sábado, 23 de março de 2019

Jornal do Shoujo Café: Ressaca do 8 de Março e outras notícias acumuladas por aqui




Não sei quanto tempo faz desde que publiquei o último Shoujo Café, é como o ranking da Oricon, sei que está atrasado e não sei o quanto.  Quando for colocar em dia, já viu.  Até comentei semana passada, quando houve o atentado à escola em Suzano, que estava preparando um post chamado "Ressaca do 8 de Março" e ele ficou parado por aqui.  Pois bem, estou juntando as notícias antigas que eu queria comentar e outras mais que foram aparecendo.  Ainda ficou alguma coisa para a próxima edição, mas é aniversário do Shoujo Café e eu preciso me preocupar com outros posts.  E, só lembrando, o Shoujo Café é um site feminista e o olhar sobre as notícias não se propõe a ser neutro, mas é feito a partir desse ponto de vista.



1. "Mulher decente não dá problema".  O vereador Cláudio Antônio Gottschalk (PDT), Nova Petrópolis(RS), se opôs ao projeto da também vereadora Kátia Zummach (PSDB), prevendo que sejam colocados cartazes informativos do disque-denúncia 180 em locais públicos do município. Daí, o sujeito soltou o seguinte, “Agora, uma mulher que se presta, uma mulher decente não dá tanto problema. Isso é uma coisa que vou te dizer, uma mulher que se presta eu acho que não dá tanto problema. O problema é (sic) as chinelonas (...) Olha aqui no município de Nova Petrópolis quantos problemas têm? Eu acho até que fica feio colocar faixa sobre telefone pra denunciar. Acho que é muito pouquinho, essas coisas aí”.  Chinelagem é um termo gauchesco que significaria "ato ou objeto de gosto duvidoso, popular ou sem noção".  Até pensei que o termo viria de "china", mulher indígena, e, também, sinônimo de prostituta (*Vejam só!*), mas, ao que parece, vem de chinelo mesmo.  Chinelo é coisa de pobre, de gente vulgar.  Ficou muito melhor, não.


Pensem o seguinte, plena semana do Dia Internacional das Mulheres, o sujeito me sai com uma dessas, tem vídeo até.  Mulher decente, seja lá o que seja, e a vereadora do PSDB o questionou sobre o que seria ser decente, não dá problema.  Quem arruma confusão e, portanto, deve merecer sofrer violência, são as mulheres "chinelonas", isto é, vulgares ou até materialmente pobres.  E, bem, para que se preocupar com elas?  É até propaganda ruim para o município, ofensa aos seus "homens de bem", criar um disque-denúncia, pois ficaria parecendo que o problema da violência contra as mulheres é um problema de fato.  Que absurdo, não é mesmo?  E vejam bem, a fala não é de um político de partido de direita, mas do PDT que, a rigor, é um partido de esquerda,  Como já escrevi, nada mais parecido com um machista de direita do que um de esquerda.

2. Noiva agredida na festa de casamento.  Esse vídeo, que ninguém sabe ao certo de onde é, mas parece ser de alguma das ex-republicas da Ásia Central da antiga URSS, viralizou na semana do 8 de março.  A noiva, de aparência tímida e acanhada (*em alguns lugares, exige-se que a noiva exiba esse tipo de expressão*) brinca com o noivo, finge que vai lhe dar bolo e não dá, termina levando um bofetão.  Eu fiquei angustiada só de ver, foi um negócio tão, mas tão violento, que nem sei.


Lembrei da noiva kuwaitiana que se divorciou 3 minutos depois de casar.  Ela estava saindo do tribunal e tropeçou, o noivo, ao invés de ajudá-la, a chamou de estúpida.  A mulher deu maia volta e pediu a anulação (*deve ter sido isso e, não, o divórcio*) do casamento.  Espero que essa menina do vídeo tenha sido salva desse sujeito, porque se ele a esbofeteia no casamento, imagine o que vem depois.  Não, melhor nem imaginar.



3. "Aprenda se vestir e dar limites".  Educação é a chave de tudo e ela pode ser usada para criar um mundo melhor, ou pior. Começa em casa, mas a escola tem um grande papel a desempenhar, porque é no ambiente escolar que crianças e adolescentes vão conviver com a pluralidade de pessoas, de famílias, de práticas.  Enfim, na Escola Estadual Padre Humberto Piacente, no Espírito Santo, uma professora de História, sim, da minha disciplina, propôs como tema de trabalho “Valorização da mulher começa pela mulher” com sub-temas como “Como a mulher deve se comportar”, “Como a mulher deve se vestir” e “Mulher x palavrões”.  

