Quinta-feira, fui com umas amigas assistir o filme francês Branca como a Neve (Blanche comme Neige), uma releitura do conto clássico dos Irmãos Grimm, Branca de Neve. Primeira coisa que devo informar, as sinopses do filme estão um pouco erradas. O amante da madrasta má não é mais jovem que ela, ou se é, não aparenta. Segunda informação, trata-se de uma comédia, é verdade, mas um tanto trash e com forte conteúdo erótico, algo que não fica evidente na sinopse e só é sugerido trailer. Terceira informação, me diverti muito, muito mesmo com esse filme. Enfim, se você gosta de mangá harém, mas acha que a protagonista deveria tirar uma casquinha de todos os rapazes da história, este filme é para você.
Comecemos com uma sinopse decente do filme: Claire (Lou de Laâge) é uma bela jovem que trabalha no hotel do seu falecido pai, agora administrado por sua madrasta Maud (Isabelle Huppert). A madrasta é muito severa com Claire, que vive para o trabalho, e sempre repete que o pai da moça detestava gente preguiçosa e que ela precisava se esforçar mais. O problema começa quando o amante de Maude, Bernard (Charles Berling), se apaixona por Claire.
Maud presencia uma das investidas do sujeito e é tomada por ciúmes e decide se livrar da enteada. A madrasta contrata uma assassina (Agata Buzek), que sequestra a moça e a leva para uma montanha distante. Claire termina sendo resgatada e sua vida dá uma completa guinada ao se tornar o centro da vida de sete "anões" muito estranhos.
A cena do espelho se remete ao conto clássico. |
Me surpreendi um tanto com esse filme de Anne Fontaine, que dirige e assina com outras pessoas o roteiro. Escrevo isso, porque conheço a diretora do tenso e dramático Agnus Dei, um dos melhores filmes que assisti em 2016, não imaginava a diretora fazendo um filme nesses moldes, só que não vi nada mais nada dela, então não tenho como discutir se é um ponto fora da curva, ou não. Só sei que é um filme divertido e que consegue, ainda que mantendo a relação problemática entre a madrasta e a Branca de Neve, uma releitura feminista descompromissada do conto original.
Claire espera que Pierre tome a iniciativa, mas ele não vem. |
Pierre, um homem rústico e de poucas palavras, mora em uma casa isolada com seu irmão gêmeo, François (Damien Bonnard), e o hipocondríaco Vincent (Vincent Macaigne). O sujeito já teve problemas com a polícia (*e o filme não entre em detalhes sobre isso*) e não quer procurar ajuda das autoridades, estabelece-se de imediato uma tensão erótica entre Claire e ele. Ele a manda embora, ela o enfrenta e esbofeteia, ele termina por beijá-la. Depois disso, Claire espera que ele tome a iniciativa, como nada acontece, ela vai atrás dele, o problema é que ela não consegue discernir entre um gêmeo e outro. Mas quem se importa, não é mesmo?
A única diferença entre os gêmeos é que um é gago. |
E é através de Vincent, o violoncelista hipocondríaco, que Claire conhece o resto da vila. Vincent Macaigne estava no elenco de Agnus Dei e lá ele também fazia uma espécie de par romântico da personagem de Lou de Laâge. A primeira pessoa que Claire encontra é o veterinário Sam (Jonathan Cohen) cuida de Chernobyl, o cachorro de Vincent, que toma antidepressivos por culpa do dono. Sam é o mais perturbado do grupo de homens, inseguro, neurótico e ciumento, e se o filme fosse um tano mais realista, Claire deveria manter distância dele.
Vincent e Chernobyl. |
Vincent também apresenta Claire ao padre da cidadezinha, Guilbald (Richard Fréchette), dono de uma moto espetacular, e ao livreiro Charles (Benoît Poelvoorde), que tenta de cara seduzir Claire, sem grandes resultados. Poelvoorde meio que repete o mesmo papel que fez em Banho de Vida. Ele é bonachão, mulherengo, meio inconveniente e pouco confiável. Mais tarde, descobrimos que é masoquista e gosta de apanhar de mulheres...
