domingo, 14 de julho de 2019

Comentando Marie Antoinette (1938) e por coincidência é 14 de julho



Marie Antoinette, o filme de 1938, foi a primeira super-produção a focar na vida da trágica e popular rainha da França e isso já o torna um marco importante da História do cinema.  Tenho o DVD faz um bom tempo, mas nunca tinha parado para assistir completo.  Acabei sendo impulsionada por duas coisas, A Rosa de Versalhes (*1-2*), porque esse filme certamente ofereceu uma das mais fortes representações de Maria Antonieta a qual Riyoko Ikeda teve acesso em sua época, e Tyrone Power, o Fersen mais perfeito que já se viu na ficção.  Explicando, na volta para casa, retornei para Brasília ontem, revi um pedacinho do Zorro de 1940 que tenho no tablet.  

Tyrone Power, o Fersen dos sonhos de qualquer Antonieta.
Tyrone Power faz o zorro no filme e eu lembrei que ele era o Fersen de Maria Antonieta.  Decidi assistir, acordei hoje e coloquei o DVD.  Curiosamente, porque eu não estava lembrando, hoje é aniversário da Revolução Francesa, 230 anos da revolução que mudou o curso da História para melhor, eu diria, mas com um derramamento de sangue exagerado.  Só que não vou discutir minhas opiniões sobre a Revolução Francesa nesta resenha, deixo para outra vez.

CASAR é o desejo de TODA mulher.
O filme Marie Antoinette começa em 1769 com a imperatriz Maria Teresa da Áustria (Alma Kruger) comunicando para sua filha caçula (Norma Shearer) que ela será esposa do Delfim (Robert Morley), o herdeiro do trono francês.  A então adolescente Maria Antonia fica em êxtase, seria Rainha da França.  Enviada para seu novo país, ela é recebida com frieza pelo marido, Luís Augusto, e se sente ignorada pela corte, que prefere orbitar em torno de Madame Du Barry (Gladys George), amante do velho rei Luís XV (John Barrymore).  Entediada, ela termina caindo sob a influência nefasta do Duque d'Orleans (Joseph Schildkraut), que deseja tomar o trono para si, e passa a levar uma vida desregrada, marcada por festas, jogatina e relacionamentos excessivamente íntimos com homens que não são o seu marido.

No início, Antonieta parece uma caipira em Versalhes.
Em uma das suas noites no cassino, Antonieta encontra por acaso o jovem conde Hans Axel von Fersen (Tyrone Power) e ele a esnoba e recusa seus favores, deixando uma forte impressão na futura rainha.  Mais tarde, Madame Du Barry manipula o velho Rei Luís XV para prejudicar Antonieta.  Irritado com a disputa entre as duas mulheres, o monarca ameaça enviar a nora de volta para Viena, afinal, depois de quatro anos de casamento, ela não tivera nenhum filho.  Desesperada, Antonieta vai até a embaixada da Áustria conversar com o ministro de sua mãe, o Conde de Mercy (Henry Stephenson).  Lá, ela reencontra o jovem Conde Fersen e compreende que ele é sua alma gêmea, o único amor de sua vida.  No entanto, Maria Antonieta não seria devolvida, na verdade, em poucos dias ela se tornaria rainha.  Seu destino já estava selado, mas o amor de Fersen, ela sempre teria e isso era suficiente para lhe dar forças até seus últimos momentos na prisão e na guilhotina, muito longe do luxo e das festas que ela tanto amou.

Uma recepção fria.
Marie Antoniette é um grande filme dentro daquilo que era cinema nos anos 1930.  Espetáculo tão grandioso que, mesmo muito popular, não conseguiu dar o retorno que o estúdio esperava.  É possível ver o quanto de dinheiro investido na película e do detalhismo na reconstituição do figurino e nas locações.  As roupas do filme retratam com uma fidelidade surpreendente para o cinema de então as vestimentas da época.  Há falhas, mas mesmo nesses momentos, o filme é um deleite para os olhos.  Mesmo hoje, Norma Shearer serve de parâmetro para muita gente que imagina Maria Antonieta e qualquer novo filme que Hollywwod faça sobre a rainha irá fatalmente visitar o clássico de 1938 de alguma forma.  Agora, historicamente, não é uma boa biografia de Maria Antonieta e ajudou a perpetuar vários mitos sobre ela.

