segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Não sabia que Akiko Higashimura tinha escrito roteiro de filme...


Akiko Higashimura escreveu um roteiro de filme e eu nem fazia ideia.  O nome é  Bara to Tulip (薔薇とチューリップ) e foi lançado este ano em maio.  Esse filme, claro, virou mangá e foi publicado na revista Monthly Big Comic Spirits.  Agora, o volume único foi lançado encadernado, segundo o Comic Natalie.  E qual é a história do mangá?  

Nero (Lee Joon-Ho) é um jovem pintor mundialmente famoso. Ele viaja para o Japão para realizar uma exposição. No Japão, Nero decide visitar secretamente uma pousada com onsen. Há rumores de que a pousada tem um trabalho plagiado de Nero. Na onsen, Nero conhece DaeWon (Lee Joon-Ho), um jovem coreano que estuda no Japão, que parece idêntico a ele. Por uma razão específica, Nero pede que De-Won troque de lugar com ele.  Depois de trocar de lugar, Nero desenvolve um relacionamento com a filha do dono da pousada, Kaori (Mitsuki Tanimura), o que o faz refletir sobre sua vida. Enquanto Daewon pensa sobre o que seu futuro reserva, o tempo todo aproveita as vantagens de ser uma celebridade. Esse plano ajudará os dois a descobrir quem eles realmente são?


Enfim, pode ser um material interessante.  Volume único e sem scanlations até o momento.

Comentando Abominável (EUA/China/2019): Um Filme sobre Amizade e Restauração de Vidas


Não ia resenhar Abominável, aliás, não tenho resenhado boa parte dos desenhos animados que assisti com Júlia no cinema este ano, mas como parece que o filme está fazendo boa bilheteria, acho que vale a pena comentar um tiquinho, mas é pouco mesmo.   Quando assisti com Júlia na semana de estreia, uma frase girava na minha mente "Isso é filme feito para o Oscar". E deve ser mesmo, parece feito para isso.  De resto, ficou piegas o título, mas espero explicá-lo ao longo do texto.

Uma criação da DreamWorks Animation e chinês Pearl Studio, Abominável conta a história de Yi (Chloe Bennet), uma adolescente que descobre um yeti morando no telhado do prédio de sua família em Xangai. A garota dá o nome ao yeti de "Everest", ao descobrir que ele tinha vindo de lá.  A trama mostra as tentativas de Yi de levar o yeti para sua casa, com a ajuda de seus amigos Jin (Tenzing Trainor) e Peng (Albert Tsai). Tentando impedir que o yeti volte para casa, estão o magnata colecionador de criaturas exóticas, Burnish (Eddie Izzard), e a zoóloga Dr.ª Zara (Sarah Paulson).

A menina desenvolve um elo muito forte com Everest.
Diferente de Ugly Dolls e Os Brinquedos Mágicos (Toys & Pets), as duas outras animações chinesas que assisti com Júlia, Abominável mostra desde os primeiros segundos que há muito dinheiro envolvido na produção.  O visual é realmente impactante, um desenho de primeira linha e feito para conquistar quem está acostumado com as produções da Disney e outros grandes estúdios.  Apesar do diretor e roteirista norte americanos, o DNA de Abominável é chinês, desde o trailer, isso fica bem marcado.

Como tem acontecido com mais frequência, a protagonista é uma garota.  Isso é bom, claro, mas se olharmos o elenco, temos a heroína e a Dr.ª Zara com peso na história e o resto do elenco importante são homens, começando por Everest.  O que quero dizer é que o protagonismo é feminino está garantido e isso é bom, mas não há equidade na distribuição dos papéis ainda.  Outras personagens femininas com falas são a avó, chamada de Nai Nai (Tsai Chin),  e a mãe de Yi (Michelle Wong).  Cumprida com folga a Bechdel Rule, mas eu preciso pontuar algumas questões.  

Após a morte do pai, Yi evita conviver com a mãe e a
avó e não divide seus sonhos, ansiedades e tristezas com elas.
Como em outras animações recentes, como O Parque dos Sonhos (*que não resenhei*) e Next Gen (*que Júlia estava revendo na Netflix*), temos uma menina deprimida pela perda do pai, ou da mãe.  Em O Parque dos Sonhos, a mãe está ausente para um tratamento de saúde, mas em Next Gen e Abominável, a morte do pai deixa um grande vazio na vida da filha.  

Em Abominável é evidente que o vínculo maior era com o pai e ele, mesmo morto, motiva as ações da filha, isto é, economizar dinheiro para fazer a viagem que os dois (*não a família*), tinha sonhado.  Yi sequer conta para a avó e a mãe, ela faz tudo em segredo, alienando as duas de sua vida.  Claro, o filme trata de restaurar os laços familiares e da comunidade, porque a aventura reaproxima Yi dos vizinhos (Jin e Peng), mas é interessante como essas animações com influência chinesa parecem diminuir o papel da mãe na vida de uma filha, enfim... 

O grupo é perseguido pelos interiores da China pelos vilões.
Em Next Gen, até é compreensível, pois a mãe se afasta da filha e é viciada em tecnologia.  Em Abominável, Nai Nai, a avó, e a mãe, que sequer tem nome, são amorosas e preocupadas com a menina.  Vejam, o comportamento de Yi, sua dor e a dificuldade de lidar com ela, não são incoerentes, o que me saltou aos olhos é essa aparente regularidade.  Perde-se o pai, fica a mãe, é uma menina, há um vazio enorme como se a mãe não fosse realmente importante.  De resto, o fato de Yi ser menina tem pouco peso na história, poderia ser um garoto e a história se manteria praticamente a mesma.  

O filme, aliás, reforça poucos estereótipos de gênero, e o único de impacto sobre as crianças é reforçar a ideia de que meninos - Peng e Abominável - são cabeças ocas, um tanto sujos e imprevidentes.  Everest e Peng são pré-adolescentes, talvez o yeti seja ainda mais jovem, e Yi os trata com complacência por serem meninos e crianças, enquanto Jin, que com 18 anos se considera adulto, os vê como moleques.

