Estou com os volumes da Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら) faz um tempão para resenhar. Trouxe os encadernados #1 e #2 para as férias com a intenção de cumprir com o meu dever. Li o primeiro volume brasileiro, já tinha lido o mangá outras vezes, mas não em minha língua, e não vou negar a minha emoção. É como redescobrir a obra, ver minúcias e detalhes que teria perdido antes. É curioso, também, que sempre que leio as falas de Maria Antonieta em português, ouço a voz da dubladora brasileira Eleonora Prado. Acho que é um caso raro na minha vida, mas é o que acontece. Para quem caiu de paraquedas aqui, ou nunca leu algum post meu em que comento minha relação com A Rosa de Versalhes, vou explicar rapidamente.
Conheci meu marido em uma lista de discussão do Yahoo sobre anime e mangá. Começamos com Shoujo Kakumei Utena (少女革命ウテナ) e ele gravou para mim os VHS da Rosa de Versalhes que tinham saído no Brasil. Mais tarde, entramos em uma “aventura” para conseguir importar o anime completo de um fansuber no Canadá. Nesse processo, nos apaixonamos e terminamos nos casando. Quando consegui por as mãos no mangá, era o exemplar em japonês em uma mão e o script em inglês na outra, percebi o quanto o anime tinha se desviado do original de Riyoko Ikeda. Continuo amando o anime, mas sei que se trata de uma releitura machista do original e entendo perfeitamente o motivo de não ter feito sucesso no Japão. Mas vou falar do mangá, esqueçamos o anime.
Fersen abre e fecha o mangá. |
Primeira página de abertura em cores. A JBC não colocou na edição brasileira. |
Chorou tão forte que parecia um menino. |
Dez capas originais. As duas primeiras tem Antonieta em destaque, mas, salvo pelo volume #9, Oscar sempre estará em destaque. |
Nesse início da série, todas as personagens são jovens e, ao longo dos volumes, Ikeda vai amadurecendo seu traço (*e, na minha opinião, ele só chegará ao seu auge em Orpheus no Mado*) e suas personagens. Fácil entender, Maria Antonieta começa nossa história como uma menina de 11 anos. A vemos crescer e se tornar uma jovem mulher. Relendo A Rosa tantos anos depois, percebo claramente os ecos de Zweig, ele abre sua biografia afirmando que Antonieta era uma mulher ordinária (*comum*) em tempos que exigiam pessoas extraordinárias. Concordo. Agora, a série corrobora uma visão da rainha que se assenta muito em preconceitos sobre a última rainha da França.
Uma criança mimada. |
Na França, a amante principal do rei, a Maîtresse-en-titre, tinha muito poder e tiveram ainda mais durante o reinado de Luís XV. Ainda que Luís XVI nunca tenha tido uma amante pública, Maria Antonieta não escolhia ministros, como o mangá dá a entender. Sua influência política era em outras esferas, podendo conceder as honrarias que estavam na sua alçada, como, por exemplo, nas indicações para sua própria "casa", seu staff pessoal, por assim dizer. É nessa esfera de atuação que ela "ajuda" Madame de Polignac, uma das personagens que mais prejuízo causará à imagem pública da rainha.
Rosalie jura se vingar da nobre que atropelou sua mãe. |
O vazio de Antonieta é fruto da falta de amor. Não seria Ikeda que iria romper com isso, ainda mais com uma personagem como Maria Antonieta em mãos. A jovem sonha com o amor, mas esse sentimento é estranho aos casamentos dinásticos. Sua união com o futuro Luís XVI é uma aliança para garantir a paz entre Áustria a França. O lema da Casa dos Habsburgos apontava para isso, aliás, "Bella gerant alii; tu, felix Austria, nube" ("que outros guerreiem (enquanto) tu, feliz Áustria, se casa"). Maria Antonieta, no entanto, não consegue compreender o seu dever e seu marido também não se esforça. Embora a coisa seja levemente abordada nesse volume, Ikeda não se cala. Os anos se passaram e o casamento entre Luís XVI e Maria Antonieta não foi consumado.
Oscar bem jovem. No quadrinho menos, Madame Du Barry. |
Quanto já escrevi? Que texto mais prolixo... Enfim, Ikeda introduz uma série de temas nos dois primeiros volumes. Há a questão do dever de classe e das responsabilidades de Estado. Luís XVI tenta ser um monarca consciente em relação aos impostos de seu povo, mas sua timidez e falta de energia o impedem de agir como deve. Ikeda se posiciona desde o início pró-revolução francesa. Ela denuncia os abusos dos nobres e coloca Oscar como alguém dividida entre suas responsabilidades de classe e o desejo de fazer o que é certo. Ao acolher Rosalie, Oscar tenta consertar erros alheios. Ao confrontar o Duque de Guemene, ela se insurge contra as injustiças. Ao recusar as honrarias e aumento de salário que a rainha lhe oferece, ela mostra o valor que dá aos impostos que pesam sobre a população.
Luís XV recebe Maria Antonieta efusivamente, mas ele não é o noivo. |
Falando em gênero, a tensão se estabelece de forma inequívoca entre Oscar e Rosalie, é o quase yuri que Ikeda não ousou fazer ainda. A jovem se apaixona por Oscar, seu modelo ideal de masculinidade, já a protagonista, lamenta não ser um homem em sentido completo. Há, também, o akogare das damas da corte, essa veneração que elas têm pela heroína, dispostas mesmo a se oferecerem a ela. Ikeda também faz questão de explicar que as amizades entre as damas – ela falava de Maria Antonieta e a Polignac – eram próximas, mas nada tinham de homossexuais.
