Quase um mês atrás, resenhei o filme Maria Antonieta de 1938. Como comentei na época um motivo foi A Rosa de Versalhes, outro motivo foi ter revisto umas cenas do Zorro de 1940 e lembrado que o Tyrone Power, que faz o protagonista, era o Fersen nesse filme. Só que no final de semana apareceu uma matéria lembrando que no dia 9 de agosto, hoje, comemoramos o aniversário do início da publicação das histórias do Zorro, no caso, os capítulos que terminaram reunidos no livro The Curse of Capistrano. Minha intenção era (*olha, o meu delírio...*) resenhar quatro filmes do Zorro esta semana. Com sorte, vai sair somente a do filme de 1940... 😐
Douglas Fairbanks foi o primeiro Zorro e ajudou a melhorar a personagem.
Zorro foi criado pelo escritor Johnston McCulley. Ele era um vingador, um "bandido social", isto é, um sujeito que pressionado por seu código de honra e condições adversas, no caso, um governo corrupto e cruel, comete crimes. A história do Zorro se passa na Califórnia na época em que ela pertencia à Espanha. O Zorro, que significa raposa, em espanhol, tinha uma identidade secreta, o jovem Don Diego Vega, um aristocrata que fingia total desinteresse por tudo aquilo que representava a masculinidade dentro do seu grupo social, só usava uma espada por questões de elegância, não mostrava interesse nenhum por política, nem por mulheres. Pior, e isso trazia uma suspeita que a maioria dos filmes omite, Diego gostava de estar com os homens, especialmente, os soldados, gente inferior.
E teve anime, claro! Kaiketsu Zorro (怪傑ゾロ), de 1997.
O que um jovem bem nascido faz no meio de homens rudes e pobres? Qual o motivo para alguém como ele ser amicíssimo do Sargento Gonzales? Por conta disso, no livro, o pai de Diego lhe dá um ultimato, ele precisa se casar o mais rápido possível, com uma moça de boa família, ou seria deserdado. Ele escolhe a jovem Lolita Pulido, de excelente linhagem, mas falida. A moça (*que é muito racista, algo normalmente eliminado de qualquer adaptação*) é obrigada a aceitar a corte de Diego, que não mostra grande interesse por ela e deixa claro que deseja casar com a jovem para atender a uma imposição paterna. Enquanto isso, o Zorro se apresenta à mocinha e a corteja com o ardor que o noivo, Diego, parece não ter.
O recurso da dupla identidade foi inspirado em The Scarlet Pimpernel, personagem criada pela Baronesa Orczy, e publicado pela primeira vez em 1905. O Pimpernel não era um bandido social, ele salvava nobres franceses da guilhotina. Orczy, que tinha fugido de uma revolução na sua pátria de origem, criou uma personagem que lutava contra a maré dos movimentos que defendiam as mudanças sociais. O Diego Vega do livro não é um revolucionário, também, ele se indigna com a injustiça, mas não tem como objetivo final abrir mão de nenhum dos privilégios de sua classe. Isso está no livro e nos filmes de 1920 e 1940.
The Mark of Zorro (1940).
Mas além do Pimpernel, outra personagem que pode ter servido de inspiração para o Zorro foi Joaquin Murrieta, ele, sim, uma espécie de Robin Hood. Nascido na Califórnia em 1829, ele foi minerador, vaqueiro e outras coisas mais. Acusado junto com seu irmão de ter roubado uma mula, ele foi açoitado e seu irmão enforcado pelo crime. Outras histórias contam que sua esposa foi estuprada por um bando e morreu em virtude dos ferimentos. Ele jurou vingança e começou a atormentar os sujeitos envolvidos na falsa acusação e no estupro. Ficou conhecido como Robin Hood do Oeste ou Robin Hood do El Dorado. Teria sido morto em 1853, mas há disputas sobre isso.
Alain Delon foi o Zorro, apesar de ser louro.
Vários livros e histórias e baladas foram escritos sobre Murieta. Se você assistiu A Máscara do Zorro, filme com Antonio Banderas, sabe que ele se chamava Alejandro e era irmão de Joaquim Murieta, que, no filme, é morto. Alejandro acaba sendo escolhido pelo Zorro original para ser seu sucessor. Muda de nome, deixa sua identidade de bandido para trás e se torna um caballero. Já escrevi um monte de coisas e nem comecei a minha resenha, vejam só!