A mágica do yeti proporciona imagens lindas.
Há a crítica à artificialidade das relações virtuais utilizando Jin, o vizinho que acabou de ser aprovado na universidade e só pensa em likes e parecer interessante em suas redes sociais.  Jin precisa se desconstruir, abrir mão de suas vaidades e egoísmo, para acompanhar Everest, Peng e Yi na viagem.  Como tem se tornado comum, o possível romance entre Jin e Yi é absolutamente anulado.  Fosse um anime, eles formariam um casal, com certeza.

Abominável, como pontuei lá em cima, é um desenho visualmente bonito.  Algumas imagens são poéticas até, como quando Yi volta a tocar seu violino.  Mais adiante, ele passa a ter parte da mágica  do yeti e quando a menina toca, coisas muito bonitas acontecem.  Nota dez para abominável nesse quesito.

Longe da cidade, eles apreciam as
estrelas depois de muito tempo.
Agora, houve duas coisas que realmente me irritaram em Abominável.  A primeira é que os moleques e o yeti passam dias sem comer nada, subindo montanha, fugindo dos vilões e por aí vai, sem perder a energia.   Se você viu o trailer deve lembrar da cena com mirtilos, é a única vez em que eles comem.  Depois, há uma única cena de Peng reclamando de fome e nada mais que isso.

Já o yeti, ainda que alguém queira argumentar que a magia lhe tirava a fome, estava faminto enquanto escondido no terraço do prédio de Yi.  A menina, que recusava comer, passa a encher a bolsa com os bao (pãozinho recheado) que sua avó preparava, para alimentar Everest.  Agora, depois, quando começa a se agastar da cidade grande e do laboratório de onde fugiu, o yeti parece não precisar mais comer, mas e as crianças?

Os valores familiares são restaurados.
O outro problema são as roupinhas leves subindo a montanha. Só bem lá no final, eles recebem roupas mais quentes, mas, ainda assim, é coisa muito leve para subir o Everest, fora que tudo acontece bem rápido.  Não estou pedindo realismo, mas os japoneses ou mesmo a Disney não fariam melhor. Por exemplo, Ana troca de roupa para ir atrás da irmã na montanha e essa necessidade de se proteger do frio recebe a atenção devida em Frozen.  Em Abominável, isso passa meio batido.

Acredito que Abominável entre na seleção final do Oscar, é um desenho bonito visualmente, aquece nosso coração com suas sequências poéticas e a ênfase na restauração da família e da amizade e outros valores perdidos, nesse caso, usando o vilão.  A jornada do filme não é somente do yeti, mas é uma jornada de restauração interior de Yi, além de um passeio por belas paisagens da China.  Agora, o filme poderia ter um roteiro mais robusto.  

Yi volta a ser capaz de ver a beleza no mundo
e em si mesma e de criar beleza, também.
Não acredito que vai ganhar o Oscar, vai pegar coisas como Frozen 2 pela frente, mas tirou de Downton Abbey, que tinha derrotado Rambo na semana de estreia dos dois, o primeiro lugar nas bilheterias dos EUA.  Enfim, o filme estreou primeiro aqui e, duas semanas mais tarde nos Estados Unidos.

domingo, 29 de setembro de 2019

Recomendação de Vídeo: Why Anime in Latin America was... Different (and Better)


Não conhecia o canal Get In The Robot, mas um amigo repassou o vídeo no Facebook  eu parei para assistir.  Enfim, não tem legendas em português, acredito, só as automáticas em inglês, o que é uma limitação.  Mas por qual motivo o vídeo é interessante? 


Para quem não entende inglês, vou deixar meus comentários:  A apresentadora, Cristal Marie Calderon, deve ser pelo menos uma geração mais nova que eu, o que quer dizer que ela assistiu criança aos animes que apontou como icônicos para a sua geração: Dragon Ball Z, Sailor Moon, Pokemon, Saint Seya e Cowboy Bebop.  O fato dela dizer que estava na escola, provavelmente, ainda criança, quando assistiu Pokemon, já confirma isso.

Ela comenta que o sucesso dos animes na América Latina, e ela em vários momentos especifica que falante do espanhol, é que eles não foram censurados.  Saint Seya (*o anime favorito da apresentadora*) foi exibido com seus 114 episódios, enquanto nos EUA, a exibição tardia da Cartoon Network editou a tal ponto que o anime passou a ter 40 episódios e somente 32 foram exibidos, porque a audiência era baixíssima.  

Não lamento que o assédio e o fanservice ofensivo
praticado contra a personagem Yuki Mori (Lola)
tenha sido retirado de Yamato pelos norte americanos. 
Para tudo há exceção.
No Brasil, foi mais ou menos assim, o que vinha para cá passava como chegava.  Por exemplo, Yamato (Patrulha Estelar), as duas primeiras séries, chegou via EUA e veio já com censura.  Quando veio a terceira temporada, direto do Japão, deu um nó na cabeça da gente, porque muitas personagens tinham morrido e, bem, nós não tínhamos assistido essas mortes.  Curiosamente, eu até aceito algumas das censuras em Yamato, porque a forma como Lola (Yuki) era ratada era realmente ofensiva.

A apresentadora ressalta que quando havia algum rolo em países da América Hispânica, era porque o material vinha censurado de fora, como aqui, via Espanha (*animes eram muito censurados na Europa dos anos 1980*), em alguns casos raros, Sailor Moon, via Estados Unidos, mas sem toda a censura de lá.  Sailor Moon, que nós aqui recebemos do México, não contou com a censura ocorrida nos EUA, simplesmente houve mudanças nos nomes Usagi virou Serena, por exemplo, e uma confusão na dublagem com Zoisite sendo transformado em uma mulher.  OK.  A gente recebeu essa versão, mas, de resto, era Sailor Moon.  