Houve casamento, mas noite de núpcias
somente sete anos depois.
O filme é claramente dividido em três atos, a coisa é tão proposital que temos até as transições típicas do cinema mudo e do teatro.  Tal e qual uma cortina, temos Overture (Abertura) com acordes de "Ça Ira!" música revolucionária que fala do povo massacrando a nobreza, Itermission (Interrupção) e Entr'acte (Intervalo).  O The End é seguido por outro letreiramento, Exit Music (Música de Encerramento).  Apesar de ter assistido vários filmes dessa época, nunca tinha visto um marcação tão rígida. Enfim, cada uma das três partes podem ser vistas como filmes fechados em si mesmos.  A primeira parte e a última são muito boas.  Já a intermediária, ela é mediana.  Vou falar de cada uma separadamente.

Duque d'Orleans com a Condessa Du Barry.
O início do filme quase me fez desanimar, Maria Antonieta parece uma menina deslumbrada e é  chamada de "Toni", não de "Tonia", ou "Antonia" pela mãe.  Norma Shearer com mais de 30 anos não consegue convencer como adolescente, tampouco o filme faz questão de se preocupar com isso.  A regra, aliás, não vale só para a protagonista.  Da primeira sequência, na qual Antonieta não mostra nenhum temor em ser rainha da França, já estamos em Versalhes.  Ao invés de ser recebida no caminho por um afetuoso Luís XV, temos uma recepção formal.  Antonieta chega com um vestido alegre e um chapéu de abas largas.  Parecia uma caipira em Versalhes, como se a corte de Viena fosse qualquer coisa.  Logo na apresentação, quando o rei Luís XV chama pelo neto, quem se apresenta é o Duque d'Orleans, que também era Luís.  Antonieta se confunde achando que se trata de seu noivo e, logo em seguida, fica chocada com o marido que lhe deram, mas tenta disfarçar.

Depois desse tapa, eles se beijam.
Joseph Schildkraut, o Duque d'Orleans, é uma das melhores coisas do filme e um vilão com "V" maiúsculo.  Primeiro, como a cronologia do filme é bem absurda, ele não seria duque até 1885, já suas atividades no Palais-Royal, centro de discussão de ideias liberais e de conspirações, também, não existiam no governo de Luís XV.  O caso é que simplificaram os acontecimentos para tentar agradar ao público, suponho.  Apesar de poder parecer aos nossos olhos um homem muito efeminado, o Duque d'Orleans do filme era um sujeito extremamente cioso da moda e da elegância, um "fop",  este era o termo em inglês, alguém como Sir Percy Blakeney em The Scarlet Pimpernel, este tipo de homem parecia muito atraente e sedutor para as mulheres da época.  Já as sobrancelhas finíssimas e arqueadas são como a de muitas atrizes da época, anos 1930, a composição dialoga com o momento em que o filme foi feito.  

Uma foto mais nítida do Duque d'Orleans.
As moças do Frock Flicks falaram dele aqui, na verdade, o elegeram como o maior fop dos filmes de época.  E, sim, ele queria Antonieta como amante.  Nessa primeira parte do filme, há uma cena em que ele pergunta por qual motivo ela beijava todos os homens, menos ele, ambos terminam em um beijo ardente.  Eis uma das coisas que eu realmente não esperava ver nesse filme, Maria Antonieta de caso com o Duque d'Orleans, mas rola e ele, claro, convence.  

Um marido frio e uma noiva empolgada.
Voltando, a noite de núpcias de Antonieta com o futuro Luís XVI é é um fiasco historicamente conhecido, mas a cena da princesa arrastando-se na cadeira para ficar mais próxima do marido é engraçadíssima.  Humor involuntário, claro.  Ela tenta se aproximar, Luís mostra-se incapaz de se abrir, mas dá a entender que ele tem um problema e que não tem condições de lidar com a esposa naquele momento.  Mais tarde, ele tem uma fala que sugere que o problema (*fimose, provavelmente*) foi resolvido e que o casamento finalmente poderia ser consumado.  Foram sete anos de espera.  Robert Morley vai construindo um Luís XVI tímido e com baixa autoestima, não consegui me decidir se ele consegue ser bem sucedido, ou se a coisa é lenta demais, mas ele foi indicado ao Oscar por seu papel nesse filme.  