Anthony Hopkins era o Zorro original no filme com Antonio Banderas. Vi esse filme quatro vezes no cinema.
Enfim, eu amo o Zorro desde que era criança. Acredito que meu primeiro contato com a personagem foi com o seriado da Disney estrelado por Guy Williams. De lá para cá, assisti vários filmes com a personagem, desenhos animados, li alguns quadrinhos. Acho que os únicos materiais de Zorro que eu não consegui assistir foram o anime e o filme com o Alain Delon, porque, bem, o Zorro não pode ser louro. Não faz sentido isso, ainda que o filme do Alain Delon tenha uma sequência importantíssima do livro original que nunca aparece em outras versões, mesmo as mais importantes.
Na época do filme A Máscara do Zorro, de 1998, li The Curse of Capistrano. Havia uma locadora no Centro do Rio que tinha um monte de filmes clássicos e terminei alugando o filme do Douglas Fairbanks de 1920. O ator ajudou a ajustar a personagem do Zorro sugerindo uma série de coisas para o autor. Zorro passa a ter um esconderijo, por exemplo. Ele teria passado alguns anos na Espanha, coisa que não estava no original. Se você é fã do Batman, já deve ter ligado os pontinhos. No original, Bruce Wayne tinha acabado de assistir esse filme do Zorro com os pais, quando eles são assassinados. Se conseguir, resenho o filme do Fairbanks, porque ele é muito bom.
Cartaz do filme.
O filme de 1940, que vou resenhar aqui, não foi a segunda aparição de Zorro no cinema, mas é a segunda produção com status de grande filme sobre a personagem, ele também não busca ser uma adaptação fiel do original. É uma releitura muito mais livre do que a de Fairbanks, que segue o livro de muito perto. A Marca do Zorro começa com Don Diego Vega na Espanha, participando de um treinamento militar. Ele recebe notícias de casa, da Califórnia, exigindo que ele retorne urgentemente.
Sua família não mora mais aqui.
Diego é um excelente esgrimista e famoso por seus duelos com outros alunos da academia militar e sujeitos que desejam vencê-lo em combate. De volta ao lar contra sua vontade, afinal, a Califórnia é um lugar sem nenhum atrativo para ele, o jovem fica perturbado pela forma como todos reagem quando ele fala que é filho do alcaide. Medo, aversão, nojo. Só que seu pai, Don Alejandro era um administrador exemplar e um cavalheiro. Diego vai direto para o palácio de governo e descobre que seu pai não é mais o alcaide, agora, o governo é exercido por Don Luis Quintero (J. Edward Bromberg), um sujeito corrupto e incompetente.
Do nada, a personagem de Basil Rathbone sacava a espada para intimidar ou o Alcaide, ou Diego.
Diego logo percebe, no entanto, que quem exerce o poder é o violento Capitão Esteban Pasquale (Basil Rathbone), um grande espadachim, mas que teve que se refugiar na colônia por ter assassinado um homem importante na Espanha. O Capitão é apaixonado pela esposa do alcaide, Inez Quintero (Gale Sondergaard), uma mulher fútil e absolutamente obcecada por visitar a Espanha. Ela logo se interessa por Diego que, por um breve instante, se deixou distrair por uma jovem (Linda Darnell) que brincava com um gatinho no jardim.
Diego reencontra a família.
Pensando rápido, Diego decide encarnar uma personagem, ele vira um perfeito fop, um sujeito elegante e obcecado por moda, além de se mostrar horrorizado com os hábitos rudes da colônia. Seu pai, Don Alejandro (Montagu Love), e seu antigo professor, Frei Felipe (Eugene Pallette), ficam profundamente decepcionados com o jovem. Diego, no entanto, passa a levar uma vida dupla e se torna o Zorro, um vingador que toma o dinheiro dos impostos absurdos cobrados pelo alcaide e redistribui para os pobres. Seu objetivo é fazer com que o alcaide renuncie e Don Alejandro possa voltar a governar a Califórnia. Só que além de bancar o Robin Hood, Diego deseja também o amor de Lolita, a moça que ele viu no jardim, só que ela é sobrinha do alcaide, seu pior inimigo.
Inez fica fascinada pelo cavalheiro que chegou da Espanha.