Nos EUA, Urano e Netuno eram primas.
O problema é que, no Brasil, tivemos uma lacuna grande sem receber anime nenhum, ou quase nenhum, daí o boom com Cavaleiros do Zodíaco (*para mim, um anime mais ou menos, mas meu marido ficou bravo agora a pouco, porque falei isso.*).  Em outros países latinos, o fluxo de animes foi quase contínuo.  Por exemplo, por aqui, a gente só assistiu uns 28 episódios de Candy Candy, muito diferente do que aconteceu em outros países da América Latina.

E o que a apresentadora tem a dizer sobre isso, que é, aliás, a parte mais importante do vídeo?  Enfim, ela discute que os japoneses queriam nos anos 1980-90 entrar nos EUA de qualquer jeito.  Os americanos consideravam os animes produtos inferiores (*olha, eu diria que eles sabiam que potencialmente era competição superior mesmo*), com muitas peculiaridades culturais e que fugiriam do objetivo das animações norte americanas, isto é, vender brinquedos.  Não dariam lucro.

Por confusão, Zoicite virou mulher.
Ela comenta que muitos animes, quando chegavam aos EUA, eram tão desfigurados, tão desfigurados, como Card Captor Sakura, com o objetivo de se ajustas aos (*supostos*) gostos locais, que flopavam completamente.  Ela cita Card Captor Sakura.  Para quem não conhece, nos EUA, a série virou Card Captors em seu primeiro lançamento e foi cortada e dublada para transformar Shoran em protagonista, porque Sakura não teria apelo para os meninos.  Enfim, atitudes típicas dos gênios que acreditavam, também, que meninas e mulheres não gostavam de quadrinhos.

Tentando ampliar o mercado, empurraram por baixíssimo preço os animes para países da América Latina, onde a produção de desenhos animados praticamente não existia, porque as crianças eram vistas como uma audiência pouco lucrativa.  Quem foi criança nos anos 1980, no Brasil, deve lembrar de quão caros eram os brinquedos e que a gente só ganhava (*quando ganhava*) brinquedos mais caros em datas muito específicas.  No meu caso e do meu irmão, o brinquedo mais caro era no Natal.  Dia das Crianças era um brinquedo barato.  Aniversário, bem, a festa já era seu presente.  Ela também pontua que esses países estavam saindo de ditaduras sangrentas.  O que isso tem a ver?  Ah, quem se importa com violência de anime quando temos a real servida todos os dias?  

Sangue azul... Sério isso, gente?
Outro fator importante, e este é central para mim, é que as telenovelas prepararam terreno.  Eu já defendi várias vezes que mangás são como folhetins/novelas, obras abertas.  Mudam-se os rumos no meio do caminho, sonda-se o que a audiência deseja ler/assistir.  A gente não está no Japão e não tem impacto nisso, mas o formato nos é familiar.  E, bem, telenovela também era visto como produto inferior, culturalmente falando, porque era feito principalmente para mulheres.  Isso ela aponta no vídeo e, sim, é meio desse jeito, ainda que no Brasil tenhamos saído um pouco desse cercadinho graças, principalmente, à uma mulher chamada Janete Clair, mas isso seria assunto para outro vídeo.

Novelas eram longas, mas com histórias fechadas.  As personagens normalmente tinham seus arcos desenvolvidos ao longo dos capítulos.  Havia drama, violência, humor, romance e, em alguns casos, certa nudez e sexo.  Ainda que o Brasil tenha meio que perdido o filão para crianças e adolescentes por mais de uma década, importamos Carrossel e Rebelde para somente depois produzirmos nossas versões, os mais jovens assistiam certas novelas.  Estavam, portanto, acostumados ao formato.

Shun mulher... Bem, já comentei sobre isso
Concordo com o vídeo.
De qualquer forma, assim como os animes se tornaram o maior produto de exportação do Japão, as novelas também são os de países como Argentina, México e Brasil.  Aqui, a apresentadora nos incluiu, também.  Produtos que são exportados, ganham versões em outros países (*inclusive nos EUA*) e geram produtos.  Coisa que, no início, não era nem imaginado.  Ela reforça isso citando como os americanos estão descobrindo essa mina e comenta o Cavaleiros do Zodíaco da Netflix.  Mas chega!  Me estendi demais.

Teito Hatsukoi Shinjyu caminha para o seu final + Resenha dos capítulos 1 e 2


Estava no Twitter olhando as notícias das revistas shoujo/josei japonesas e apareceu um post falando que Teito Hatsukoi Shinjyu (帝都初恋心中)  de Miko Mitsuki estava na reta final.  Não sabia nada do mangá, mas fui olhar no Bakaupdates e vi que ele está no volume #7 e começou a ser publicado na revista digital Mobile Flower e deve ter se mudado para a Sho-Comi.  Não consegui rastrear isso muito bem.  O resumo do mangá, me remeteu a Hadashi de Bara o Fume (裸足でバラを踏め), de Rinko Ueda, que eu resenhei completo no blog.

O resumo inicial de Teito Hatsukoi Shinjyu é o seguinte: Período Taishō (1912-26), Yoshino Kaoru tem 16 anos e vive com o pai, que a ama muito, ajudando-o nos negócios da família.  Um dia, seu pai é assassinado e o conde Tamaki Misono aparece em sua casa e lhe propõe casamento, dizendo que é seu dever protegê-la.  A moça não sabe o motivo do casamento, não conhece o noivo e acredita ser muito estranho o fato de um sujeito tão rico e poderoso desejar casar com alguém de condição tão inferior.  Mas eis que os dois se dão bem e se apaixonam um pelo outro.

É a única capa com Kaoru
em roupas ocidentais.
Quando começamos a história, eles estão casados faz seis meses.  Kaoru tem dificuldades em se ajustar ao estilo de vidado marido, que deseja que ela use roupas ocidentais e não quer que ela faça os trabalhos domésticos.  A moça não consegue compreender, porque ninguém lhe ensinou, que fique claro, que o marido faz parte da corte imperial e que a imagem da família é muito importante.  Ela comete uma série de deslizes e acaba chamando a atenção de um associado de seu marido, um francês, Alan Bart, que desde o início mostra que tem intenção de desgraçar Tamaki e tomar-lhe a esposa.