O resultado foram cartazes culpabilizando as mulheres pelo assédio. Coisas como “No começo ela gosta, mas depois começa a dizer que é assédio”, “Aprenda a se vestir, se comportar e dar limites”,  “A mulher passa, o homem mexe, ela não pede respeito, o homem toca (sic) ela não faz nada. Se relacionam e fica grávida. Aaah! Fui assediada, abusada, estuprada!!! Agora que você reclama??”“Socorro! Se fazer de vítima depois é fácil”,  “Com roupas vulgares, em ambientes inapropriados, elas estão dando grande liberdade para os homens falar e pensar o que eles bem quiserem”, ou ainda “As mulheres deveriam ser menos vulgar e respeitar seu próprio corpo (sic), ter mais consciência na hora de se envolver com alguns homens, pois muitas mulheres se envolvem com alguns homens sem conhecer”.



Esta última frase estava em um cartaz com fotos de Jane Cherubim, uma mulher de 36 anos que foi brutalmente espancada pelo companheiro no Espírito Santo, mesmo estado desse trabalho infeliz.  Não vou colocar uma foto grande da Jane depois das agressões, ela está na notícia, ela está no cartaz.  Jane teve sorte, sobreviveu, mas ela foi culpabilizada, assim como todas as mulheres COLETIVAMENTE, porque merecemos apanhar, ser desrespeitadas nos espaços públicos e privados, porque não nos comportamos.  E isso está em trabalhos escolares que foram pedidos, aceitos, elogiados, já que expostos nas paredes da instituição. Não aconteceu em um país islâmico, aconteceu aqui, no Brasil.  Isso é apologia à violência contra as mulheres feita no ambiente escolar e é mais um indício de que O Conto da Aia está se tornando cada vez mais próximo de se tornar realidade.



4. Agressores de mulheres, crianças, idosos e deficientes não poderão tirar carteira de advogado.  Como nem tudo é desgraça, a OAB, Ordem dos Advogados do Brasil, deliberou no dia 18 de março que agressores de mulheres, crianças, idosos e deficientes não podem receber a carteira da ordem, porque tais atos atentariam contra a idoneidade moral, algo fundamental para um advogado.  A discussão começou a partir da violência contra as mulheres e se ramificou para outras, o que é positivo, afinal, agressores não deveriam ser considerados pessoas idôneas. Segundo a Folha de São Paulo,caberá a cada seccional deliberar sobre os casos omissos e sobre pendências na Justiça.  Aguardemos.

 5. Senado aprova multa para quem paga salário diferente para mulher.  Outra notícia positiva e eu espero que se efetive.  O Senado recrudesceu a multa para as empresas que não pagarem salários iguais para homens e mulheres na mesma função, algo previsto em lei.  "Segundo o senador, a diferença salarial média entre homens e mulheres chega a 23% nas micro e pequenas empresas, saltando para 44,5% nas médias e grandes. Os dados integram o Anuário das Mulheres Empreendedoras e Trabalhadoras em Micro e Pequenas Empresas de 2014."  Vejam que os grandes não dão o exemplo.  



6. Finalmente uma matéria sobre o PM que foi o primeiro a entrar na escola durante o massacre em Suzano.  Durante o terrível massacre em Suzano, um policial à paisana entrou na escola antes da chegada da polícia.  Quando estava tentando colocar pé na situação, ouvi na rádio os áudios da polícia avisando, avisando aos que estavam a caminho, que o homem de camiseta vermelha era um deles e, não, um dos criminosos.  Enfim, o policial se chama Eduardo Andrade Santos, ele estava em licença médica e, mesmo assim, se arriscou.  Ele é um dos heróis, junto com a merendeira e as professoras, precisa ser lembrado.  Já os assassinos, a eles devemos negar qualquer forma de lembrança.  O policial não precisava entrar na escola, poderia ficar fora do problema e ninguém teria o direito de reclamar, mas ele decidiu agir.  O nome dele precisa ser lembrado, também.



7. Excursão de escola pública é barrada em shopping de SP e educadora diz que houve discriminação.  Cerca de 120 alunos de escolas da zona rural de Guaratinguetá (SP) foram a shopping em São Paulo para uma exposição dos 90 anos do Mickey Mouse.  O que poderia ser uma festa para as crianças, algumas delas nunca tinham ido a um shopping center, tornou-se motivo de constrangimento.  Uma funcionária do  shopping JK Iguatemi alertou a diretora que as crianças, entre 6 e 10 anos, teriam problemas com a segurança do local, pois seria um lugar de elite. E qual o problema?  As crianças serem de escola pública?  Terem "cara de pobre"? Crianças negras em demasia? Somente depois de negociações, a excursão pode entrar.

O passeio era um prêmio para as crianças que se destacaram no rendimento escolar, já tinham o ingresso e tudo mais.  A ideia era chegar antes e que os alunos e alunas pudessem passear no shopping e comer em uma rede de fast food.  A funcionária terminou demitida e o shopping e a ONG que organiza a exposição negam que compactuem com discriminação social e/ou racismo.  Minha opinião?  Certamente não foi um mal entendido, na verdade, a funcionária deve ter seguido algum padrão de comportamento sancionado pela instituição.  Há espaços que são segregados e, quando menos se espera, alguém enuncia as regras quando elas não são respeitadas. Só que com as redes sociais, tudo se torna público e o racismo e outras atitudes inaceitáveis acabam sendo punidas.  Ao que parece, as crianças conseguiram se divertir e essa é a parte mais importante.



