domingo, 13 de outubro de 2019

Algumas palavras sobre a Canonização da Irmã Dulce: Uma Santa para os Nossos Dias


Toda canonização é um ato político e extremamente controlado pelo Vaticano desde pelo menos o século XI.  Para além dos milagres, há que se pesar todo o contexto da época, o que torna determinado santo, ou santa relevante para a sociedade e para a Igreja Católica.  Há santos muito populares em sua própira época mas que caem no esquecimento, outros não tem representatividade junto ao povo, mas cumprem os requisitos para a canonização, os processos normalmente tem uma função para além da religiosa. 

João Paulo II canonizou vários santos do leste europeu, inclusive figuras controversas, no momento em que a Cortina de Ferro estava ruindo.  Era uma forma de combater o comunismo.  Uma desses novos santos, Inês de Praga, uma franciscana, estava na fila fazia séculos.  Por isso, eu digo que há canonizações que são rapidinhas, e outras demoradas, seja porque a personagem não desperta interesse, seja porque é polêmica demais, como uma Joana D’Arc, por exemplo.  Fora isso, claro, os processos de canonização foram se tornando cada vez mais caros e burocráticos (*até por questões de segurança*), não é fácil conseguir fazer com que a causa de alguém chegue até o Vaticano.


Joana D'Arc, santa polêmica, disputada
por progressistas e conservadores.
Eu estudei o processo de canonização de Clara de Assis, principal santa franciscana.  No século XIII, os santos franciscanos, Francisco, Clara, Antônio,  representavam o novo modelo de espiritualidade antenado na expansão urbana iniciada no século anterior.  Sua canonização foi rápida.  Santos que estavam ligados ao trabalho com os pobres e os marginalizados, a Igreja não queria perdê-los, precisava acolhê-los em seu seio.    Novos modelos de santidade eram urgentes para inspirar-lhes a devoção.

Foram canonizados com grande rapidez, mas ninguém superou Pedro de Verona, dominicano, inquisidor, assassinado e que ficou associado ao combate à heresia Cátara, matéria importantíssima para a Igreja Católica no século XIII, afinal, tratava-se de uma igreja concorrente e da qual participavam muitos nobres.  Gente que tinha exércitos, castelos, cidades fortificadas.  Enfim, em 11 meses Pedro de Verona era Santo, mas não é um santo popular como um Francisco de Assis, ou um Antônio de Lisboa (*ou Pádua*).

Clara de Assis foi canonizada em dois anos.
Irmã Dulce (1914-1992), nascida em uma família de posses, dedicou-se aos pobres desde a sua adolescência.  Professou em um convento que fica na cidade de origem da minha família, São Cristóvão, em Sergipe. Ainda jovem, ajudou a criar o círculo operário da Bahia.  Criticada por estar no meio dos homens, ela retrucou que fazia o que estava no Evangelho.  E, bem, se os grupos católicos não se infiltrassem nas fábricas, as perderiam para os comunistas.  Sim, era uma questão de amor, mas, também, de estratégia e alguns entenderam isso, como Irmã Dulce.

A freira se preocupava particularmente com os desvalidos.  Invadiu casas abandonadas em Salvador para abrigá-los, mostrando o desprezo devido pela propriedade abandonada e sem uso social.  Veja que isso é polêmico até hoje, especialmente hoje, quando o bem comum é colocado em segundo plano pelos poderosos que tomaram o poder ancorados em um discurso ultraliberal.  Poderosos que não tem nenhum projeto para os pobres, que os desprezam, na verdade.
Irmã Dulce, uma santa para os nossos dias.
Ao canonizar uma mulher que esteve ao lado dos pobres, que lutou para que tivessem casa e leitos em hospital, que não perdeu de vista a função social da Igreja Católica, Papa Chico está mandando uma mensagem.  Espero que ela chegue até os corações do povo, que ajude mudar a mente de gente que se esqueceu dos pobres, ou que deles quer distância.  Enfim, Santa Dulce dos Pobres é bem-vinda.  Uma santa com rosto, com história e com uma mensagem que pode ser útil em nossos dias.  Além disso, é uma forma de tentar ampliar o rebanho de fiéis em um momento em que a Igreja Católica perde terreno para os  Evangélicos em muitos lugares do Brasil.

E, não, não sou católica, mas entendo a função social dos santos dentro de seu contexto histórico e que estudá-los é muito interessante e impostante para a História.  Fora isso, nessa disputa entre evangélico-fascistas, católicos reacionários e a Igreja Católica que segue o Papa Chico, sou time Chico até o fim.

2 pessoas comentaram:

Puxa vida! Pra você ver como esses líderes religiosos são canalhas...
Eles se apoderam da história de pessoas boas que fizeram o bem na sociedade e lutaram contra injustiças e usam da forma que querem. Sempre mancomunados com políticos a fim de controlar o pensamento crítico das pessoas e consequentemente lucrar muito com isso.
Fora também que esse conceito de pegar uma pessoa (por melhor que tenha sido), que andou sobre essa Terra e teve as mesmas necessidades que eu e você, que quando morreu se tornou carne podre e foi comida pelos vermes e elevar o status dela a um santo com poderes e que está agora no céu e anota pedidos dos aflitos e intercede junto ao pai e etç etç.
Olha, sinceramente esta é uma das coisas mais descabidas que eu já ouvi. Completamente irracional. É por coisas assim que abandonei a religião, PARA SEMPRE!

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