Sábado e domingo maratonei os episódios da série Se Eu Fechar os Olhos Agora da rede Globo e, depois de tanto esforço, precisava resenhar o material. Enfim, tinha visto o burburinho no Twitter e peguei o primeiro capítulo para assistir. O início da série me impressionou positivamente, mas o que me pegou mesmo foi a curiosidade de saber se alguém iria sobrar vivo, porque as mortes se sucediam de forma tão alucinada que eu esperava realmente que só sobrasse o narrador. Pois bem, ao terminar a minissérie, tenho mais críticas do que elogios a fazer, não concordo integralmente com o jornalista Maurício Stycer, mas minha impressão geral não é tão distante da dele. Mas vamos lá!
1961, interior do Rio de Janeiro, Paulo e Eduardo (João Gabriel D'Aleluia e Xande Valois) fogem do colégio para passar algumas horas nadando no rio e terminam encontrando a jovem Anita (Thainá Duarte), morta e mutilada. Acusados do crime, os garotos percebem que há um mistério em torno desse assassinato envolvendo figuras importantes da cidade, como o prefeito Adriano Marques Torres (Murilo Benício), a primeira-dama Isabel (Débora Falabella), o empresário Geraldo Bastos (Gabriel Braga Nunes) e sua esposa Adalgisa (Mariana Ximenes), além do marido da vítima, o dentista Francisco (Renato Borghi). Todos mantinham relações obscuras com Anita.
Anita foi brutalmente assassinada. |
Gosto de histórias de adolescentes e crianças detetives. Gostava quando era pequena e continuo gostando. Um dos pontos altos da série, aliás, é a atuação convincente dos meninos João Gabriel D'Aleluia e Xande Valois. Como bônus, trata-se de uma Bildungsroman, pois a série mostra o amadurecimento dos dois meninos e como eles são arrancados da segurança da infância e atirados no mundo sórdido dos adultos. Todos sabemos desde o início que Paulo, o menino negro, sobreviveu. Ele é o narrador. Agora, e esta foi minha maior decepção, uma série como Se Eu Fechar os Olhos Agora pede grandes tragédias, ainda mais, quando a gente tem vilões tão poderosos e implacáveis, isto é, eles fazem o que querem, seja com Anita, a jovem escrava sexual, seja com qualquer um que cruze seu caminho. No início, somos levados a crer que há um vilão só, a personagem de Murilo Benício, o prefeito que diz saber de tudo que acontece ao seu redor.
A vida desses dois meninos vai mudar radicalmente. |
Homem da igreja, bispo, ele poderia pairar acima das picuinhas interioranas e certamente teria contatos para além da política fluminense da época. Além disso, ele era adversário do prefeito e amigo de Francisco, o dentista, que ele tenta livrar da cadeia. Só que, no fim das contas, e vou dar um spoiler, ele acaba entregando a cabeça do dentista para o inimigo, nesse caso, o segundo vilão, a personagem de Gabriel Braga Nunes. A minissérie, na verdade, usou muito mais Dom Tadeu, seu secretário e amante Danilo (Vitor Thiré), e outras personagens, para retratar um insólito e bandeiroso núcleo LGBT da cidadezinha da trama.
O dentista e Geraldo, o cosplay de Jânio Quadros. |
Já que falei das mulheres, bem, Se Eu Fechar os Olhos Agora se dispõe a discutir uma série de coisas, uma delas, obviamente, o papel das mulheres no Brasil daquela época. Independentemente do talento das atrizes envolvidas, com destaque para Débora Falabella e Mariana Ximenes, que deu um show, e foi mais protagonista que muita gente por merecimento, os textos eram extremamente artificiais. Um dos problemas de séries, novelas, filmes e minisséries de época nacionais é que os autores parecem acreditar que as pessoas não falavam, discursavam cheias de pompa e circunstância sobre o que deveria ser lugar comum em sua vida.
Adalgisa, por exemplo, discursa para todo mundo sobre as misérias do casamento enquanto instituição. Já Débora Falabella, a esposa modelo, parecia estar reproduzindo os conselhos das revistas femininas da época, como o Jornal das Moças. Enquanto isso, sua filha em cena, Marcela Fetter, solta jargões feministas insipientes sobre liberdade feminina e não parece em nada com uma moça submetida à educação rígida que a própria minissérie sugere que recebeu. Ela engana o namorado quase noivo, o bom moço Edson (Gabriel Falcão), enquanto namora o garanhão Renato (Enzo Romani). O grande drama da moça é transar, ou não transar, com o sujeito, embora a minissérie queira fazer crer que ela tem horizontes maiores. Poderia até ter, mas nada é realmente desenvolvido para além do drama romântico-sexual da jovem.
A família tradicional. |
Vejam, quando você acredita e vive sob um determinado código, você não precisa ficar repetindo as regras de conduta para si mesmo para reforçá-lo como a esposa do prefeito faz. A minissérie era cheia daqueles discursos ensaiados e vazios, que soam artificiais e tornam algumas produções históricas tão ruins. Existem várias formas de discutir questões de gênero e a opressão das mulheres, Se Eu Fechar Meus Olhos Agora, optou pela mais didática possível e, bem, a vida real não é uma sala de aula organizada. Mais ainda, um homem conservador como o prefeito, parecia muito complacente com as mulheres de sua casa, apesar de forçarem no texto aquela frase clichê de que suas mulheres eram "belas, recatadas e do lar". Bobagem, enfim.
