terça-feira, 6 de agosto de 2019

Coloque uma mulher na capa e as vendas caem. Macho gosta de ver macho na capa e ponto final!


Uma amiga que estuda comics repassou no Facebook uma entrevista com um dos editores da Panini para um site chamado Jamesons.  O título era o seguinte "Exclusivo: Levi Trindade fala sobre os fãs tóxicos, erros da Panini e novidades para 2019/2020".  É interessante a leitura, uma entrevista bem completa, mas quem conhece o Shoujo Café sabe que eu me importo minimamente com quadrinhos de super-heróis.  De qualquer forma, queria destacar uma parte da entrevista.  Os negritos são por minha conta:
"JAMESONS: Tem três revistas da Marvel que foram indicadas ao Eisner, mas o momento delas saírem no Brasil já passou, então talvez não faça muito sentido lançar elas agora no Brasil: Harpia, Mundo de Wakanda e Raio Negro. Você poderia explicar o motivo de não vermos esses materiais por aqui?
Levi Trindade: Raio Negro acho que tem chances ainda de sair aqui no Brasil aproveitando que estamos publicando em encadernado agora a minissérie A Morte dos Inumanos. É uma forma da gente conseguir linkar os dois lançamentos.
Dai você vai dizer ‘mas é incoerente isso, pois Raio Negro vem antes de A Morte dos Inumanos‘. Sim, mas o Raio Negro pode ser lido separadamente, é uma revista que se sustenta sozinha.
A Harpia por enquanto a gente não teve interesse do público suficiente para publicar. Existe a máxima de que revista com personagem feminina não vende. A gente tem muitas provas que mostram o contrário, mas mercadologicamente eu não posso negar algumas evidências.
Por exemplo, a gente usava a Jessica Drew, a Mulher-Aranha, ou a Gwen-Aranha nas capas de Aranhaverso e essas edições tinham o pior resultado de vendas no título. A gente perdia em média de 600 a 700 leitores. A gente botava uma capa do Homem-Aranha 2099 ou uma genérica do Homem-Aranha tradicional e a revista voltava a vender 600/700 edições a mais.

Então, chegou um momento em que me procuraram imediatamente e falaram ‘cara, nunca mais usa essas personagens nas capas. Nós fizemos um estudo acompanhando as vendas, ficamos preocupados com alguns números e fomos atrás das capas. Chegamos nas capas e vimos que eram todas as que tinham mulheres. Nunca mais faça isso‘.
Eu falei ‘pô, mas são personagens importantes e que se a gente não divulgar elas, nunca vão ficar conhecidas.’ e responderam ‘pois é, mas cada vez que você coloca elas a gente perde quase mil leitores’.
É um impacto financeiro forte. Aí a gente acabou cancelando a revista do Aranhaverso devido a algumas “pisadas na bola” que foi colocar mulher na capa, prejudicando o título."
Imagino o prejuízo da Panini com essa série... 
Miss Marvel deve ser um fiasco.  Imagina!  Como não colocar uma mulher na capa?  Como salvar essa publicação se não dá para colocar um macho em evidência?  Chega!  Vamos falar sério.  Primeira coisa, as tiragens dessas revistas devem ser muito pequenas para 700 números vendidos a menos representarem um prejuízo descomunal.  Colocados em lugar adequado, com a propaganda certa, talvez o "encalhe" fosse menor.  Agora, isso somente confirma que uma matéria que dizia que 87% no nosso mercado de quadrinhos era Turma da Mônica deve estar corretíssima, mais ainda, nem os 100% devem ser realmente muito significativos.

Mulher na capa não vende.
O segundo ponto é, claro, a aparente misoginia dos consumidores. Aparente, porque uma pesquisa com o público leitor deveria ser feita.  Sabe formulários, tabular respostas, essas coisas.  De qualquer forma, ao que parece, não é o público de Bara Mangá o único que quer ver somente machos nas capas de suas revistas.  enfim, meu marido olhou a entrevista e disse "Pelo menos os fãs de shounen a gente sabe que gosta de mulheres."  Gostam das mulheres de papel, eu diria, mas realmente é surpreendente essa suposta rejeição das heroínas.  

Quadrinho com mulheres em evidência não vende.
Poderia começar a levantar hipóteses, a cultura de ódio aos feminismos avançou tanto que o que seria chamariz, uma mulher jovem e bonita na capa de uma revista em quadrinhos vira uma propaganda de empoderamento.  De qualquer forma, vivemos um momento realmente temerário no qual até apontar que mais mulheres do que homens morreram no incêndio criminoso da Kyoani, porque o estúdio contratava mais mulheres que a média das concorrentes vira uma espécie de ofensa, de propaganda da agenda feminista.  Me lembrei, também, da Marilyn Frye, uma teórica feminista e do trechinho que está aí embaixo.  E concordo com ela, a cultura masculina heterossexual é bem homoafetiva, por isso, uma mulher na capa ofende tanto a ponto de derrubar as vendas.


Não vou me estender mais.  Eu não sou o público consumidor desse tipo de quadrinho, não sou mesmo.  Compro esporadicamente, seja com meninas, ou meninos, na capa.  Meu interesse é como pesquisadora da área, especialmente de questões de gênero.  Ao que parece, mesmo com evidências de que investindo você consegue alcançar outros públicos, seja o sujeito que veio do cinema para o quadrinho, sejam as mulheres, os LGBTs, as empresas tem medo.  Eu, se fosse empresária, talvez tivesse, também, ainda mais com a economia brasileira nesse estado.  Mas, por outro lado, esse causo me lembrou de um coleguinha de internet das antigas que vaticinou que Kenshin seria cancelado em três meses por não ser espelhado.  "Vai dar um nó na cabeça do leitor."  