Enfim, achei somente scanlations dos dois primeiros capítulos, li um deles em italiano e o outro em inglês, pensei que conseguiria pelo menos o volume #1, mas parece que é o que tem mesmo.  Abrindo o resumo no volume #1, há uma informação que deve aparecer nos capítulos seguintes: Tamaki está protegendo o assassino do pai da esposa!  Como ela poderá continuar amando esse homem?  Ele está metido no assassinato?  Qual o segredo por trás de tudo isso?

Um casamento repentino.
O início de Teito Hatsukoi Shinjyu é bem lugar comum, a mocinha pobre, mas esforçada, e que ama muito o marido, o sujeito super-protetor, mas um tanto distante.  Ponto positivo é que Tamaki não parece ser tão arrogante e mesmo violento como os protagonistas de outros mangás que seguem a mesma receita.  Como é coisa que veio da Mobile Flowers, ainda que nada seja explícito, o mangá já começa com uma cena de sexo.  Eles são marido e mulher, afinal, e o lugar onde combinam melhor é na cama... ou onde quer que eles façam amor.

Logo no início, temos a questão da incompreensão de Kaoru em relação aos seus deveres de senhora de uma casa nobre.  Ela não foi ensinada, não sabe como pessoas desse círculo se comportam no dia-a-dia.  Não tem um mordomo yaoi como Hadashi de Bara o Fume para lhe orientar e seu marido não é nenhum Ijuin de Haikara-san ga Tooru (はいからさんが通る), super prestativo e compreensivo.  Ela tem que se virar sozinha e acaba cometendo uma série de pequenos equívocos.

O traço é bonitinho.
No capítulo #1, ela é orientada pelas criadas a levar a refeição que preparou para o marido no trabalho e usando o vestido ocidental que ele queria que ela usasse.  Como Kaoru tinha recusado usar a roupa, ele saíra aborrecido com ela.  A moça se sente estranha, está acostumada a usar quimono, mas decide fazer o que lhe aconselham.  Resultado?  O vilão, porque tem toda pinta de ser mesmo, chamado Alan Bart, coloca os olhos nela e decide que vai tê-la para si de qualquer jeito.  Quando descobre que ela é esposa de Tamaki, a coisa se torna mais urgente.  Vingança?  Inveja?  Não sabemos ainda.

Dentro do prédio da empresa do marido, Kaoru comete outra gafe, ela se intromete em uma conversa alterada entre um empregado e seu esposo.  Tamaki pergunta por qual motivo ela não se cala, a beija na frente de todos os funcionários e a arrasta para dentro de um escritório qualquer.  Ele não parece realmente furioso, mas lhe diz que ela não deve ir até a firma, porque lá só trabalham homens, nem usar os vestidos ocidentais na rua, porque ela é muito bonita e chama muita atenção.  E ele diz que vai puni-la e os dois fazem sexo.  Quando a moça acorda, ele se foi, mas comeu todo o almoço que ela preparou.

Tinha como dar certo esse negócio?
O dois traços de caráter que mais saltam aos olhos no mocinho são o ciúme, daí a possessividade, os sentimentos ternos por Kaoru e o desejo sexual que sente pela mocinha.  Já ela, está naquela condição de submissão.  Ela é inferior dentro daquela sociedade e ela se sente como tal, o que é muito importante para mantê-la na defensiva nesse início de história.  Muito bem, eis o ponto de partida.  Não há nada nem de longe igualitário na relação dos dois.

No segundo capítulo, a mocinha descobre que o aniversário do marido está chegando.  Ele não lhe disse, ela quer comprar um presente, mas não tem dinheiro.  Ela passa boa parte do tempo em casa e o marido sempre paga as contas quando eles saem. Ela não recebe uma mesada, ou algo do gênero.  Não teria graça comprar um presente com o dinheiro dele e ela ainda teria que pedir.  
Vilão tipo básico bonitinho,
mas ordinário.
A mocinha vai a uma loja de departamentos.  Ela quer comprar uma gravata, mas não tem os 10 ienes necessários.  O que ela faz?  Algo absolutamente tolo e absurdo dentro daquela sociedade e contexto, mas totalmente clichê: ela arranja um emprego como garçonete em um café.  Garçonete usando quimono, não é fantasia de maid, não.

Ela está feliz por trabalhar (*não fazer nada é algo que atormenta a mocinha*), por ter seu dinheiro, esses são sentimentos com os quais as leitoras conseguem se relacionar, lembrem que mangá trabalha com a ideia de identificação.  Ser adolescente, ser pobre/classe média, querer ter seu próprio dinheiro, estar apaixonada, tudo isso é fator de identificação com as leitoras.

Kaoru usa muitos quimonos lindos.
Muito bem, a ideia tinha tudo para dar errado e dá, claro.  Ela é assediada por clientes e quem aparece para "salvá-la" é Alan Bart, o francês.  Ele a leva para a casa dele, a acalma, diz ser sócio do marido dela e faz com que ela compreenda que pode ter manchado a imagem da família de Tamaki e ofendido a sua honra.  Bart dá uma aulinha rápida de como funcionava a organização da nobreza japonesa antes da constituição do país aboli-la no pós-guerra e deixa Kaoru desesperada e aflita.  Ele diz que vai guardar segredo e pede que eles dividam outra coisinha...

Ele tenta estuprá-la.  Tamaki chega na hora e salva a esposa, mas Bart faz questão de dizer que ela se ofereceu para ele de livre e espontânea vontade, porque estava mentindo para o marido.  Tamaki leva a esposa embora, não a maltrata, não briga com ela, vai tomar banho para esfriar a cabeça.  Kaoru vai atrás dele, se desculpe e diz que merece ser punida (*com sexo violento*).  Ela lhe dá um presente, algo bem mais barato que a gravata, mas que foi o que ela conseguiu comprar.