A Marca do Zorro é um filme divertido e cheio de todos os estereótipos da época em relação aos mexicanos, porque Califórnia era México, na época. Há uma cena específica, quando os camponeses estão fazendo a siesta que a câmera vem por cima e só vemos um monte de sombreros. Só faltou o Ligeirinho (Speedy González), o ratinho dos desenhos da Warner, passar correndo. Além dessa ideia de ociosidade, há, também, a inserção de palavras em espanhol no meio do discurso, como "caballero", señor, entre outros. Volta e meia, alguém exclama "Santa Maria!", por exemplo. Tudo soa falso e, ao mesmo tempo, é absolutamente de acordo com a época em que o filme foi feito.
E ele vira o Zorro.
No filme, não existe Bernardo, o criado surdo-mudo de Diego, nem o herói tem qualquer amizade com o Sargento Gonzales, que é o fiel executor das crueldades do Capitão Esteban. Basil Rathbone está engraçadíssimo como o militar super macho (*ele vive sacando a espada do nada e andando com ela desembainhada para cima e para baixo*) que se sente ofendido, porque Inez, a mulher que ele deseja, prefere Diego, um sujeito visto pelos homens da Califórnia como efeminado.
Esteban tenta intimidar Diego, que diz que não discute com um homem com uma espada na mão.
Não há nenhuma condenação dessa masculinidade agressiva, ela é a norma, Diego e o Alcaide, que é um covarde e tem função cômica, é que estão fora do lugar. Diego é visto como menos homem que todos os outros que o cercam, mas esse é somente o seu disfarce, a máscara que quase cai quando ele dança com Lolita. Por alguns instantes, Tyrone Power muda a expressão do rosto, o olhar, sai do Diego que ele criou e volta a ser o que é de verdade. Esta cena da dança foi homenageada no filme de Antonio Banderas, mas o tom é bem diferente, ainda que a ideia da cena seja a mesma. De qualquer forma, algo que soa falso em A Marca do Zorro é a forma rápida como Diego compõe a sua máscara. No livro, o jovem Diego passou dez anos fingindo, se aperfeiçoando, no filme de 1940, ele tem um insight e está pronto para enganar todo mundo, menos sua mãe.
Tyrone Power, um dos atores mais bonitos do cinema.
No livro, a mãe de Diego não aparece, não me lembro dela e fui até fazer uma busca. A única mãe do livro original é a de Lolita, Dona Catalina. No filme, Janet Beecher interpreta a mãe do herói, chamada Chiquita, embora na página do filme conste como Isabella. Enfim, a mãe de Diego sabe que ele esconde alguma coisa e se resigna a esperar que o filho lhe conte o que é. É interessante a parceria entre os dois, pois a mãe vem em defesa do filho quando o pai quer esculhambá-lo. Chiquita também é interessada por moda, o que rende uma das cenas engraçadas do filme, quando ela tenta a explicar que um determinado adereço, o "bustle", está na moda na Europa. Chiquita apoia Diego em seu romance com Lolita, porque percebe que a moça o ama e tem bom coração.
O encontro na capela. Lolita protege a identidade do Zorro.
Falando de mulheres, bem além da mãe de Diego temos Inez e Lolita. Com três personagens femininas (*na verdade, quatro, há a matrona que cuida de Lolita*) o filme já tem muito mais mulheres com falas e importância do que muito filme atual, porque todas as três mulheres são importantes para a história, ainda que eu não saiba se o filme cumpre a Bechdel Rule. A graça toda é o quadrado amoroso que se monta. O capitão Esteban tem zero interesse por Lolita, a donzela inexperiente, ele deseja a mulher lasciva e madura, talvez, por ter alguma tara por mulheres casadas (*o motivo da confusão na Espanha foi cometer adultério com a esposa de um home poderoso*), de qualquer forma, apesar do vilão ser o modelo de virilidade, Inez prefere Diego, o homem mais jovem e, na visão dos outros homens, efeminado.
Inez tenta seduzir Diego de todas as formas permitidas em um filme de 1940.
A fascinação que as personagens "fop" exerciam sobre as mulheres é bem curiosa. Pelas convenções de nossos dias, muita gente olharia para um Don Diego, ou para Sir Percy Blakeney, ou ainda para o Duque de Orleans do filme Maria Antonieta de 1938, e colocariam o rótulo de homossexual neles, afinal, eles são educadíssimos, profundos conhecedores de moda, sabem conversar com uma dama (*coisa que o Diego do livro não sabia*) sobre assuntos tidos como femininos. Sim, eles conseguem fazer tudo isso, coisas que hoje estão associadas aos papéis femininos e que seriam suficientes para colocar sob suspeita a virilidade de um homem, e aí reside seu sex appeal.
