domingo, 30 de dezembro de 2018

Jornal do Shoujo Café: Não é somente no Japão que estudantes são perseguidos por causa de sua cor de cabelo e outras notícias da semana


Hoje, publico o último jornal do ano. O fim das contas, esse tipo de postagem foi bem sucedida e acredito que continuarei com o formato no ano que vem. O ideal em nossos tempos seria abrir um canal do YouTube para o Shoujo Café,  mas não sei se dou conta de tudo isso. Enfim, este jornal será curto, porque comentei durante a semana pelo menos duas notícias que poderiam ter ficado para  hoje.  Uma delas, a mais importante, a entrevista de Maurício de Sousa para a Folha de SP, a outra, uma recomendação de vídeo sobre o caso da Kefera. Deem uma olhada nesses posts, porque eles já estão contando aqui.  E, lembrando, esse site é feito por uma feminista e meu olhar sobre as notícias não é neutro, aqui, temos posicionamento político, sim.

A menina e sua mãe.
1. Não é somente no Japão que estudantes são perseguidos por causa de sua cor de cabelo.  Em outubro do ano passado, foi muito comentada a história de uma adolescente japonesa que tinha cabelos castanhos claros e foi constrangida por sua escola, que era pública, a tingi-los.  A garota era acusada, também, de querer ter atenção, porque sua mãe era solteira.  A responsável pela adolesdente entrou na Justiça contra o Estado e venceu.  Ontem, vi uma notícia semelhante vinda da Inglaterra, uma menina de 12 anos que tem um cabelo laranja, sim, aquele tipo mais extremo de louro arruivado, eu diria, foi constrangida por um professor que acusou a criança de querer aparecer e que tingir os cabelos era contra os regulamentos.  Na Inglaterra, alguém ser utilizado por ser ruivo... Nesse caso, trata-se  de uma escola particular.  

Veja, não estou questionando que a escola tenha regras sobre uniforme e cabelo com restrições à tintura, mas sobre a violência que é perseguir alguém, rotulá-la e tudo mais por causa de algo que é natural, como cor de pele, estatura, cor de cabelo etc.  O pior é que a escola parece estar resistindo a admitir que a sua atitude não está correta.  Tanto que a mãe recorreu ao OFSTED (Office for Standards in Education, Children's Services and Skills), que seria a agência do governo responsável por fiscalizar as escolas e tudo mais.  Espero sinceramente que esse caso termine servindo de exemplo para todos os outros e que a menina não sofra mais nem com o bullying, nem com a violência institucional.  De resto, serve de lição, não são somente os japoneses que fazem essas barbaridades.
Cientista pioneira.
2. Física brasileira Elisa Frota Pessôa morre aos 97 anos, no Rio de Janeiro.  Nunca tinha ouvido falar dessa cientista brasileira, mas é muito fácil não ouvir falar das cientistas, pois há todo um esforço em apagá-las da história. Agora, é muito interessante ler sobre a trajetória dessa mulher que estudou até o nível superior em uma época na qual as mulheres eram estimuladas a casar cedo.  Ela mesma casou aos 18 anos, mas teve apoio do marido (*precisa ter  tido, ainda mais naquela época*) para prosseguir.  Foi a segunda mulher a se formar em Física em nosso país, a primeira foi Sonja Ashauer. Ambas foram membros fundadores do  Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).  Lecionou no Rio, na UFRJ em mudou-se para Brasília em 1965 para lecionar na UnB. 