Sailor Moon deve ter sido um tremendo prejuízo.  Ainda bem que a
 JBC gosta de fazer caridade e operar no vermelho.
Mais tarde, isso bem mais de década atrás, ele se exasperou dizendo que Sailor Moon nunca venderia, que nenhuma editora arriscaria, que se eu quisesse ver essa série no Brasil, deveria abrir minha própria editora.  Bem, bem, olha só como o mundo dá voltas.  No caso do mangá, parece que dá, sim, no dos comics... E ainda bem que temos mangá, não é?  E material norte-americano que não seja necessariamente o feijão com arroz dos quadrinhos de super-heróis.  E é bem-vindo o material europeu e de outras origens, que chega por aqui.  Diversidade de temas, diversidade de traços, de estilos narrativos e, sim, mulheres na capa não parecem ofender ninguém.

10 pessoas comentaram:

Isso é um resultado dessa guerrinha ridícula que mais parece briga de criança, entre a galera purista e a galera que só fica apontando para esses puristas e querendo que eles mudem a força, e esse tipo de post só alimenta essa guerra.
Por que eu duvido que um leitor de quadrinhos machista e que não comprou quadrinhos só por que tinha mulher na capa vai ler esse título sensacionalista e deixar de ser um machista escroto pelo contrário só vai alimentar o ódio dele

Meu objetivo não é converter ninguém, aliás, veja que você veio aqui ler o título e deixar seu comentário. Se eu quisesse somente o clique, já tinha ganho, não é mesmo? Passar bem! 😉

Bem, não negando que há uma cultura machista em torno dos consumidores de quadrinhos de heróis, mas me pergunto nesse caso específico se o que causava a queda das vendas não era necessariamente ter uma personagem feminina, mas sim leitores "casuais" desavisados que ao verem uma outra personagem na capa já achavam que se tratava de um material que não era do Homem-Aranha, até porque quem vê uma capa com o Miles ou o Homem-Aranha 2099, vai pensar que é apenas uma roupa do herói mais "cool", mas ainda se trata do mesmo personagem, porém com a Gwen-Aranha ou a Mulher-Aranha fica claro que são outros personagens.

Evidente que a solução da Panini foi extremamente simplista, tratar apenas como "HQ com personagem feminina na capa não vende", sendo que o que poderia estar acontecendo é apenas os leitores não conhecerem esses personagens e por isso não comprarem as HQs quando as capas fossem eles.

A mulher-maravilha possui revista própria há mais de dois anos. Já teve diversos encadernados e especiais. Talvez o problema seja com os leitores da Marvel e não dá DC

Acredito que com o tempo o público irá se acostumar ao protagonismo feminino como parte da cultura de HQs. Aqui no Brasil, mesmo que nem tenha sido a intenção por si só, o Maurício de Sousa não hesitou em protagonizar a mulher. Mas claro, público infantil é mais maleável e não está preso em preconceitos. Talvez o segredo seja esse. Mudar uma cultura machista leva gerações e as feministas de hoje ainda sofrem os percalços típicos dessa mudança. Essa geração e as anteriores já cristalizaram padrões machistas e dificilmente mudarão agora. Melhor investir nas futuras e entender que esse é um trabalho de formiguinha, que nem toda editora ou empreendedor vai encarar porque muito dinheiro é jogado fora no processo. Aos criativos de hoje fica o desafio: como emplacar personagens que desafiam o machismo com retorno de investimento e lucratividade? Eu não tenho a resposta. É preciso tentar.

Não me vejo , não compro.
vocês nos ensinaram essa frase

Vemos um problema pratico de "efeito cobra". A tentativa de resolver o problema da falta de representatividade agravou o problema. Mas olhando estes dados, fica claro que o verdadeiro problema é o pouco engajamento, o objetivo não deveria ser culpar ou obrigar aqueles 700 pessoas que não querem consumir estes quadrinhos, mas convencer novas 700 pessoas a consumir protagonistas femininas.

Nem se falou em colocar mulheres protagonistas, ele disse que basta colocar uma mulher na capa. A coisa não se reduz à representatividade, porque mulher em capa sempre houve.

...Mas trazer novos consumidores menos antipáticos resolveria o problema, eu acredito que também é um problema da estrutura de quadrinhos. Eu tentei ler Miss Marvel quando lançou, mas esperar um mês para ler 20 paginas é frustrante, enquanto meus mangás lançam uma centena de paginas. Já tentei ler X-men, mas por onde eu começo? não tinha ideia! Se eu quero ler One-piece com quase 100 volumes, eu sei que devo começar pelo volume 1.
Eu acho que tentar mudar a mentalidade de quem já consome estes quadrinho é improdutivo, dado o fato de que eles não vão viver pra sempre e mundo esta sempre mudando. Pensar a longo prazo.

O mercado de comics americanos de super-heróis definha no Brasil faz anos. O que sobrou é nicho mesmo, colecionadores antigos, quarentões barbados. Nesse pequeno grupo, se concentram muitos dos ditos "fãs raivosos".
Uma pena que as informações de tiragem no Brasil sejam mais secretas que documentos sigilosos do governo. Eu adoraria poder comparar esses números.

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