Luís XV esculacha com o Duque d'Orleans. 
Uma das melhores cenas do filme.
De qualquer forma, o rei tem alguns bons momentos no filme.  O primeiro é o do confronto com o avô, um magnífico John Barrymore (*cada cena dele é uma preciosidade*), e sua amante, Madame Du Barry, (Gladys George), para defender Maria Antonieta e sua permanência na França.  Exageraram, talvez, na hora em que ele agride o velho monarca, mas, enfim, cena ótima.  A outra sequência é quando ele confessa que sabe que Antonieta ama Fersen, mas comenta que sente-se amado pela esposa, porque as pessoas podem amar de formas diferentes.  Eis uma verdade que eu, adolescente, ou jovem, não conseguiria digerir e que pouco aparece em filmes românticos.  É uma cena bonita e sensível que depende mais dele, Robert Morley, do que de Norma Shearer.  A outra é a véspera de execução do rei, do jantar em família.  Mas falo da terceira parte do filme em breve.

O Conde de Artois é o do canto direito.
Uma coisa interessante de Marie Antoinette é que conseguem encaixar bem os dois irmãos do rei, os condes de Provence (Albert Dekker) e Artois (Reginald Gardiner), no roteiro.  Normalmente, eles são deixados de lado.  Só que o Conde de Provence parece mais elegante do que deveria ser graças ao ator que escalaram.  O único considerado bonito e desenvolto dos três irmãos era Artois, que parecia fisicamente com o avô, segundo as fontes da época.  No filme, o Artois é mostrado nas folias com Maria Antonieta, o que é correto.  Os panfletos difamatórios da época o colocavam no rol dos amantes da rainha e, neste filme, ele chega mesmo a beijá-la.  O problema é colocar Provence e Artois, ambos torcendo para conseguirem o trono, fugindo ao mesmo tempo da Revolução.  Artois, muito odiado, foi dos que fugiu de imediato, como a Condessa de Polignac, que nem está no filme, mas Provence ficou mais tempo na França antes de ir embora.

Antonieta recebe uma roca de fiar de presente do marido. 
O Duque d'Orleans debocha do presente.
Enfim, algo que o filme coloca de forma muito errada é que Maria Antonieta foi ostracizada em Versalhes e viveu como reclusa nos seus dois primeiros anos de casamento.  Nesse início de filme, ela aparece vestindo uma "chemise gown" (*queria o termo em português*), um vestido mais simples, sem as paniers amplas (*aquelas armações que deixavam as saias enormes*), que ela só iria inventar já nos anos 1780.  Curiosamente, ela não volta a vestir esse tipo de roupa na época em que deveria.  Essa Maria Antonieta reclusa é provocada por Madame Du Barry, que a humilha e ao delfim, por não terem filhos.  É em uma dessas pregações de peça da Du Barry que é introduzido o Príncipe de Rohan (Barnett Parker), que não é cardeal no filme, e acaba atraindo o desprezo de Antonieta, ou seja, seu desgosto com o sujeito nada tem a ver com a depravação do sacerdote e seus problemas quando foi embaixador em Viena.

Um casamento por dever.
Por fim, sob a influência do Duque d'Orleans, Antonieta acaba se entregando aos prazeres e gastos, esquecendo o marido, que vinha se esforçando por ser mais amável.  É uma fase Petit Trianon, sem o Petit Trianon que, no filme, nem vai existir.  Olha, se ela se comportasse assim tão no início do casamento, acredito que fosse devolvida mesmo, ou a Imperatriz Maria Teresa teria mandado o filho mais velho, José, repreendê-la em pessoa muito antes.  E é engraçado que o delfim fica meio que de stalker.  Ele sabe de tudo e nada fala, fica observando o entra e sai, os bailes e comendo maçã.  Sim, o rei é gordinho, mas só aparece comendo maçãs, com a fruta escondida nos bolsos, não há nenhuma ligação entre comida e obesidade nesse filme.