Você será rainha da França. |
O fato de Oscar ser mulher e todos saberem disso é elemento importante na história. Mesmo que alguns tentem afrontá-la, ou desprezá-la, ela sempre responde com altivez e inteligência. Oscar sabe o valor que tem e é estimada pelo pai que a educou. Não é uma heroína frágil empurrada pelos outros.
Maria Teresa se preocupa com o destino da filha. |
Falando do figurino, bem, Ikeda não é muito fiel, mas prefiro esse flerte com a fantasia do que uma rigidez excessiva que veremos em obras posteriores da autora. Claro, que há uns figurantes, mulheres em especial, bem mal vestidas. Parece aqueles filmes de época em que os extras usam roupas reaproveitadas. Quanto à Oscar, Ikeda mesma admitiu em entrevistas que seu uniforme era napoleônico. Da mesma forma que confessou que somente pode perceber alguns erros de arquitetura cometidos quando pode visitar Paris. Ela não imaginava, por exemplo, que o teto de Versalhes fosse tão alto.
Antonieta cede e aceita falar com a amante de Luís XV. |
Agora, há aquelas coisas que não tem jeito, quando faltam correspondentes linguísticos, o sentido pode se perder. Na cena do baile, o primeiro encontro entre Rosalie e Charlotte, a filha de Madame de Polignac destrata a protegida de Oscar por ciúmes. Rosalie usa uma forma não polida para se referir a sua mãe e recebe desprezo da moça nobre. Como traduzir as minúcias do japonês? As diferentes formas do uso do "eu", ou dos honoríficos? Não pensem que em um mangá como A Rosa de Versalhes isso não é importante. De qualquer forma, as edições da Panini ainda me parecem qualitativamente melhores, seja no papel, seja na tradução/a Ainda assim, sou muito grata à JBC por realizar esse meu sonho de ter A Rosa de Versalhes em língua portuguesa. Espero que a série faça o sucesso que merece.
Dois volumes juntos, acaba sendo muito material para analisar. |
É isso. Desculpem o texto desorganizado. Ficou grande, ficou confuso, e eu estou correndo para terminá-lo. Daqui a pouco sigo para São Paulo, vou ao Festival do Japão depois de muito tempo. Espero que seja um passeio agradável, apesar do frio, e que volte com o volume #5 da Rosa nas mãos. Vou fazer umas revisões ainda, mas nada que altere estruturalmente a resenha. Para quem quiser comprar os volumes da Rosa de Versalhes, é só clicar nos links: 1 – 2 – 3 – 4 – 5.
4 pessoas comentaram:
Valéria a sua resenha ficou ótimo e nada confuso, e não sou somente eu que ama as suas resenhas longas mas muitos fãs seus.
|∧
|・`) HEY!
|o,)
|-u
 ̄ ̄ ̄ ̄ ̄ ̄ ̄ ̄
|∧ ∧
|・ω・`) Eu quero
|o❤️o
|―u’
 ̄ ̄ ̄ ̄ ̄ ̄ ̄ ̄
| ∧ ∧
|(´・ω・`) Dar isso.
|' _つ つ
|―u’❤️.,
 ̄ ̄ ̄ ̄ ̄ ̄ ̄ ̄
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| Para você..
| ❤️
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Olá Valéria, tudo bem?? Há quanto tempo! Há alguns anos por conta de trabalho/faculdade tinha deixado de acompanhar os mangás nas bancas. Imagine minha surpresa quando encontrei a Rosa de Versalhes para vender nessa semana! Passei vergonha na livraria e quase chorei, mas eu nunca imaginei que veria a rosa publicada aqui! Já comprei dos volumes um ao quatro e estou lendo um atrás do outro, é bom demais poder ler em português!! Como você disse, pra mim também foi um sonho realizado!
Lembrei imediatamente de você quando vi o volume e vim procurar sua resenha no blog, imaginei que tivesse feito! A resenha está excelente, no nível da obra!
Um abraço,
Gabi Negro
Os meus volumes de rosa de Versalhes chegaram hoje.Eu acompanho o blog desde de 2009 e conheci rosa de versalhes através da sua resenha desde da neo Tokyo. Muitos do meus mangás favorito foram indicação sua.Eu fiquei muito feliz quando chegou.Um grande abraços e adorei a resenha.E realmente um sonho ter rosa de versalhes publicado no brasil.Apesar de que eu queria que a edição fosse como aquela que eles lançaram la na frança que você mostrou aqui no blog.( acho que foi pela panini se não estou enganada) Mas mesmo assim, o importante e que lançou e muitas pessoas vão conhecer essa obra maravilhosa.
Abraços!
Adoro suas resenhas! É a única que encontro em português que fale com tanta propriedade sobre a Rosa de Versalles ♡
Eu li o mangá em espanhol e assisti o anime em japonês com legendas... comprei a coleção da JBC porque sou muito fã da obra e tinha curiosidade de ler em português... reparei numa diferença gritante que NÃO gostei 😩
Oscar em japonês geralmente é chamada com o honorífico "sama", o que pode ser usado com homem e mulher... em espanhol é chamada de "monsieur (senhor em francês) Oscar" pela Rosalie e pelas outras damas, o que faz sentido elas mostrarem atração por ela (mesmo sabendo que é mulher a tratam como homem)... na edição brasileira a chamam de "mademoiselle" (senhorita em francês), mesmo a Rosalie que é apaixonada por ela 😩😩 . Não faz sentido já que tem uma parte que mostra que o pai de Oscar não gosta que ela seja tratada como mulher.
Pensei que vc comentária essa diferença também nesta resenha.
Mesmo assim, amei! 🌹
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