Em 1969, como desdobramento do AI5, que endureceu a ditadura no Brasil, foi aposentada compulsoriamente. Nessa  época, ela lecionava na USP. Só para reforçar, muita gente foi perseguida e teve sua carreira prejudicada, essas pessoas não precisavam ser militantes políticos stricto sensu  ou estar na luta armada, bastava uma denúncia, uma perseguição do chefe ou inveja de um colega.  Sua vida poderia ser destruída.  E ser compulsoriamente aposentado era um dano menor do que ser preso, torturado e/ou morto.  Fugindo da ditadura militar, ela trabalhou na Europa e nos EUA, onde colaborou na formação de físicos brasileiros. Em 1980, com a abertura política, reassumiu os trabalhos no CBPF implantando um laboratório de emulsões nucleares para estudo de espectroscopia nuclear. Mesmo após a aposentadoria compulsória (*por idade*), em 1991, permaneceu até 1995 como professora emérita do centro.  Uma esplêndida carreira e em uma área ainda hoje muito masculina, que precisa  ser divulgada.
Mulheres no amistoso Irã e Bolívia, em 2017.
3. Conselho pede à Fifa suspensão do Irã se restrição para mulheres não acabar.  O Irã proíbe as mulheres de assistirem jogos de futebol masculino desde 1979, com a Revolução Islâmica.  Mesmo com todos os obstáculos, no entanto, as mulheres jogam futebol e a seleção do país é bem competitiva dentro das competições nas quais toma parte. Agora, por qual motivo o conselho de direitos humanos da FIFA, coisa que é novidade, decidiu pedir que a organização dê um ultimatum ao pais exatamente agora?  Bem, há questões politicas envolvidas, claro!  Não vou falar de EUA e outras coisas, vou somente comentar o seguinte: este ano a Arábia Saudita levantou o banimento às mulheres em seus estádios.  Reformas foram feitas para garantir a segregação, criando um espaço para homens e um para famílias,  no qual as mulheres ACOMPANHADAS de um irresponsável (*homem*) podem se fazer presentes. Daí, vem essa exigência ao Irã que parece ser o único país (*não consegui descobrir de fato*) a ainda proibir em seus estádios.  Ninguém quer irritar a Arábia Saudita, mas mexer com o Irã é permitido e até estimulado. No caso do Irã, houve exceções nos últimos anos, como no amistoso com a Bolívia em outubro de 2017, as mulheres puderem assisti-lo.  Não consigo crer que a decisão dos sauditas não teve impacto sobre essa recomendação. 

Voltando ao ponto, a perseguição ao Irã é de longa data.  Em 2011, a FIFA, que uma vez propôs o uso de uniformes mais reveladores para impulsionar o futebol feminino, decidiu banir o véu islâmico.  Ora, a única seleção de país muçulmano mais estrito a participar das competições internacionais com regularidade é o Irã e suas jogadoras são obrigadas pelas leis do país a usarem o véu.  Elas não tem escolha, ou usam, ou não podem jogar.  Na época, as iranianas terminaram excluídas da copa que acontecia na Jordânia. Qual seria o ganho?  ZERO.   Proibir o véu islâmico era punir essas meninas e mulheres, não os homens que as obrigam a usá-los. Não é preciso ser entusiasta  do véu para perceber o problema, certo?  Trata-se de violência contra as mulheres.  Por mais restrições às mulheres no Irã, lá elas nunca tiveram seu direito de voto ou dirigir carros confiscados.  Podem sair à rua sem um guardião.  Podem praticar esportes desde que sigam o código de vestimenta do país.  Enquanto isso, na Arábia Saudita, educação física só foi permitida na grade das escolas públicas para meninas em 2017.  Dirigir, somente este ano.  Enfim, eu não consigo ver preocupação com as mulheres nessas restrições ao Irã, só  perseguição ao país mesmo.