Maria Antonieta encontra Fersen pela primeira vez.
Vejam a sobriedade do sueco em confronto com a frivolidade
dos homens que acompanham Antonieta.
E eles mudam totalmente a forma como Fersen conhece Antonieta.  Não é em um baile de máscaras, mas em uma situação insólita em que a princesa precisa de um russo genuíno para ganhar uma aposta.  Ela vai até a rua (*isso é tão surreal*) e convida Fersen para entrar no cassino onde está.  Ele vai, claro, mas é austero e repreende Antonieta com o olhar e com as palavras.  Sua atitude destoa totalmente da dos frívolos nobres que fazem parte da entourage da futura rainha.  Nunca vi uma cena em filme na qual um sujeito repreendesse uma mulher (*com razão, que fique claro*) de forma tão dura e galante.  O mais perto disso é o "badly done" de Mr. Knightley com Emma, mas os diálogos são muito melhores nesse filme.  E, bem, é Fersen, esse homem honrado e viril, quem consegue corrigir Antonieta e ainda lhe oferece o seu amor.

Depois desse beijo roubado, Fersen a repreende de forma muito dura.
O arranjo geral da coisa é bem machista, é preciso um homem de verdade, que não é fraco (*como o marido de Antonieta*), que não é  fútil, que não ama o luxo, para chamar a rainha à razão.  Não é sua mãe, ela pouco importa, tampouco Mercy, o embaixador, é um completo estranho e hierarquicamente inferior, mas cheio daquele magnetismo e superioridade que somente o sexo biológico certo pode lhe dar.  E temos outro diálogo insólito e lindo, porque tanto Power, quanto Shearer são muito bonitos.  Aliás, preciso marcar uma coisa, Shearer é mais de dez anos mais velha que Tyrone Power, o galã em ascensão da época.  Quando que teríamos um arranjo desses hoje em dia?  Seria muito difícil.  Esse filme é um daqueles exemplares perfeitos do tempo em que o cinema tinha atrizes importantes que eram capazes de ser o centro de um filme.  Essa fase do cinema durou bem duas décadas e nunca mais tivemos nada semelhante em Hollywood.

"Você gostaria de fazer amor comigo, não gostaria?"
Enfim, Maria Antonieta está na embaixada austríaca e termina encontrando Fersen, ele entra no cômodo em que ela está chorando. Ela tenta mandá-lo embora, ele faz que vai, mas fecha a porta, volta e ela lhe diz "Você quer fazer amor comigo, [como todos os outros] não é?"  E ele responde prontamente, "Sim, quero fazer amor com você.".  E, bem, eles terminam se entendendo, percebendo que são almas gêmeas e transam mesmo, ainda que não vejamos nada.  Tomando pela lógica do filme e o comportamento casto de Fersen quando ela se torna rainha, deve ter sido a úncia vez da vida em que a Maria Antonieta do filme fez amor.  E deve ter valido a pena, dado os desdobramentos para a vida dela.

Antonieta e a Princesa de Lamballe, a rainha
 acabou de voltar do encontro com Fersen.
O fato é que essa primeira parte termina com uma sucessão alucinada de acontecimentos em uma única noite:  Maria Antonieta se confronta com a Du Barry em um baile com vitória da austríaca.  Luís XV chama Antonieta e diz que vai devolvê-la.  Antonieta pede apoio ao duque d'Orleans e ele nega, revelando seu plano terrível (*ha*ha*ha*) que era melar o casamento dela.  Ela vai até a embaixada da Áustria e encontra Fersen.  Luís, o marido, tem um entrevero com o avô e quase dá umas tapas no velho "Logo o senhor estará morto e eu serei rei!".  Não consigo imaginar Luís XVI dizendo algo assim, mas vai... Maria Antonieta volta de manhã cedo para o palácio toda feliz com Fersen e descobre que o rei está morrendo de varíola.  Ela não se faz de rogada e já corre para colocar o pretinho básico (*o filme é preto e branco, então, não tenho certeza*) sem o velho ter morrido e não consegue ouvir o que o marido está querendo lhe dizer, que ela vai ficar, que ele afrontou o avô e que, finalmente, se sente capaz de fazer sexo com ela.  Sério, tudo desse jeito.  Uma noite que deve ter durado 72 horas, sei lá.

Almas gêmeas.
Morto o rei Luís XV, Fersen vem dizer que vai para a América lutar na Revolução que nem estava acontecendo.  A temporalidade é totalmente zoada.  Se vocês estão lendo A Rosa de Versalhes, sabem que Fersen realmente parte, mas é para a Suécia para proteger a reputação da rainha, mas, para a América, só vai muito depois e com as tropas francesas.  De qualquer forma, antes de partir, ele reforça o pedido para que Antonieta seja a melhor rainha possível, a mais piedosa, caridosa, casta, gentil que alguém poderia ser.  Ele leva com ele o anel que ela lhe deu com a inscrição "Todos os caminhos me levam para você" e promete sempre amá-la e retornar.  Ele volta, mas somente no final do filme.

