Não quero me estender muito nesse tema (*textos: 1 - 2 - 3 *), mas me vejo obrigada a tanto, e fui procurar uma entrevista que assisti no canal GGN com a antropóloga social Isabela Oliveira Kalil. A pesquisadora estudou os movimentos pró-impeachment da Avenida Paulista, um dos pontos importantes, para mim, pelo menos, é a discussão sobre a pauta moral dos movimentos conservadores que tomaram as ruas. Kalil distingue dois tipos de corrupção, aquela mais tradicional e rasa (*desvio de dinheiro público, por exemplo*), com outra ligada à valores e um modelo idealizado de família e sociedade. Esse modelo, claro, não comporta um casal do mesmo sexo, por exemplo, ou associa somente às esquerdas as bandeiras de direitos humanos e individuais. A pesquisadora chega a comentar que mesmo quando um político era ficha limpa, ele poderia ser rechaçado por esses grupos sob o argumento de que seria moralmente corrupto.
A família idealizada de muita gente é, além de heteronormativa, branca, com dois ou três filhos, e saída de um seriado de TV norte americano dos anos 1950. |
Em entrevista a Antonia Fontenelle, Jair Bolsonaro comentou a suspensão do financiamento de séries com a temática LGBT. "Não é mais o PT que está aqui, onde a família era um lixo. Está na Constituição, o que é família? Homem e mulher", disse.— UOL Notícias (@UOLNoticias) September 3, 2019
📽 Antonia Fontenelle/YouTube pic.twitter.com/csB1NQKFMt
Enfim, a agenda moral, que é baseada em ignorância (*social, histórica e mesmo bíblica*) e medo, alimenta o ódio pelo "outro", que passa a ser visto como um inimigo é tão pesada e concreta quanto a agenda neo ou ultraliberal, como queiram. Ela pode vir a prejudicar a própria economia do país e já compromete a democracia brasileira, porque ela corrói nossos direitos, ela mata pessoas ao estigmatizá-las e pintá-las como inimigos de algo que é mais importante que tudo, a sua família. O magistrado que derrubou a liminar que garantia que nenhum livro poderia ser confiscado na Bienal, sentiu-se autorizado por essa agenda moral e os que a apoiam a ignorar a constituição e as decisões do STF a respeito de crimes de homofobia. Você pode estar se lixando para Vingadores, a Cruzada das Crianças, ou achar que as telenovelas da "Globo Lixo" tem que acabar mesmo (*Aqui, esquerda e extrema direita dão as mãos*), mas, talvez, a censura, que será feita por gente "terrivelmente evangélica", ou afins, poderá chegar até a sua série favorita da TV por assinatura, ou ao filme que está para estrear no cinema, ou mesmo o seu game. Nem vou falar de mangás, porque eles, com certeza, iriam rodar.
Há vários movimentos organizados pleiteando não a proteção às famílias, mas a um tipo de família e a exclusão de todas as outras. |
Este gráfico da violência, segundo Johan Galtung, é bem interessante. A origem da figura está na imagem. |
A censora disse ao autor que se ela não estivesse de férias, a novela não teria sido aprovada e que a escravidão deveria ser apagada de nossos livros de História. |
Enfim, o áudio da entrevista está ruim, é um dos problemas do GGN, mas ela toca em vários pontos importantes para ajudar a pensar a censura ao quadrinho dos Vingadores na Bienal e outros casos de censura e autocensura (*caso da novela da Globo*) ocorridos esta semana. Selecionei a partir do momento em que é feita a pergunta direta sobre a pauta de valores, mas vale assistir todo o vídeo. E me desculpem pelo vídeo tão longo.
2 pessoas comentaram:
Mais uma vez, você super sensata.
Eu fico cada dia mais desiludida com tudo isso que vem acontecendo. E o pior é que não vejo um bom horizonte em 2022.
O difícil é pensar em COMO vamos chegar em 2022...
Postar um comentário