Capa do volume #7.
Eles efetivamente fazem sexo, mas o moço diz que ele errou ao não orientá-la sobre como se comportar e colocá-la em uma situação vulnerável.  Que ele é responsável pelo incidente e que vai manter Bart longe dela.  Tamaki diz, também, que não se importa com sua posição social, ou nome de família, se importa com ela.  Kaoru fica comovida e termina fugindo do banheiro para chorar, eu imagino.  

Terminamos o capítulo dois.  Eu diria que a mocinha é bem clichê, mas o mocinho parece desviar um pouco da curva do ore-sama guy.  Quantas personagens desse tipo são capazes de pedir desculpas?  Ele pontuou alto então.  Só que há o mistério sobre a morte do pai (*e talvez da mãe*) da mocinha.  Há um segredo, embora ele deva ser inocente, ou parcialmente inocente, afinal, trata-se de outro clichê sobre mocinhos metidos em enrascadas do tipo.
É um quadro do volume #7,
por qual motivo Tamaki está amarrado?
A arte do mangá é bonita e dinâmica.  As cenas de sexo não são explícitas e são românticas.  O único defeito que vi foi em alguns quadros no qual a figura masculina, especialmente quando despida, fica um tanto deformada.  Eu continuaria lendo para ver como a autora trabalha a história.  Tem características novelescas, mas parece muito mais pé no chão que Hadashi de Bara o Fume, que caia em uns exageros enlouquecidos.

sábado, 28 de setembro de 2019

Entrevista Traduzida: Yoko Iwasaki fala para o site Manga News


Como prometi, disse que iria traduzir a entrevista que a mangá-ka Yoko Iwasaki deu para o site francês Manga News.  Eu gosto muito do traço da autora, muito mesmo, os homens que ela desenha são espetaculares e eu li vários Harlequin dela, ainda que só tenha resenhado Lover's Kiss para o Shoujo Café.  algo que eu não consigo perdoar é o fato de não terem chamado essa mulher para desenhar a série dos Irmãos De Burgh, me dá dor no coração.


Enfim, queria ler algum mangá da autora, e ela tem vários, que fossem dela mesma, não adaptações, mas não encontrei (*ou procurei direito*) scanlations.  Ela tem várias obras além de Lupin Etude (ルパン・エチュード).     Acabei de descobrir que Burai (無頼), uma série sobre o Shinsengumi, lançada nos anos 1990, tem algumas scanlations.  Descobrir que ela foi assistente de Yasuko Aoike é interessante, engraçado que eu tinha pego um volume de Eroica para reler exatamente no dia em que saiu a entrevista.  Deve ter aprendido muita coisa com essa grande mestre.


Manga News: Yoko Iwasaki, obrigado por aceitar esta entrevista. Uma pergunta simples para começar: como você se tornou mangaka?

Yoko Iwasaki: Comecei como assistente de Yasuko Aoike.[1]


MN: O que essa primeira experiência lhe ensinou?

Yoko Iwasaki: Eu aprendi muito sobre a forma como trabalhar. Devemos sempre tentar aprender e manter a disciplina.


MN: Na França, você é conhecida principalmente por versões de mangá das histórias dos Harlequin, romances com água açúcar que se passam no Ocidente. Como você se especializou nesse tipo de mangá? O que você gosta nesse tipo de trabalho?

Yoko Iwasaki: Basicamente, esses são cenários do catálogo Harlequin. Eu apenas sei que eles vêm de vários países.  O que eu mais gosto nesse tipo de história é a parte do sonho que eles oferecem, com homens que têm vidas totalmente diferentes da nossa.


MN: Quais são as principais dificuldades em fazer essas adaptações?

Yoko Iwasaki: Quando desenho homens, nem sempre é fácil, porque devo ser capaz de torná-los bonitos e garantir que pareçam naturais.


MN: Desde 2016, você desenha para a revista Princess Gold o mangá Lupin Etude, que gira em torno da personagem de Arsene Lupin. Você pode nos contar sobre isso? Quais são suas ambições com este mangá?

Yoko Iwasaki: Todo mundo tem sua própria imagem de Arsene Lupin e, portanto, talvez ninguém realmente saiba exatamente como Lupin é.  Nos romances de Maurice Leblanc, a primeira aventura do personagem é "A prisão de Arsene Lupin"[2] e propõe uma história em que ele é capturado, o que é bastante surpreendente e mostra desde o início que é ilusória como ele havia calculado seu aprisionamento. Da minha parte, eu gostaria, em Lupin Etude, de mostrar a extensão do mundo da personagem.


MN: O que você gosta na personagem?

Yoko Iwasaki: Ele é bonito. Mentalmente, eu o vejo como uma boa pessoa. Eu gosto de mostrar todos os personagens que ele é capaz de ser.  No Japão, nos livros para os jovens que foram feitos sobre ele, mostramos apenas uma imagem heroica, mas uma história real não é feita apenas de heróis, e isso também é algo que eu gostaria de mostrar. [FIM]


Entrevista realizada por Koiwai. Agradecimentos a Yoko Iwasaki, bem como a Hiroko Ogawa (organizador e intérprete durante o evento), Patrick Gueulle (vice-presidente da Associação dos Amigos de Arsène Lupin) e Pierre-Antoine Dumarquez (1º vice-prefeito de Etretat, presidente de Clos Lupin - Maurice Leblanc House e presidente honorário da Associação de Amigos de Arsene Lupin).

Se Arsène Lupin é apaixonante para você, se você quiser aprofundar seu conhecimento sobre as aventuras dele e os lugares reais que ele visita, só podemos aconselhá-lo a comprar o diário de bordo do Sr. Gueulle, disponível em formato digital nos sites de venda.