8. Estudo diz que galinhas têm pensamento lógico e até são maquiavélicas.  O jornal Meia Hora publicou os resultados de uma pesquisa feita nos EUA com galinhas, publicada pelo jornal "Animal Cognition",  e que chegou a conclusões bem curiosas.  Galinhas são muito inteligentes e têm personalidades distintas, pensamento mais lógico do que crianças e até tendências maquiavélicas.  O problema é que nós costumamos ver esses bichos como mercadoria e alimento, nos negando a enxergar suas capacidades.  Bem, não sou lá grande fã das galinhas, nem creio nessa inteligência toda, mas dou um desconto, porque na França, as galinhas demonstraram consciência de classe e trucidaram uma raposa que invadiu o galinheiro à noite e terminou presa com as penosas.  Vai que a pesquisa e o filme A Fuga das Galinhas estão corretos?


9. 'Estudo' revela menor desenvolvimento em 'filhos do Bolsa Família', diz Bolsonaro.  O presidente da República fez alusão, na quarta-feira, a um "estudo" que apontava o atraso intelectual das crianças atendidas pelo bolsa família, sua fala exata foi  “O ministro da Cidadania, Osmar Terra, fez um levantamento de 3000 famílias que recebem Bolsa Família, pegou a garotada de 0 a 3 anos, e essa garotada foi acompanhada por algum tempo. Chegou-se à conclusão que o desenvolvimento intelectual dessa garotada, filhos de Bolsa Família, equivalia a um terço da média mundial”.  Estou até agora esperando que o tal estudo seja tornado público, porque a gente sabe como é a palavra do presidente, não é?

Em contrapartida, foi feito um estudo que aponta que Estudo encontra 999 beneficiários do Bolsa Família conquistaram 1.288 medalhas em olimpíada de matemática.  Diferente do estudo "secreto" que o presidente citou, que associa o benefício ao atraso e, não, as condições de extrema pobreza que o bolsa família buscam minorar, este é público.  Mas há, sim, um estudo sobre isso feito pelo epidemiologista Cesar Victora, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com acompanhamento do Ministério da Cidadania, para analisar o programa Criança Feliz, voltado para crianças de zero a três anos.   Segundo o pesquisador, “O Bolsa Família atinge as famílias mais pobres do país. Pobreza está fortemente associada ao baixo desenvolvimento psicomotor, como mostram inúmeros estudos brasileiros e de outros países. Portanto, já era esperado que as crianças incluídas no Programa Criança Feliz apresentassem um desempenho inferior ao observado entre crianças de países de alta renda. Efetivamente, nosso resultado justifica a implantação de um programa como o Criança Feliz, pois se as crianças já apresentassem desenvolvimento adequado não seria necessário intervir”.  



Enfim, problema é que há pessoas que não entendem o que leem, ou tentar perverter os dados aos quais tem acesso.  Programas sociais ajudam a erradicar a extrema pobreza e diminuir, ou eliminar, esse atraso no desenvolvimento apontado pela pesquisa.



10.  A passagem do ciclone Idai deixou um rastro de destruição em Moçambique, Zimbábue e Malawi, parece que o quadro mais grave é na antiga colônia portuguesa.  Não há água, comida, estão contando os mortos.  Não há mobilização internacional de ajuda, nem metade da atenção midiática dada aos atentados na Nova Zelândia, que, sim, merecem atenção, este não é o ponto.  Li matérias portuguesas falando em recolhimento de donativos, mas não observei nada semelhante no Brasil.  Será que eu estou desinformada?



Enfim, as tragédias no continente africano são tratadas com normalidade, sem alarde, afinal, africanos nasceram para sofrer e a pele negra parece atrair desgraças onde quer que estejam, vide o Haiti.  Sim, há um grande descaso, vidas negras valem menos, crianças negras não despertam a compaixão automática que crianças brancas, ou mesmo fetos, despertam.  Se alguém estiver interessado em mais detalhes, há uma entrevista com o escritor Mia Couto aqui. Ele diz algo importante, porque concerne a nós, brasileiros: "JN: Como avalia a resposta internacional? O país está a receber ajuda humanitária? MIA COUTO: No geral, sim. É estranho que alguns países irmãos, que são da mesma língua e história, não tenham feito nada."  O G1 divulgou uma lista de organizações que estão recolhendo doações para os desabrigados do ciclone Idai.  Basta clicar.

11.  A Sabrina do Tese ONZE fez um vídeo muito didático e importante, especialmente, para passar para o seu coleguinha que diz que não é machista e que quando comentamos alguma coisa sobre violência contra as mulheres, ele vem e diz "Nem todo homem".  Por favor, assista e repasse para os seus coleguinhas que não conseguem entender que a questão é sistêmica e, não, pessoal.


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