adaptações.  


Little Women, 1978.
Eu sempre acho engraçado gente reclamando de novas versões para o cinema e TV de um clássico e protestando que não está igual ao filme anterior, quando, na verdade, o material está sendo bem mais fiel ao livro que deu origem à todas essas adaptações.  Mas vamos esclarecer umas coisas, uma adaptação não precisa e nem deve ser igual ao original.  É uma adaptação, tem liberdade para mudar coisas, suprimir partes do livro, alterar a ordem dos acontecimentos etc.  Eu posso não gostar de alguma alteração, mas é a vida.  A única coisa que me ofende realmente é quando deformam uma personagem, a descaracterizam.  

Por exemplo, eu realmente não gosto da versão de Little Women de 1978, porque o Laurie empurra o avô.  A personagem nunca faria isso, é algo totalmente contra o caráter de Laurie no livro e é uma cena bem brutal.  Por outro lado, consigo relevar o Professor Bhaer oferecendo bebida alcoólica para Jo, algo que nunquinha ele faria no livro na versão de 1994.  Só que esse detalhe não macula a personagem, ela não faria no livro, mas não é algo que aponte para uma falha de caráter como no caso do Laurie.


Colin Firth no filme de 1987, muito antes de interpretar Mr. Darcy.
De qualquer modo, é muito engraçado quando vejo alguém reclamando de fidelidade de uma adaptação sem ter lido o original, simplesmente tomando uma versão anterior, a sua favorita, como parâmetro.  Isso aconteceu muito, escrevi sobre isso (*Acho que neste texto, mas foram tantos...*), quando a novela Orgulho & Paixão estava no ar.  Muitas fãs de Austen, algumas com aquela ideia de que novela é algo ruim, estavam furiosas com as liberdades da obra.  Olha, quando anunciaram que iriam misturar vários livros da autora, a gente já estava avisada que seria uma adaptação bem livre.  De qualquer forma, eu sempre acho estranho que as pessoas gostem de um filme, ou minissérie, e parem por aí, nem buscam saber a origem, ou original, nem correm atrás do livro, ou quadrinho, quando tomam ciência de que é uma adaptação.

Nem sei qual o sentido desse texto, mas ele foi motivado por uma série de pequenos acontecimentos dessas últimas semanas.  Meu segundo post sobre O Jardim Secreto, com o vídeo com a participação do Colin Firth na versão de 1987, fez alguém perguntar se o livro (*sim, tudo começa em um livro*) já tinha sido adaptado antes das versões dos anos 1980 e 1990.  Olha, pouco tempo depois de ser lançado, O Jardim Secreto foi adaptado para o cinema, o livro é de 1911, o primeiro filme de 1919.  Imagine o sucesso que a obra fez para que isso acontecesse.  Foram inúmeras as adaptações para cinema (1919, 1949, 1993, 2020) e para a TV (1952, 1960, 1975, 1987, 1994), fora a série animada japonesa de 1991-92.

Eu apostaria que Jorge Amado é o
autor mais adaptado da nossa literatura.
Enfim, estreou semana passada a nova adaptação para a TV de Éramos Seis, a da Globo é a quinta (1958, 1967, 1977, 1994), fora novela de rádio (1945) e o filme feito na Argentina (1945). Fosse o cinema nacional mais robusto, certamente teríamos mais de uma versão cinematográfica feita por aqui.  Tenho curiosidade em saber qual romance brasileiro é o mais adaptado para cinema e TV.  Eu apostaria que no caso de um autor é Jorge Amado, mas qual seria o livro?  Alguém sabe?

De resto, escrevi um primeiro texto sobre Éramos Seis e pretendo escrever outro ainda esta semana.  Deveria ter sido no domingo, mas me enrolei.  De qualquer forma, li uns pedaços do livro e isso ajudará na hora de fazer o texto, como já escrevi aqui e no Twitter, eu estou gostando da novela, com algumas ressalvas.  Curiosamente, comecei falando de livros escritos por mulheres, mas esses livros estão longe de serem os mais adaptados para cinema e TV.  Fui procurar e encontrei uma lista com os 10 livros mais adaptados e, ao que parece, pegando todas as possíveis versões seja quanto à origem, ou quanto ao formato, o resultado é esse:

1. O Conto de Natal de Charles Dickens.
2. Os Miseráveis de Victor Hugo
3. Alice no País das Maravilhas de Lewis Carrol
4. Guerra e Paz de Leo Tolstoy
5. Oliver Twist de Charles Dickens
6. Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas
7. Orgulho & Preconceito de Jane Austen
8. Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle
9. Drácula de Bram Stocker
10. Frankenstein de Mary Shelley


Holmes já foi interpretado por mais de 75 atores
Essa lista está em vários lugares e, bem, correta ela não é.  Uma coisa é adaptação de livro, outra coisa é uso de personagem.  Sherlock Holmes, Drácula e Frankenstein são usados em mil produções, não o livro de origem, que no caso da personagem de Doyle nem cabe.  Não há o livro Sherlock Holmes para ser adaptado, mas vários contos e romances que servem de base para filmes, minisséries, animação etc.  As referências à Sherlock Holmes são absurdamente volumosas na cultura pop.  Seria curioso saber qual dos contos, ou romances de Sherlock Holmes, é o mais adaptado, mas eu apostaria no Cão dos Baskerville.  

Da mesma maneira, não consideraria filmes como Amor à Primeira Mordida  (Love at First Bite) como adaptações de Drácula, o filme toma referências do livro, mas não é em nenhum momento uma tentativa de adaptação do mesmo.  Drácula e Frankenstein foram usados e abusados pelo cinema, TV, animação etc. Não acredito que caiba colocar os livros de origem entre os mais adaptados.  Simplesmente, é o uso das personagens, nem sempre respeitando as suas características originais.  Aliás, na maioria das vezes, vide coisas como a série Hotel Transilvânia, que eu acho bem legal.


Já, já, falo da novela de novo.
De qualquer forma, li muitos anos atrás que as personagens literárias que mais apareciam em filmes eram Holmes (*terceiro lugar*), Drácula (*segundo lugar*), Jesus Cristo (*primeiro lugar*) e Zorro.  Nenhuma lista que achei tinha Zorro, o quarto colocado seria Hamlet, e eu não vou considerar Papai Noel como personagem literária, mas ele é o mais representado.  Não sei como cheguei até aqui, a ideia inicial do texto nem era essa, ficou uma bagunça, mas prometo um outro texto sobre Éramos Seis para breve, além de outras resenhas que estou devendo.

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