Darnell e Power fizeram par em vários filmes.
Inez sabe valorizar tudo isso, ela não se interessa pelos machões que a cercam, ela quer um cavalheiro e sua ideia de cavalheiro é um fop na embalagem do Tyrone Power. E Diego flerta com ela e a engana para conseguir informações e a proximidade com os Quintero. A relação de Inez com Lolita é quase como a da madrasta e a Branca de Neve. Ela inveja a beleza da moça, sua juventude, no entanto, tem certeza de que tem o amor de Diego, afinal, o que um homem tão sofisticado iria querer com uma menina sem nenhum conhecimento do mundo? Ah, sim, o racismo da Lolita do livro é transferido para Inez.
Diego revela sua identidade para salvar Frei Filipe.
Já Linda Darnell é a mocinha perfeita. Ela quer um homem "de verdade" e Diego, sempre enfadado, sempre preocupado com sua aparência, não lhe encanta. Ela deseja o Zorro, um homem capaz de desafiar as injustiças e, ao mesmo tempo, dizer-lhe os elogios que "toda mulher merece ouvir". A primeira conversa dos dois, na capela é um dos pontos altos do filme. Na penumbra, o Zorro aparece disfarçado de frade franciscano e acaba se deixando enredar pela moça que quer se confessar (*há uma cena no filme do Banderas que homenageia esta, também*). Ela quer um homem viril e de bom coração, Diego quer a pureza da donzela, cada um dos dois acaba conseguindo sair satisfeito, por assim dizer. Mas Lolita não é uma mosca morta, ela não hesita em ir avisar Diego quando a vida de Frei Filipe está em risco. Ela tem iniciativa, por assim dizer.
Uma longa cena de duelo valorizava a morte do vilão.
Falando em Frei Filipe, o ator Eugene Pallette, está ótimo no papel. Ele foi o Frei Tuck no filme de Robin Hood de 1938. Na batalha final, Frei Filipe vai batendo nos soldados e pedindo perdão à Deus por usar de violência, o que garante uma sequência divertidíssima. Ele chega inclusive a duelar com Basil Rathbone em uma cena. Os duelos, aliás, são um dos pontos altos do filme. Tyrone Power, que aprendeu os fundamentos da esgrima com a mãe, era excelente espadachim e Basil Rathbone era absolutamente fantástico. Ainda que a cena do duelo final dos dois não seja tão longa quanto a de Guy of Gisbourne (Basil Rathbone) e Robin Hood (Errol Flynn), ela ficou muito boa.
No final do filme, zorro revela sua identidade, como no livro.
E um dos problemas do filme de 1940 é esse, ele precisava de mais tempo. São somente 1h33 minutos. O filme de 1920 tinha quase duas horas. Tudo termina sendo muito corrido e nem era o costume da época, afinal, era uma superprodução. Dez minutos a mais, fariam diferença, quinze seriam o paraíso O filme de 1940 não é meu Zorro favorito, mas tem um dos casais mais bonitos que eu já vi no cinema. Linda Darnell era uma menina, tinha somente 16 anos quando filmou a película e Tyrone Power é simplesmente um dos homens mais bonitos do cinema de todos os tempos. Em Zorro, ele não está tão bonito quanto como Fersen, mas o figurino de Don Diego valoriza mais alguns de seus atributos físicos do que o filme Maria Antonieta. Sim, atenção para a calça super apertada, especialmente, na cena da dança.
A linda cena de dança.
É isso. O filme de 1940 é um bom Zorro, mas não é uma adaptação do livro, simplesmente toma elementos dele que se tornarão comuns na maioria das representações da personagem para as várias mídias. Queria prestar homenagem ao Zorro, não sei se o texto ficou bom. Ao saber do centenário da personagem, fiquei surpresa de não termos um filme este ano, ou uma série de TV, alguma coisa que pudesse marcar uma data tão importante, afinal, trata-se de uma personagem icônica e que é uma ancestral direta do Batman. Por qual motivo Hollywood não lhe prestou o devido tributo em 2019?
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