sábado, 2 de março de 2019

Comentando Todos Já Sabem (Espanha, 2018)



Ontem, assisti um filme bem angustiante, não tenho palavra melhor, protagonizado por Penélope Cruz e Javier Bardem com Ricardo Darín como coadjuvante.  Foi a presença do ator argentino, aliás, o fator definidor na hora de assistir, ou não, ao filme.  Gosto muito dele e nenhum dos três decepciona nesse filme que é dirigido pelo iraniano Asghar Farhadi, vencedor de dois prêmios óscar e que assina, também, o roteiro.  Todos Já sabem (Todos Lo Saben) é um drama familiar, que expõe a hipocrisia de uma família burguesa, e é, ao mesmo tempo, uma história de suspense com tons detetivescos.  Pode não ser o filme que muita gente espera ver quando se propõe a assisti-lo, mas funciona e muito bem.

A história começa quando Laura (Penélope Cruz) retorna à Espanha natal com os filhos para acompanhar a cerimônia de casamento de sua irmã caçula, Ana (Inma Cuesta). Por motivos de trabalho, o marido argentino, Alejandro (Ricardo Darín), não pode ir com ela. Chegando no local, Laura reencontra o ex-namorado, Paco (Javier Bardem), com quem viveu um romance intenso, mas mantém relação amigável. Ele agora está casado com Bea (Bárbara Lennie) e é sócio de uma vinícola que emprega muitos imigrantes. Durante a festa de casamento, uma tragédia acontece, Irena (Carla Campra), filha de Laura, é sequestrada. Toda a família precisa se unir diante de um possível crime de grandes proporções, enquanto se questionam se o culpado não está entre eles. Na busca por uma solução, segredos e mentiras são revelados sobre o passado de cada um.


Quanto você pagaria por uma filha ou um filho?
A ideia de misturar um drama familiar, com muitos personagens, afinal, é uma família grande, com a investigação de um crime foi uma bela sacada.  Pensei mesmo em alguns momentos, desculpem, mas teremos spoilers, que a investigação e o crime ficariam sem resolução.  Não ficam.  O filme é tão angustiante que parece bem mais longo que é.  Há a relação mal resolvida entre Paco-Laura-Alejandro que termina por arrastar Bea.  Paco é um marido fiel e amoroso, mas é inegável, acredito, para quem assiste o filme, que o amor de sua vida é Laura.  Já a protagonista, por tudo o que o filme nos diz sobre ela, conseguiu superar aquele amor de infância e adolescência e construir um casamento sólido.

Todas as interpretações, dos protagonistas e dos coadjuvantes são bem consistentes.  Até as crianças, que ficam à margem dos acontecimentos, parecem críveis.  O fato é que conforme a história vai se desenrolando, revela-se o óbvio, sim, há um clichê inegável que justifica o título, Paco é o pai de Irene, ele, no entanto, é o único que não sabe.  Mas quem levou a menina, que tem 16 anos e sofre de asmas (*acredito*), sabe bem desse detalhe, afinal, Paco é o único que poderia pagar pela vida de Irene.  O segredo guardado por anos vem à tona e expõe a hipocrisia da família e a intimidade de Alejandro.
Alejandro, pai amorosíssimo, tem seus
segredos revelados para o mundo.
O Alejandro de Ricardo Darín é a coadjuvante mais forte de um filme com muitas personagens, ainda que não tenha tanto tempo de tela.  Todos na pequena vila da família de Laura o creem um homem  rico e bem sucedido, mas não é bem assim.  Ele, assim como a Argentina, enfim, passa por sérios problemas financeiros.  Na pacata vila, o padre não se cansa de repetir que foi Alejandro que pagou pela reforma da torre do relógio de Igreja, aguçando a curiosidade e a inveja de alguns.