A exuberante Adalgisa. |
Da mesma maneira que Se Eu Fechar os Olhos Agora tenta discutir questões de gênero (*os papéis esperados de homens e mulheres em uma dada sociedade*), tenta, também, discutir questões raciais e de orientação sexual. A cultura do estupro é um dos temas da série, expressa na violência sofrida pelas meninas e mulheres negras, uma violência que passa de mãe para filha, como uma sina. As brancas, as moças de família, deveriam ter sua virtude protegida, já as outras, as pobres e negras, em especial, estavam disponíveis. Não vou entrar em detalhes, porque alguém pode querer assistir a minissérie. Esta questão foi bem trabalhada, o problema, de novo são os discursos.
O racismo é uma constante na vida de Renato. |
Daria para ser desse jeito? Muito difícil e a meu ver o maior obstáculo era a idade da religiosa, meros vinte pouquinhos anos, afinal, ela tinha mais ou menos a mesma idade de Anita. Outra incoerência neste caso é colocá-la como diretora do orfanato. Na época, ela não seria admitida como noviça antes dos 18 anos e os anos de formação seriam longos, ou seja, até ser consagrada, ela teria mais de vinte anos e ainda teria que galgar vários degraus dentro da ordem, ou congregação, até chegar a ocupar um cargo elevado ainda mais em uma sociedade racista.
A freira vivida por Lidi Lisboa era muito jovem para ocupar uma função tão importante. |
Até os anos 1980, havia espaços no Brasil nos quais mulheres não podiam entrar de calças compridas, imagine no interior do Rio, em uma sociedade super conservadora, no ano de 1961. "Ela é sobrinha do bispo", parece ser a carta branca para fazer qualquer coisa, não deveria ser. Pior ainda, fica parecendo que a vida dos LGBTs ricos era bem confortável, mesmo que o bispo tenha sofrido chantagem exatamente por isso. Muito incoerente mesmo. Só lembrava do drama que a personagem de Colin Firth no filme A Single Man, que se passava em 1962. Ser gay não é fácil hoje e não era em 1961, a despeito do que a minissérie tenha mostrado. E, não, o fato de termos um confronto por causa da questão entre duas personagens importantes não contrabalança essa versão cor de rosa da vida do bispo e seus amigos e amigas.
O bispo parecia ser sagaz, mas, na verdade, seu papel é de abelha rainha da comunidade gay local. |
Não se trata de passar mão na cabeça de Vargas, mas a narrativa de Ubiratan parecia ser a de presos políticos do regime militar (1964-85). De repente, o autor original imaginou que as pessoas estavam cansadas desse período, daí, usou o Estado Novo (1937-45). O fato é que a minissérie ignora duas coisas, a primeira, que os comunistas se aliaram à Vargas, seu algoz, em 1945, isso gerou a primeira fratura no Partido Comunista Brasileiro. Fala-se de Stálin e seus massacres e não se fala disso. A segunda, é que Vargas voltou ao poder eleito e em 1961 era visto como um mártir. É como se o segundo governo Vargas não existisse para os roteiristas da série. Só os maus o elogiam e mesmo personagens como a freira diretora do convento usam o termo ditadura e ditador para o presidente. Duvido que assim seria naquela época, quando Getúlio era lembrado como "Pai dos Pobres". Para quem duvida, sugiro a biografia magistral escrita pelo Lira Neto em três volumes. Pareceu forçação de barra e uma tentativa de desqualificar Getúlio Vargas, de apequená-lo mesmo, reduzi-lo simplesmente ao ditador, quando ele foi muito mais que isso. Em ano de reforma da previdência e com campanha contra os direitos trabalhistas, nada disso me parece inocente.
Os meninos e Ruth de Souza, atuando com 97 anos. |
De resto, a única personagem (*fora Anita*) que me encheu de pena foi o pobre do Edson, o noivo enganado da filha do prefeito, enteado de Adalgisa. Ele parecia ser um cara legal, que queria fazer diferente do que seus pais fizeram, porém, ele viu e passou por tanta coisa que dificilmente não se tornaria um vilão maior que o pai. É inescapável, sabe? De resto, a maravilhosa Ruth de Souza estava na minissérie, ver a veterana atuando com quase 100 anos sempre é bom. Se Eu Fechar os Olhos Agora foi exibido na TV por assinatura antes de passar na Globo. A emissora optou por deslocar a série para abril, mudando o padrão de anos, que era passar esse tipo de material depois dos episódios do BBB.
3 pessoas comentaram:
Muito bom o espaço às produções tupiniquins do blog. Pretende fazer uma resenha da novela das 6 atual, que originalmente seria das 11, "Órfãos da Terra"? Ela vem sendo muito elogiada pela crítica.
Normalmente, eu comento as novelas que estou assistindo. P problema é que não estou acompanhando nenhuma agora.
Na minha opinião só valeu a pena ver as cenas com Mariana Ximenes, de resto foi chato e sem muito ânimo mesmo. Mariana XIMENES como sempre roubou a cena.
Postar um comentário