Maria Antonieta não comprou o colar.
O miolo da película, a parte mais fraca do filme como filme, não tem quase nada do Duque d'Orleans, nem de Madame Du Barry, nem de Fersen.  Maria Antonieta parece uma rainha modelo, boa mãe, econômica, piedosa.  O roteiro a coloca ajudando seu marido, o limitado Luís XVI até a escrever discursos.  Pensem comigo, se Antonieta fosse essa rainha maravilhosa durante o reinado do marido, boa parte do combustível para os panfletos que empurraram a Revolução Francesa não existiriam.  Poderíamos até ter a revolução, porque havia opressão, resquícios de feudalismo, o discurso iluminista e pelo menso três anos de péssimas colheitas e inverno rigoroso, mas, provavelmente, seria outra revolução.  O filme constrói uma Antonieta detestável na primeira fase, que se converte em mulher virtuosa graças à Fersen (*e um adultério*) e que é uma rainha responsável exatamente quando a revolução explode.

Mãe dedicadíssima.
Um ponto que deveria ser bem trabalhado no filme, mas não é, é o caso do colar, quando Antonieta é envolvida em uma intriga absurda de uma picareta (Jeanne de La Motte), que consegue enganar um cardeal mulherengo de que a rainha o ama e quer que ele compre em seu nome uma joia caríssima, é tratada de forma muito rápida.  E Jeanne (Mae Busch) nem é uma estranha, mas uma das damas da rainha, quem comanda a operação é Nicolas (Henry Daniell), que deveria ser seu marido, mas ninguém é devidamente identificado, salvo Rohan, que só queria ser perdoado pela rainha e não desejava se tornar seu amante.  O julgamento até é interessante, assim como a população inflamada nas ruas, mas o que salva é a cena do Duque d'Orleans na sacada do Palais-Royal, tirando a maquiagem pesada que usava.  Agora, ele podia se mostrar como era (*e vai*), sem máscaras.  Não iria mais fingir que não estava conspirando contra o rei, seu primo.

Uma rainha exemplar.  Por que seria tão odiada?
Ainda falando dos problemas dessa parte, mesmo detalhes como o "accouchement" da rainha, o parto que deveria ser assistido por várias testemunhas, estão errados.  Só explicando, o primeiro parto de Maria Antonieta seguiu o ritual de Versalhes e mais de 200 pessoas assistiram ao "evento".  Maria Antonieta quase morreu, o calor era insuportável dentro da sala, e o rei Luís XVI restringiu ao mínimo o número de testemunhas presentes nos próximos partos.  Há versões que dizem que o rei, preocupado e um tanto transtornado, teria corrido para abrir as janelas, porque elas ficavam trancadas.  No filme, além de omitirem o primeiro filho homem de Antonieta, Luís José, colocam o ritual no nascimento de Luís Carlos.  Para piorar, o Conde Mercy aparece explicando para o horrorizado Benjamin Franklin (Walter Walker) que aquele costume era típico da monarquia, "um rei nasce em público, vive em público e morre em público".  Bem, esqueceram de checar que a Imperatriz Maria Teresa, que teve dezesseis filhos, tinha proibido esse costume absurdo na Áustria.

Roupas belíssimas, mas essas paniers deveriam
ter sumido do meio para o final do filme.
Esta parte central do filme é deficiente, mas como a gente já tinha sido fisgada pela primeira parte, acaba assistindo para ver como termina e, pelo menos para mim, fica aquela sensação de que falta Oscar.  Desde que conheci A Rosa de Versalhes, não consigo não sentir falta dela em qualquer coisa que mostre os anos que antecederam a Revolução e, bem, ela começa no fim dessa parte central.  Os Estados Gerais são tratados com mais displicência que o caso do colar.  Não temos o juramento do jogo de pelá, mas o filme faz questão de identificar os revolucionários mais conhecidos de forma que ao bater o olho a gente sabe quem é Mirabeau, Dalton (Wade Crosby), Marat (Anthony Warde), Robespierre (George Meeker), LaRue (Corbet Morris) etc.  Senti falta de Saint-Just.  Tudo bem didático.  