Alejandro sabe o que os outros desconfiam, Irene não é sua filha biológica, mas ele vê na menina a sua salvação.  Quando soube da gravidez, ele estava mergulhado no alcoolismo e tinha pedido um sinal de Deus, ele interpreta a gravidez da esposa, que pretendia se separar dele e abortar, como essa possibilidade de recuperação.  Suplica que ela mantenha a gravidez e eles juram que guardarão o segredo.  Durante as investigações, lideradas por Jorge (José Ángel Egido), um policial aposentado amigo de Fernando (Eduard Fernández), cunhado de Laura, toda a vida de Alejandro, seu fracasso é exposto.  O adultério de Laura, também.  Ele não quer o dinheiro de Paco, ele crê em um milagre.  A insistência dele na providência divina, enerva as outras personagens e desperta a raiva de Paco, que tem a vida arrasada pelos segredos que desconhecia.


Todos na família se tornam suspeitos.
Apesar do filme ter muitas personagens femininas, cumprindo com facilidade a Bechdel Rule por tabela, vi as personagens de Darín e Bardem como o ponto alto do filme.  Ambos orbitam em torno de Laura, há toda a questão da família da protagonista (*falo daqui a pouco*), mas é o drama desses dois homens que de uma certa maneira mobilizou meus sentimentos.  Há questões de honra, de afeto, de orgulho, que são muito bem trabalhadas.  Vejo o filme como muito mais dos homens, do que das mulheres.

Quanto à família de Laura, ela é absolutamente decadente, a própria casa, com suas paredes descascadas, ilustra bem isso.  Outrora dona da pequena vila, o pai (Ramón Barea), um homem grosseiro com todos, já que os considera inferiores e culpados por sua desgraça, dilapidou a fortuna da família.  Ele acusa outros moradores da cidadezinha de terem roubado suas terras e a Paco, que era filho de empregados seus, de sempre ter desejado demais (*sua filha, nesse caso*) e de ter comprado barato as terras de Laura.  Todos na vila acusam as filhas do velho de terem dado golpes do baú, Laura casou com um argentino rico, Ana com um catalão, Joan (Roger Casamajor), também com posses.  Afinal, a festa foi na vila, para que todos pudessem ver, então, ele deveria estar bem de vida.


Um casamento é capaz de resistir a tantos acontecimentos?
Resta à Mariana (Elvira Mínguez), a irmã mais velha, a pecha de ter casado mal.  Fernando, o genro fracassado aos olhos da comunidade, que não conseguiu gerenciar suas terras, tenta despejar seu ressentimento nos imigrantes (*há muito mais negros nesse filme do que em muitas produções brasileiras*) que vem fazer a colheita da uva.  O que Paco faz?  Lhe atira na cara que o trabalho que os imigrantes fazem, nenhum espanhol quer fazer, ou ele gostaria de trabalhar debaixo do sol escaldante horas e horas?  Na pequena vila, assim como em outras da Espanha, da Itália, talvez, Portugal, os jovens partiram, o filho de Mariana e Fernando entre eles.  

Aqueles que ficaram, ou são frustrados, como Rocío (Sara Sálamo), a outra filha de ambos, mãe solteira e sem perspectivas, ou querem partir, antes que seja tarde demais, como o adolescente (Sergio Castellanos)  que tem um namorico com Irene.  Quando começam as investigações, que não envolvem a polícia, porque todos temem que os sequestradores matem Irene, a primeira desconfiança cai sobre os imigrantes, depois os jovens que fizeram a gravação do casamento, mas, no fim das contas, quem eram os que sabiam, ou desconfiavam, que Irene era filha de Paco?  Quem guardava o sufocante segredo?


A vida de Paco é virada pelo avesso.
Enfim, não sei de foi uma resenha muito coerente.  O filme foi indicado a uma série de categorias no Festival de Cannes, mas as críticas esperavam um filme muito mais revolucionário por parte do iraniano Asghar Farhadi.  Quem, por exemplo, for atrás de romance nesse filme, não vai encontrar.  Agora, o drama humano, as interpretações e mesmo a parte investigativa do filme foram muito bem desenvolvidas.  Não me arrependi de ter ficado angustiada por quase duas horas, não.  É filme para adultos e muita gente que tem idade para pertencer a esse grupo etário, nem sempre tem maturidade para estar nele.  Todos Já Sabem exige um pouco da gente e ser exigido, não faz mal para ninguém.  Agora, tenho que terminar ainda de assistir a cerimônia do Oscar e resenhar Roma e Rua Beale para o blog.  Está tudo atrasado.


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