[1] É incrível, especialmente quando a gente pensa no tamanho do mercado francês, mas Yasuko Aoike nunca foi publicada na França.  Há uma nota na entrevista original explicando essa lacuna que é Eroica Yori ai wo Komete (エロイカより愛をこめて) nunca ter saído no país.
[2] A prisão de Arsène Lupin foi publicado originalmente na revista Je sais tout, n° 6, 15 de julho de 1905. 

Comentando Branca Como a Neve (França/2019): E se Branca de Neve fosse um Mangá Harém com tempero francês?


Quinta-feira, fui com umas amigas assistir o filme francês Branca como a Neve (Blanche comme Neige), uma releitura do conto clássico dos Irmãos Grimm, Branca de Neve.  Primeira coisa que devo informar, as sinopses do filme estão um pouco erradas.  O amante da madrasta má não é mais jovem que ela, ou se é, não aparenta.  Segunda informação, trata-se de uma comédia, é verdade, mas um tanto trash e com forte conteúdo erótico, algo que não fica evidente na sinopse e só é sugerido trailer.  Terceira informação, me diverti muito, muito mesmo com esse filme.  Enfim, se você gosta de mangá harém, mas acha que a protagonista deveria tirar uma casquinha de todos os rapazes da história, este filme é para você.

Comecemos com uma sinopse decente do filme: Claire (Lou de Laâge) é uma bela jovem que trabalha no hotel do seu falecido pai, agora administrado por sua madrasta Maud (Isabelle Huppert). A madrasta é muito severa com Claire, que vive para o trabalho, e sempre repete que o pai da moça detestava gente preguiçosa e que ela precisava se esforçar mais.  O problema começa quando o amante de Maude, Bernard (Charles Berling), se apaixona por Claire. 


A cena do espelho se remete ao conto clássico.
Maud presencia uma das investidas do sujeito e é tomada por ciúmes e decide se livrar da enteada.  A madrasta contrata uma assassina (Agata Buzek), que sequestra a moça e a leva para uma montanha distante.  Claire termina sendo resgatada e sua vida dá uma completa guinada ao se tornar o centro da vida de sete "anões" muito estranhos.

Me surpreendi um tanto com esse filme de Anne Fontaine, que dirige e assina com outras pessoas o roteiro.  Escrevo isso, porque conheço a diretora do tenso e dramático Agnus Dei, um dos melhores filmes que assisti em 2016, não imaginava a diretora fazendo um filme nesses moldes, só que não vi nada mais nada dela, então não tenho como discutir se é um ponto fora da curva, ou não.  Só sei que é um filme divertido e que consegue, ainda que mantendo a relação problemática entre a madrasta e a Branca de Neve, uma releitura feminista descompromissada do conto original.


Claire espera que Pierre tome a iniciativa, mas ele não vem.
Mais uma vez, a diretora escalou a competente e bonita Lou de Laâge como protagonista.  Ela parece bem mais jovem em Branca como a Neve do que em Agnus Dei e passa por uma grande mudança ao longo do filme.  Começa como a inocente e reprimida "Branca de Neve" e termina descobrindo a sexualidade e tomando as rédeas de sua vida.  Logo no início, quando é resgatada por Pierre (Damien Bonnard), ela parece que estará em uma relação de submissão em relação ao sujeito, mas a situação se reverte rapidamente e Claire passa a ser o elemento dominante da relação.

Pierre, um homem rústico e de poucas palavras, mora em uma casa isolada com seu irmão gêmeo, François (Damien Bonnard), e o hipocondríaco Vincent (Vincent Macaigne).  O sujeito já teve problemas com a polícia (*e o filme não entre em detalhes sobre isso*) e não quer procurar ajuda das autoridades, estabelece-se de imediato uma tensão erótica entre Claire e ele. Ele a manda embora, ela o enfrenta e esbofeteia, ele termina por beijá-la.  Depois disso, Claire espera que ele tome a iniciativa, como nada acontece, ela vai atrás dele, o problema é que ela não consegue discernir entre um gêmeo e outro.  Mas quem se importa, não é mesmo?


A única diferença entre os gêmeos é que um é gago.
O humor de Branca como a Neve, se baseia exatamente nas confusões que a presença da jovem mulher causa na vida de um bando de sujeitos problemáticos de uma cidade do interior.  Pierre e seu irmão gago, François, que eu decidi chamar de Zangado e Dunga, terminam ambos se relacionando com Claire e em dado momento, ainda que não vejamos nada, rola até uma orgia lá entre os três.

E é através de Vincent, o violoncelista hipocondríaco, que Claire conhece o resto da vila.  Vincent Macaigne estava no elenco de Agnus Dei e lá ele também fazia uma espécie de par romântico da personagem de Lou de Laâge.  A primeira pessoa que Claire encontra é o veterinário Sam (Jonathan Cohen) cuida de Chernobyl, o cachorro de Vincent, que toma antidepressivos por culpa do dono.  Sam é o mais perturbado do grupo de homens, inseguro, neurótico e ciumento, e se o filme fosse um tano mais realista, Claire deveria manter distância dele.  


Vincent e Chernobyl.
De todos os sujeitos, Sam me parece o mais instável e propenso à violência, ainda que Claire termine por domá-lo, também.  Vou dar spoilers, quando eles transam dentro do carro, há uma piada com Branca de Neve da Disney, porque ele acredita que está sendo observado, na verdade, um monte de bichos vem para o para-brisa do carro para olhar o que os dois estão fazendo. No outro dia, Sam dá um celular para Claire.  Ela recusa e diz que não aceitaria ser controlada por ninguém. Ela quer ser livre, se ele a quiser, terá que ser desse jeito.  Ele parece se conformar.

Vincent também apresenta Claire ao padre da cidadezinha, Guilbald (Richard Fréchette), dono de uma moto espetacular, e ao livreiro Charles (Benoît Poelvoorde), que tenta de cara seduzir Claire, sem grandes resultados.  Poelvoorde meio que repete o mesmo papel que fez em Banho de Vida.  Ele é bonachão, mulherengo, meio inconveniente e pouco confiável.  Mais tarde, descobrimos que é masoquista e gosta de apanhar de mulheres... 