O reencontro mais de dez anos depois.  Um tempo exagerado,
mas a cronologia do filme é bem zoada mesmo.
A invasão do palácio de Versalhes pelo povo, a chamada Marcha das Mulheres, é bem impressionante e com grande participação de figurantes, ainda que não tão de acordo com as fontes.  Maria Antonieta não vai até o balcão e se curva ao povo, a sala onde está a família real é invadida depois que os soldados e nobres fiéis são massacrados.  O rei é humilhado e Maria Antonieta é esbofeteada por um homem  do povo.  Essa terceira parte do filme é uma espécie de martírio da rainha com uma grande dose de drama e uma excelente maquiagem atuando no envelhecimento, nas marcas de estresse, enfim.  Aqui, Norma Shearer e Robert Morley mostram todo o seu talento.  As crianças, Maria Teresa (Marilyn Knowlden) e Luís Carlos (Scotty Beckett), estão muito bem.  E deve se destacar a atuação de  Anita Louise como Princesa de Lamballe.

Anita Louise me pareceu mais bonita que Norma Shearer.
Como pontuei em algum lugar, a Polignac não está no filme e o papel de grande amiga de Antonieta é da Princesa de Lamballe (Anita Louise), que muitas vezes é anulada nos filmes.  Isso aconteceu mesmo na Rosa de Versalhes (*Oscar pegou um pouco dela, eu acredito*).  Como também não existe Madame Elisabeth, a irmã caçula do rei, a Princesa de Lamballe é mantida na prisão com a família real.  como pessoa muito próxima da rainha, ela era odiada.  No escândalo do colar, e isso não está no filme, ela foi acusada de ser amante de Antonieta (*lembram que Jeanne acusou Oscar de ter um caso com a Rainha?*).  Lamballe fugiu da França, mas retornou por amor à rainha e à família real.  Ela acabou assassinada de forma brutal e sua cabeça exibida para Antonieta na janela da prisão do Templo.  Não é tão diferente da sua morte no filme, enfim.

Antonieta tem seu filho tomado.
Nessa terceira parte temos a volta de Fersen e a angústia dele por não conseguir salvar a amada.  A compreensão de que o rei sabe que ele é o grande amor de sua esposa, o deixa constrangido.  No filme, é Fersen quem organiza a chamada Fuga para Varennes, que é uma das melhores sequências do filme.  E não estou falando somente do elenco principal, mas da execução da sequência e das participações exclusivamente nessa parte.  Capturados, o filme foca no julgamento do rei e vemos o desfile dos revolucionários e seus votos por morte, ou prisão.  O destaque, claro, fica para o voto do Duque d'Orleans apelidado de "Philippe Égalité" (Filipe Igualdade).  Ele é de uma canalhice digna do grande vilão que o filme criou, mas o real não agiu de forma tão diferente. Ele queria ser rei, ele acreditava que conseguiria, ele conspirou e, bem, apostou tudo e tudo perdeu.  Em um dado momento, Antonieta fica sabendo da morte do Duque, executado na guilhotina, assim como outros revolucionários famosos como Danton.  Era o auge do terror.

Os últimos momentos do rei.
E seguimos para o final.  O rei é executado.  O filho de Antonieta lhe é tirado em uma sequência de cortar o coração. Não vemos o julgamento da rainha, mas Fersen, emocionalmente destroçado, ouve o relato do Conde Mercy.  E realmente tenho cá minhas dúvidas se Mercy ainda estaria na França nessa altura dos acontecimentos.  Fersen, que está circulando com documentos falsos, quer salvar Antonieta, mas é em vão.  O máximo que ele consegue (*via suborno*) é visitá-la na véspera da execução na Concierge, a última prisão onde ela esteve.  Na verdade, o último nobre fiel a conseguir ver a rainha foi o pai de Oscar, o General de Jarjayes.  Sim, François Augustin Regnier de Jarjayes, pai de Oscar, é uma personagem histórica, a heroína não é.