O padre e o livreiro. |
Fora Claire, a única mulher com falas na cidadezinha é Muriel (Aurore Broutin), dona do pequeno restaurante local e que tem nome de mulher. Georgette, acredito. É Vincent que a apresenta ao lugar e quando Claire pergunta se Muriel é a tal Georgette, ela diz de forma seca que este era o nome de sua amada que foi embora sem dizer adeus. Cheguei a pensar que Muriel se tornaria um dos anões, mas ela vai ser a patroa de Claire, que logo arruma um emprego e vai ficando.
Clément finalmente se entrega para Claire. |
Mas de todas as cenas de sexo, talvez a mais intensa tenha sido a que aconteceu com Vincent, porque, bem, não há sexo nenhum. O sujeito, que não consegue tocar em Claire (*ou qualquer mulher, como ele bem explica*) por ter medo de germes, dá de presente para a moça um violino. Ela tinha parado de tocar quando a mãe morreu e tenta recusar. No fim das contas, ela volta a praticar, redescobre a paixão pela música, e os dois terminam executando um belo dueto de violoncelo e violino. É intenso, é bonito, é sensual e eles estão vestidos e não se tocam. Foi uma das melhores sequências do filme.
Graças a Vincent, Claire recupera a paixão pela música. |
Maud decide então se livrar de Claire, mas não tem ideia de como fazer isso. A sugestão do assassinato parte da personagem de Agata Buzek que é, talvez, a coisa mais surreal do filme. Ela é terapeuta holística, meio bruxa e, bem, nas horas vagas também fazia bicos como assassina. Ela termina se dando mal, mas quando Claire consegue dar notícias, Maud parte para as montanhas com o intuito de terminar o que começou. Falando nisso, as locações são lindas e a fotografia do filme é muito boa, um deleite para os olhos.
O figurino da madrasta é um dos pontos altos do filme. |
Quando a madrasta percebe o efeito que Claire tem sobre os homens da cidade, um poder que ela mesma não tem mais, Maud decide que é ainda mais urgente se livrar da moça, pois a felicidade da jovem é sua maior fonte de sofrimento. A partir daí, temos algumas tentativas frustradas de assassinar Claire. De uma vez, é o padre que a salva. De outra, o jovem Clément impede que a protagonista coma uma maçã envenenada. Essa cena da maçã rende o maior momento de humor involuntário do filme, quando um esquilinho, coitado, morde a fruta e morre em segundos. Foi tosco, muito mesmo.
Sam, o veterinário meio doido, tem que aceitar os termos de Claire, ou perdê-la. |
Branca como a Neve não é um grande filme, mas é um entretenimento muito satisfatório. Não vai mudar a vida de ninguém, mas é corajoso ao defender o direito de uma mulher ser livre, inclusive para transar com quantos homens ela quiser. Claro que a vida louca de Claire, que passa a fumar e beber, poderia não terminar bem, mas o filme não é realista. Em uma situação normal, Claire ficaria grávida sem saber quem era o pai da criança e aqueles homens acabariam se matando, ou tentando matá-la.
Havia muita química entre Lou de Laâge e Isabelle Huppert. |
Haruhi, de Ouran Host Club, tem um harém orbitando ao seu redor, mas se ela for ficar com alguém, seria com Tamaki e isso estava meio evidente desde o primeiro barraco. Fora isso, as mocinhas de shoujo harém podem ser sequestradas, quase estupradas, assediadas, até beijadas por outros, mas elas só são capazes de amar um sujeito, não raro o cidadão que lhes deu o primeiro beijo lá no começo do mangá. A questão sempre é como eles vão ficar juntos, como superar os obstáculos. Enfim, Claire quer todos os anões e ela não quer ser propriedade de nenhum deles. Sim, pode não ser seu sonho, mas a mensagem é empoderadora.
A sequência da dança entre a madrasta e Claire é uma das mais sensuais do filme. |
Concluindo, digo o seguinte, as resenhas negativas que li são de homens e, bem, acredito que a forma como o filme é conduzido e os homens são retratados talvez tenha gerado algum desconforto em certos críticos. Afinal, deve ser meio intimidador ver o mundinho patriarcal sendo girado de ponta a cabeça com uma mulher tomando a iniciativa, colecionando amantes e ditando as regras do relacionamento. Agora, se você quiser um filme mais denso e inegavelmente superior da diretora de Branca como a Neve, procure Agnus Dei, mas faça isso por sua conta e risco.
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