O padre e o livreiro.
Charles tem um filho, Clément (Pablo Pauly), que é professor de Karatê, Taekwondo e "daquela dança brasileira"... O moço explica para Claire que é capoeira.  É usando um golpe de capoeira que ele salva Claire de um sujeito que a assedia, enquanto Sam estava encolhido no canto com medo de apanhar.  Clément é o mais jovem dos anões e um sujeito muito tímido, travado e que tem vergonha do comportamento do pai.  Nada é dito, mas apostaria que era virgem, também, até se entender com Claire.

Fora Claire, a única mulher com falas na cidadezinha é Muriel (Aurore Broutin), dona do pequeno restaurante local e que tem nome de mulher.  Georgette, acredito.  É Vincent que a apresenta ao lugar e quando Claire pergunta se Muriel é a tal Georgette, ela diz de forma seca que este era o nome de sua amada que foi embora sem dizer adeus.  Cheguei a pensar que Muriel se tornaria um dos anões, mas ela vai ser a patroa de Claire, que logo arruma um emprego e vai ficando.


Clément finalmente se entrega para Claire.
Na cidadezinha, que tem um santuário famoso por seus milagres, Claire descobre a alegria de viver que tinha perdido ainda na adolescência, quando sua mãe morrera em um acidente.  A nova vida é cheia de uma sensualidade que ela nunca tinha vivido.  E é o padre Guilbald que acaba se tornando seu confidente, apesar de Claire não ser religiosa, e não a condena por suas aventuras amorosas, mesmo as mais estranhas.  É bom dizer que o filme tem uma boa quantidade de cenas de sexo, mas nada é explícito, ou grosseiro, as coisas simplesmente acontecem para representar que Claire está viva e feliz. Dento da lógica do filme, talvez o padre também faça amor com ela quando ouve suas histórias.

Mas de todas as cenas de sexo, talvez a mais intensa tenha sido a que aconteceu com Vincent, porque, bem, não há sexo nenhum.  O sujeito, que não consegue tocar em Claire (*ou qualquer mulher, como ele bem explica*) por ter medo de germes, dá de presente para a moça um violino.  Ela tinha parado de tocar quando a mãe morreu e tenta recusar.  No fim das contas, ela volta a praticar, redescobre a paixão pela música, e os dois terminam executando um belo dueto de violoncelo e violino.  É intenso, é bonito, é sensual e eles estão vestidos e não se tocam.  Foi uma das melhores sequências do filme.


Graças a Vincent, Claire recupera a paixão pela música.
Mas falemos da madrasta, pois a resenha está ficando longa demais. Isabelle Huppert, que parece feita de gelo, é a mulher de meia idade que descobre, de repente, que não é mais jovem e passa a invejar a mulher na flor da idade que tem ao seu lado.  Apesar de todo o seu esforço por anular Claire, termina vendo seu amante olhar para a moça e desejá-la, enquanto ela mesma é colocada em segundo plano.  As mulheres são adestradas para competirem entre si e verem na beleza seu maior bem, nesse aspecto, não há ruptura com o conto original.  

Maud decide então se livrar de Claire, mas não tem ideia de como fazer isso.  A sugestão do assassinato parte da personagem de Agata Buzek que é, talvez, a coisa mais surreal do filme.  Ela é terapeuta holística, meio bruxa e, bem, nas horas vagas também fazia bicos como assassina.  Ela termina se dando mal, mas quando Claire consegue dar notícias, Maud parte para as montanhas com o intuito de terminar o que começou.  Falando nisso, as locações são lindas e a fotografia do filme é muito boa, um deleite para os olhos.


O figurino da madrasta é um dos pontos altos do filme.
Isabelle Huppert coloca muita frieza em Maud, toda a sua gentileza parece falsa, calculada.  E o figurino da personagem acompanha essa ideia e é uma das melhores coisas do filme.  Quando ela vai terminar o serviço, o lenço em torno de sua cabeça lembra a indumentária da madrasta da Branca de Neve da Disney.  É proposital.  Maud é elegante e, ao mesmo tempo, lembra uma vilã de novela mexicana.  Na cidade, a madrasta conhece primeiro o livreiro, que não deixa de cantá-la, mas não se dispõe a servir-lhe de guia pela cidade.  Maud termina por se hospedar no santuário. É através do padre que ela descobre Claire e tenta passar para  Guilbald que a jovem é uma criatura perturbada e que fugiu da família.  

Quando a madrasta percebe o efeito que Claire tem sobre os homens da cidade, um poder que ela mesma não tem mais, Maud decide que é ainda mais urgente se livrar da moça, pois a felicidade da jovem é sua maior fonte de sofrimento.  A partir daí, temos algumas tentativas frustradas de assassinar Claire.  De uma vez, é o padre que a salva.  De outra, o jovem Clément impede que a protagonista coma uma maçã envenenada.  Essa cena da maçã rende o maior momento de humor involuntário do filme, quando um esquilinho, coitado, morde a fruta e morre em segundos.  Foi tosco, muito mesmo.


Sam, o veterinário meio doido, tem
que aceitar os termos de Claire, ou perdê-la.
Como no conto original, a madrasta consegue seu intento.  Depois dos vários planos frustrados, Maud envolve uma embriagada Claire em uma dança sensual.  E, sim, um dos momentos mais eróticos do filme é entre as duas, o que me fez perguntar por qual motivo a diretora não foi além na transgressão e colocou a madrasta também desejando Claire, ainda que lutasse contra seus sentimentos.  Mas é a Branca de Neve, então, vocês sabem que tudo vai terminar bem para Claire e muito mal para a madrasta.

