Ontem, concluí a leitura de Otouto no Otto (弟の夫), aqui, O Marido do Meu Irmão, de Gengoroh Tagame. A minha intenção era publicar a resenha ontem mesmo, seria uma forma de marcar o último dia do mês do Orgulho LGBTI, só que minha conexão estava péssima e, mesmo agora, nem sei quando a resenha irá ao ar. É possível que tenha que recorrer ao tablete, ou celular, porque o laptop não quer conectar. Problemas de estar de férias.
A série, originalmente em quatro volumes e em dois formatos na versão da Panini, conta a história da relação entre Yaichi, sua filha Kana e Mike Flanagan, um canadense casado com o gêmeo do protagonista, Ryouji. Sim, eu diria que Yaichi, um divorciado que ficou com a guarda da filha e vive de renda, é o protagonista do mangá, pelo menos, no primeiro volume nacional. Um belo dia, Yaichi abre a porta e recebe um emocionado abraço de Mike, assustando-se. O estrangeiro se desculpa e se apresenta como seu cunhado, marido de seu irmão gêmeo, falecido um mês atrás. Yaichi talvez não permitisse que Mike ficasse em sua casa, mas a entrada em cena de sua filha Kana, uma criança de seis, ou sete anos, e o acolhimento imediato que ela dá ao “tio” terminam por definir a questão. Mike fica como hóspede, como qualquer parente ficaria, mas isso é somente o começo de uma jornada de autoconhecimento, superação de (pre)conceitos e de cura do luto para Aichi e o cunhado.
Abraçar não é algo da cultura japonesa e Yaichi tem suas próprias travas em relação a isso, também. |
O Bara Mangá é muito mais underground que o BL, por exemplo, por um motivo muito simples, os mangás femininos homoeróticos tendem a retratar uma homossexualidade idealizada para satisfazer, principalmente, mulheres heterossexuais. Já os Bara Mangá são direcionados efetivamente para homens gays, tendem a ser crus e diretos na representação do sexo e sua arte é bem mais agressiva, ou, melhor dizendo, esteticamente agradável ao público que se destina. As antologias Bara são muito mais raras e o meio digital é mais usado para a circulação desse material.
Estranhamento. |
Em Otouto no Otto, Tagame faz um slice of life, um mangá centrado em questão aparentemente insignificantes do cotidiano, o dia-a-dia de uma família, suas refeições, as pequenas alegrias. Faz-se um contraste entre a percepção do mundo de uma criança pequena, ainda não suficientemente socializada seja em aspectos culturais do seu próprio país, vide a questão do abraçar, seja nos preconceitos sociais. Kana quer apresentar o tio Mike aos seus amiguinhos, mas sua melhor amiga é proibida de ir até sua casa porque a mãe o considera uma “má influência”. A menina inquiri o pai para saber o que isso significa, explicar é complicado. Vejo em Kana muito da minha filha, elas têm mais ou menos a mesma idade, personalidades diferentes, mas a forma como Tagame representa uma criança é muito precisa.
Yaichi faz um escândalo quando vê essa cena. |
De qualquer forma, a situação de Yaichi é peculiar, ser pai divorciado no Japão não é comum, mais raro ainda deve ser ter ficado com a guarda de filha e dedicar-se integralmente aos cuidados de uma criança. Aichi se vê como uma anomalia nesse sentido. Que homem vive assim? Ele não trabalha, vive de aluguéis. Mike, então, elogia o trabalho que ele faz, sim, trabalho. Ele é dono de casa e um pai amoroso, isso é tão importante quanto ter uma profissão. Percebam que Tagame está sendo extremamente transgressor, porque ele está sinalizando que os papéis tradicionais de gênero, os tais comportamentos ditos masculinos, ou femininos, nos castram, geram frustração e, claro, nos são impostos por uma rede de condicionamentos. Fosse Yaichi uma mulher, sua culpa seria outra, a de não ter conseguido manter seu casamento.
Não vou dar spoiler, mas é um momento importante desse volume. |
Yaichi teve problemas em aceitar a homossexualidade do irmão, ele não conseguia olhar para gays sem vê-los primordialmente como seres sexuais. “Quem era o marido e quem era a esposa?”, Kana pergunta para Mike. Yaichi de pronto quer censurar a filha, Mike é todo compreensão em explicar, ambos eram maridos, afinal, era uma relação entre homens. Yaichi se surpreende, porque ele toma consciência de como pensava errado. É claro, há outros arranjos, há homossexuais que efetivamente querem ser a “esposa”, mas, a maioria, quer somente ter um parceiro e o reconhecimento diante da sociedade e das leis de que seu amor é legítimo. Há toda uma discussão, aliás, sobre o casamento gay, ele é possível no Canadá, mas não era, à época de publicação do mangá, possível no Japão. E ainda não é, há prefeituras que o reconhecem, mas, nacionalmente, ainda não.
Otouto no Otto teve dorama no ano passado. |
Que mais dizer? Há bastante fanservice masculino em Otouto no Otto. Não adianta negar, Gengoroh Tagame não abriu mão do seu estilo nesse mangá. Há cenas de nudez, há homens malhados em roupas apertadas, há closes nas cuecas e é possível ver o delineamento do órgão sexual masculino (*avantajado*) ali. Você pode ler pelos temas, pela história, que é muito boa, porém não serei eu a tapar o sol com a peneira. Isso vem no pacote. Vale a pena ler Otouto no Otto? Vale. O trabalho de tradução e edição de texto da Panini está muito bom, a qualidade gráfica do material, idem. Só elogios para essa parte. Aguardo ansiosamente o volume dois. Deixo o link para compra no Amazon.
2 pessoas comentaram:
Você chegou a assistir o dorama?! Eu consegui achar legendado, logo depois que terminei de ler o primeiro volume do mangá e gostei de comparar. Certos aspectos que passam despercebidos em um são melhor retratados ou interpretados no outro. A relação do Yachi com a esposa, por exemplo. Só acho que Panini atrasa muito os seus mangás, os bimestrais viram quadrimestrais, os mensais trimestrais e assim por diante...
* ex-esposa (só uma correção)
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