Maria Antonieta tenta proteger os filhos.
Esse encontro cheio de juras de amor eterno é invenção do filme, claro, mas está absolutamente adequado ao romantismo que a película apresentou até então.  E, bem, é emocionante.  Norma Shearer está sem maquiagem alguma, muito abatida.  E seguimos para a guilhotina.  Uma mulher chora ao ver a rainha passar na carroça e é quase espancada por populares.  No final, a imagem da adolescente feliz é sobreposta a da rainha sofrida.  Quando aquela menina que tão levianamente comemorou tornar-se rainha da França poderia imaginar um final trágico como esse?  Fersen está em um lugar alto assistindo impotente a execução, a última cena do filme, assim como na Rosa de Versalhes, é dele.  A câmera fecha no anel que Antonieta lhe deu e na inscrição "Todos os caminhos me levam para você".  Se não estivesse sendo interrompida a todo momento, talvez, eu chorasse.

O último encontro.
É isso, trata-se de um grande espetáculo, mas historicamente muito furado.  É um show de interpretação de Norma Sharer, mas o filme perpetua alguns mitos a respeito da rainha, especialmente, na primeira parte que é carregada de seus atos levianos, mesmo que acabe oferecendo uma visão que é muito mais positiva sobre ela.  Se tomássemos pela primeira parte, a raiva do povo seria justificada, só que, a partir da segunda parte, com uma da rainha virtuosa, o ódio extremo não se sustentaria de forma alguma. mas há de pensar no poder da propaganda e de como ela pode destruir a reputação das pessoas.  

Cabelos brancos, rosto marcado pelo sofrimento.
O caso de Antonieta, mulher e estrangeira, é um dos exemplos mais notórios de difamação que cria tamanho eco historiográfico que as pessoas repetem "se não tem pão que comam brioches", sem pensar.  A frase, aliás, não está no filme, o que é um mérito.  De qualquer forma, fecha-se o ciclo com o martírio, os sofrimentos que servem de purificação final para Maria Antonieta e ajudam a criar o mito tanto quanto seus supostos exageros.  E, sim, é um filme que cumpre a Bechdel Rule, ainda que elimine principalmente personagens femininas: Madame Elisabeth, as tias do rei, Madame Campan etc.  
Norma Shearer foi a maria Antonieta modelo
 do cinema por muito tempo.
De resto, é bom que Riyoko Ikeda não tenha baseado sua Antonieta na de Norma Shearer.  A Maria Antonieta da Rosa de Versalhes é bem mais profunda e próxima das fontes históricas.  Shearer foi indicada ao Oscar por sua interpretação, mas Luise Rainer interpretando  uma chinesa, O-Lan, em Terra dos Deuses (The Good Earth).  Sei lá, não vi o filme, mas premiar yellow face é coisa que  me parece tão absurda, enfim... Agora, o Fersen que o filme oferece é o cavalheiro perfeito como eu acho que nunca vi.  Perfeito no caráter e com os traços maravilhosos do Tyrone Power, um espetáculo mesmo.  Aliás, procurando fotos dele, caí em um site que falava da bissexualidade do ator e que, diferente do ocorrido com outros astros, Hollywood foi muito tolerante com ele.  Todos sabiam, ninguém comentava, afinal, ele era desejado por homens e mulheres.  E morreu cedo, ele teve um ataque cardíaco com 44 anos.

Lindos, não é?
É isso. Assisti ao filme no impulso e calhou de ser 14 de julho.  Tenho o DVD do filme da Sofia Coppola de 2006.  Se tiver outro impulso, assisto e resenho.  Há pelo menos mais dois filmes sobre Maria Antonieta no meu HD, L'Autrichienne (1990) e La Révolution Française (1989) com Jane Seymour como Antonieta.  Eu realmente acho que a atriz não tem nada de Maria Antonieta, mas só vendo mesmo.  Tem resenha do filme Les Adieux à la Reine (2012) e do docudrama Marie-Antoinette, la véritable histoire (2006) no blog, também.  É só clicar.


1 pessoas comentaram:

Maravilhosa resenha Valéria.
Estou acompanhando o lançamento do manga e o volume 4 foi muito triste.
Procurando por filmes da Maria Antonietta achei estranho que não há tantas produções sobre ela quanto eu imaginava. Cheguei a encontrar esse de 1938, pretendo assistir.
Só assisti aquele da Sophia Coppola e a imagem que fazem da Antonietta é bem esteriotipada na minha opinião.
Só fui ter outra imagem da Rainha depois de assistir ao anime da Rosa de Versalhes. Obrigada pelas outras indicações de filme, vou dar uma procurada.

Related Posts with Thumbnails