Branca como a Neve não é um grande filme, mas é um entretenimento muito satisfatório.  Não vai mudar a vida de ninguém, mas é corajoso ao defender o direito de uma mulher ser livre, inclusive para transar com quantos homens ela quiser.  Claro que a vida louca de Claire, que passa a fumar e beber, poderia não terminar bem, mas o filme não é realista.  Em uma situação normal, Claire ficaria grávida sem saber quem era o pai da criança e aqueles homens acabariam se matando, ou tentando matá-la.   


Havia muita química entre
Lou de Laâge e Isabelle Huppert.
 Brinquei com a história de mangá harém, porque nos casos dos shoujo, mesmo que a mocinha fique em situações um tanto comprometedoras com mais de um sujeito, o comum é que saibamos desde o primeiro volume com quem ela vai ficar.  Yuuri pode ter encontrado ao longo de 28 volumes de Anatolia Story outros sujeitos tão bons quanto Kail, mas a gente sabe que é com ele que ela vai ficar no fim, os outros caras que se conformem.  Miaka tinha o imperador (Hotohori) aos seus pés, um monte de caras dispostos a se sacrificar por ela em Fushigi Yuugi, mas desde o início ela estava destinada à Tamahome.  

Haruhi, de Ouran Host Club, tem um harém orbitando ao seu redor, mas se ela for ficar com alguém, seria com Tamaki e isso estava meio evidente desde o primeiro barraco.  Fora isso, as mocinhas de shoujo harém podem ser sequestradas, quase estupradas, assediadas, até beijadas por outros, mas elas só são capazes de amar um sujeito, não raro o cidadão que lhes deu o primeiro beijo lá no começo do mangá.  A questão sempre é como eles vão ficar juntos, como superar os obstáculos.  Enfim, Claire quer todos os anões e ela não quer ser propriedade de nenhum deles.  Sim, pode não ser seu sonho, mas a mensagem é empoderadora. 


A sequência da dança entre a madrasta e Claire é
uma das mais sensuais do filme.
 filme cumpre a Bechdel Rule? Sim, mesmo não tendo tantas personagens femininas, ele se sai bem nesse aspecto.  E o considero um filme feminista, porque uma mulher fazer sexo como Claire faz, com quem deseja e sem culpa só se tornou viável com o movimento de emancipação das mulheres.  Uma das amigas que estava comigo no cinema, fala que se demorasse mais um pouco o filme, Claire daria para mais algum homem que aparecesse, eu a corrigi dizendo que ela não deu para ninguém, foi ela que comeu todos os sujeitos.  Sim, para maiores discussões deem uma olhada no meu texto sobre a entrevista da Maria Zilda.  

Concluindo, digo o seguinte, as resenhas negativas que li são de homens e, bem, acredito que a forma como o filme é conduzido e os homens são retratados talvez tenha gerado algum desconforto em certos críticos.  Afinal, deve ser meio intimidador ver o mundinho patriarcal sendo girado de ponta a cabeça com uma mulher tomando a iniciativa, colecionando amantes e ditando as regras do relacionamento.  Agora, se você quiser um filme mais denso e inegavelmente superior da diretora de Branca como a Neve, procure Agnus Dei, mas faça isso por sua conta e risco.

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Evento sobre Arséne Lupin na França contou com a presença de 15 mangá-kas!!!!


Arsène Lupin, o ladrão-cavalheiro, foi criado por Maurice Leblanc em 1905.  Leblanc, um fã de Sherlock Holmes, queria criar o nemêsis perfeito para o detetive inglês e sua personagem, em seus encontros com a criação de Conan Doyle, chamava o detetive de Baker Street de "mestre" e "professor".  Dizia ter aprendido muito com ele.  Conan Doyle chegou a entrar com processo por direitos autorais contra Leblanc, o que levou o francês a chamar seu Holmes de Herlock Sholmes... 

O lugar do evento.
Lupin normalmente roubava dos ricos, dos avarentos, dos que não sabiam apreciar os tesouros que tinham em suas mãos.  Não dava para os pobres, ainda que pudesse ajudar os mais fracos em algumas situações e mesmo agir como justiceiro e detetive.  Lupin caiu nas graças dos japoneses e há muitos mangás sobre ele, fora, claro, Lupin III ( ルパン三世), uma das mais icônicas personagens da cultura pop japonesa e que é neto do original.  


Mais fotos.
Pois bem, em colaboração com a Associação de Amigos de Arsene Lupin (AAAL), a cidade de Etretat teve a honra de receber, no fim de semana de 15 de setembro, uma delegação de quinze mangá-kas japoneses (*a matéria do Manga News faz questão de frisar isso*), com destaque para Takashi Morita, particularmente conhecido na França pela adaptação para mangá das aventuras da personagem de Maurice Leblanc.  Se Monkey Punch não tivesse falecido este ano, certamente ele seria o convidado de honra desse evento.  O evento aconteceu na residência do próprio Leblanc, uma espécie de museu e centro cultural.

Lupin de Takashi Morita.

Lupin de Chiho Saito.
Do grupo de mangá-kas, além de Morita, os nomes mais famosos foram Chiho Saito (Shoujo Kakumei Utena) e Yoko Iwasaki (Lover's Kiss).  Ambas tem mangás em andamento sobre Lupin e, como gosto das duas, não sei dizer qual Lupin é mais bonito, ainda que Iwasaki tenha inovado e colocado Lupin louro.  Enfim, o Manga News publicou uma entrevista com Yoko Iwasaki e eu vou traduzir quando voltar do trabalho.  

Lupin de Yoko Iwasaki.
Além do evento em si, os mangá-kas foram levados a passear pela região, recebidos pelo prefeito da cidade, receberam presentes e tudo mais.  Deve ter sido fantástico.  ☺️ Falando em Lupin, a Netflix tinha anunciado uma série de Arsène Lupin negro e nos dias de hoje e, até agora, nada.  E, se alguém quiser começar a ler Arsène Lupin, recomendo começar com O Ladrão de Casaca e somente depois pegar Arsène Lupin contra Herlock Sholmes.