Meninas da seita na Guatemala.
4. Toda religião tem seus ulta-extremistas, o caso do Lev Tahor.  Ontem, o Jornal do Brasil noticiou o seguinte: "Quatro homens ligados a uma seita extremista judia, sediada na Guatemala, foram presos nos Estados Unidos por suspeita de sequestrar duas crianças, informou o procurador federal de Manhattan.  Segundo a fonte, os quatro suspeitos pertecem à seita judia Lev Tahor, que pratica uma forma ultraortodoxa do judaísmo, onde as mulheres usam túnicas negras que as cobrem da cabeça aos pés.  Um dos indivíduos, Aron Rosner, 45 anos e que morava no Brooklyn, foi preso em 23 de dezembro. Os outros três - Nachman Helbrans, 36, apresentado como líder da seita, e Mayer e Jacob Rosner, 42 e 20 anos respectivamente, todos vivendo na Guatemala - foram expulsos na quinta-feira do México, onde se escondiam, e detidos ao chegar a Nova Iorque, de acordo com a declaração do procurador.  Os quatro homens supostamente organizaram o sequestro, na noite de 8 de dezembro, de uma adolescente de 14 anos e seu irmão de 12 anos na cidade de Woodridge, 150 km ao norte de Nova York, depois que a mãe das crianças decidiu abandonar a seita seis semanas antes.  A mulher era membro voluntário da seita, que foi fundada por seu pai. Mas o grupo teria se tornado mais extremista sob as rédeas de seu irmão, Nachman Helbrans.  Os quatro homens teriam organizado o sequestro para levar os adolescentes de volta à Guatemala através do México, passando pelo aeroporto de Scranton, no estado da Pensilvânia."  

A seita Lev Tahor (coração puro) nasceu em 1980 e é conhecida como o Talebã judeu (*mas há outros grupos que também recebem esse apelido negativo*).  Seu líder,  Shlomo Helbrans, era filho de pais seculares que se voltou para um seguimento mais estrito da religião judaica, não satisfeito,  fundou seu próprio grupo.  O grupo é acusado de uma série de crimes como sequestro, maus tratos à menores e mulheres, lavagem cerebral, imposição do uso de drogas aos seus membros, estupro e casamentos forçados de crianças.  Helbrans viveu nos EUA, foi preso lá por sequestro de um menor.  Voltou para Israel, foi perseguido pelas leis do país. Levou seu grupo para o Canadá, usando das leis do país para asilo de perseguidos políticos.  Lá foram acusados de crimes contra crianças e adolescentes, os mesmos que já listei.  O grupo foi para a Guatemala.  Lá, também tiveram problemas com a lei.  Mudaram-se para o México. E vem o caso que comentei.


Ultra-ortodoxos oferecem apoio aos
 que querem deixar o Lev-Tahor na Guatemala.
Grupos como o Lev Tahor não admitem que seus membros abandonem o grupo.  Os perseguem.  Segundo o New York Times, amenina de 14 anos que foi sequestrada era "esposa" de um dos sequestradores.  O Lev Tahor estimula os casamentos infantis de meninas com homens muito mais velhos que elas.  A mãe dos adolescentes tinha conseguido se refugiar nos EUA e recebido asilo e a guarda provisória das crianças.  Felizmente, elas foram recuperadas sem grande dano.  As maiores vítimas desse tipo de seita são, normalmente, as mulheres e as crianças.  Normalmente, assim como no caso dos mórmons radicais, a forma mais eficaz de desmantelar esses grupos é provando que comentem crimes sexuais contra menores.

Eu queria ter encontrado as matérias, mas em 2016 (*acho*), um líder de uma dessas seitas radicais, procurado em Israel por vários crimes, escondeu-se no Brasil, no Bom Retiro (SP).  Temo que com a flexibilização de certas leis e com o avanço do desmantelamento do Estado Laico, grupos radicais como esse que descrevi terminem vindo buscar abrigo aqui e se juntem aos absurdos que já temos que aguentar. Percebem como coisas como educação domiciliar podem ajudar esse tipo de grupo pseudo-religioso a ter controle sobre suas vítimas? Pois é...


Gosto muito da Felicity Jones.
5. Suprema deve ser um filme bem interessante.  Felicity Jones interpreta a juíza Ruth Bader Ginsburg, a primeira mulher a fazer parte da Suprema Corte Americana em um filme que está prestes a estrear.  Uma das questões que quase impediram as filmagens é que os produtores queriam transformar o marido da protagonista, que sempre lhe apoiou (*vide meu comentário sobre a física brasileira*), em um opositor.  Sabe, o clichê do macho opressor e invejoso? Enfim, parece que isso foi evitado e, se o trailer não for propaganda enganosa, o filme deve ser bem interessante.  Deem uma olhada e vejam o que vocês acham:


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