quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Comentando o filme de Sakamichi no Apollon (Japão, 2018)



Ontem, não sei por qual motivo, senti vontade de ver se já havia legendas para o filme de Sakamichi no Apollon  (坂道のアポロン).  Já havia legendas, ainda que o arquivo que eu peguei avisasse que eram legendas preliminares.  Como a gente conhece mais ou menos a história, deu para levar sem nenhum problema.  O filme foi bem executado, ficou bonito e a música, algo fundamental em uma série de gira em torno do Jazz, foi o ponto alto da película.  O resumo do filme é o seguinte:

Início do Verão de 1966, com a morte se seu pai, Kaoru Nishimi (Yuri Chinen) é obrigado a se mudar para a casa dos tios na cidade de Sasebo, Prefeitura de Nagasaki. Ele está no primeiro ano do colegial e é emocionalmente frágil, seu único prazer, que é cerceado pela tia (Yorie Yamashita), é tocar piano.  No colégio ele conhece Sentaro Kawabuchi (Taishi Nakagawa), uma espécie de delinquente local, e a gentil Ritsuko Mukae (Nana Komatsu), que se torna o seu primeiro amor.  O pai de Rittsuko (Nakamura Baijaku II) tem uma loja de discos e a moça leva Kaoru até lá para que ele possa comprar um disco de música clássica, mas, na verdade, a moça queria introduzi-lo ao círculo restrito dos fãs de Jazz local.  Começa então a amizade entre os três jovens que vai durar por toda uma vida.
Kaoru achou que ficaria sozinho algumas horas
com Rittsuko, mas a moça tem outras intenções.
Para quem não conhece a série, Sakamichi no Apollon, ou Kids on Slope, de Yuki Kodama, foi publicado entre 28 de setembro de 2007 e 28 de julho de 2012, contando com 9 volumes de série e mais um gaiden, além de um fanbook.  Em 2011, a série venceu o 57º Shogakukan Manga Award na categoria geral, coisa muito rara para um mangá feminino, nesse caso, um josei, pois, normalmente, essa categoria vai para algum mangá seinen.  Em 2012, foi produzida uma série de TV animada com 12 episódios e, este ano, estreou em março o filme live action.  Como adoro Sakamichi no Apollon, vocês podem encontrar várias resenhas da série no blog (*1-2-3-4*). 

O filme, por necessidade de adequação de tempo, ele tem quase duas horas, e por opção, modificou uma série de questões em relação ao mangá original.  Em alguns aspectos, ele se aproximou mais do anime, inclusive na forma como construiu o final da história, com a longa separação entre os amigos.  Longa demais, eu diria, para quem era tão próximo.  Mas funciona como filme, independente de eu ter gostado, ou não.

O porão.
Outra mudança significativa foi em relação às origens e famílias de Kaoru e Sentaro.  O protagonista não era órfão de pai, nem de mãe.  O pai trabalhava embarcado, era da marinha mercante.  A mãe, e isso é citado no filme, o abandonara ainda pequeno.  No filme, ele fica completamente sob a guarda dos tios e a tia malvada é uma espécie de vilã da história.  No anime, ela não tem tanto poder sobre ele.  Ela quer que ele siga no negócio da família, a medicina, e considera a música uma perda de tempo.  De qualquer forma, a mãe de Kaoru não deixou a família, e isso só é explicado no mangá, por motivos levianos.  

Ela era de condição muito inferior à família do marido, econômica e intelectualmente, foi um casamento por amor, algo raro na época, já que a história se passa na segunda metade da década de 1960.  Como o marido estava sempre em viagem, ela não suportou a discriminação e humilhação que lhe era imposta pelos seus parentes, acreditava ser sua culpa, deixou o filho com a família rica, algo melhor para a criança, na sua opinião, e partiu.  No mangá, e essa é uma das partes que eu mais gosto, mãe e filho se reconciliam de verdade e ele descobre que foi da mãe que herdou a paixão pela música.

A música liberta das dores e da timidez
e dá significado à vida de Kaoru.
Sentaro, no filme, virou um bebê abandonado na porta da igreja católica local.  No mangá, sua história é mais interessante e dramática, ele é filho de uma mãe solteira com um marinheiro norte-americano.  Talvez, por conta das legendas, essa mestiçagem do rapaz não tenha ficado clara para mim, no mangá e no anime, ele é duplamente discriminado.  Com o casamento da mãe, a relação dele com o padrasto é complicada, ainda que ele se dê muito bem com os irmãos e irmãs menores.  No filme, ele é adotado pela família e meio que deixado de lado quando nascem os filhos biológicos.  Não gostei muito de nenhuma das duas mudanças.

Agora, esses detalhes não alteraram em nada o fato dos três protagonistas, Yuri Chinen, Nana Komatsu e Taishi Nakagawa, estarem muito bem.  As melhores sequências do filme são exatamente as que mostram a amizade entre os três e o drama que se estabelece com Kaoru amando Rittsu e a moça apaixonada pelo amigo de infância e sofrendo, porque ele se apaixona por Yurika (Erina Mano).  Volto a isso daqui a pouco.  As cenas no porão da loja do pai de Rittsu, "My favorite Things", especialmente, a sequência da praia, são muito bonitas e captaram o espírito do original.  O esforço de Kaoru para não magoar os amigos, o rompimento e o restabelecimento dos laços de amizade, tudo foi muito crível.  A cena do telefone sem fio e a forma como Rittsu termina se descobrindo amando Kaoru é muito bonita.

Rittsu reza para que tudo dê certo e a amizade dos três é restaurada.
Daí, o ápice do filme que é quando Kaoru e Sentaro estão brigados.  Sentaro, que é bateirista, aceita participar da banda de rock dos garotos da escola no festival cultural.  Kaoru e Rittsu estão no comitê de organização.  Salvo pela bateria, todos os instrumentos da banda de rock são elétricos.  Há uma queda de energia.  Não conseguem restaurar a luz.  Pressionam o comitê e Kaoru abre as janelas, deixa a luz do sol entrar e senta ao piano.  Sentaro acaba se juntando a ele.  Rittsu reza e, depois, chora.  É um sucesso.  Eles voltam a ser os melhores amigos.  E foi a melhor sequência do filme.  Pena que o garoto líder da banda de rock, Seiji Matsuoka, tenha sido representado de forma tão discreta. No mangá e no anime, ele era hilário com sua fixação em se tornar uma estrela.

O ator que faz o pai de Rittsu, Nakamura Baijaku II, parece idêntico ao mangá.  Pergunto-me, como ele é músico, se a autora não se inspirou nele para compor a personagem do quadrinho.  Já Dean Fujioka ficou perfeito como Junichi, o rapaz mais velho que é modelo de inspiração para Sentaro.  Jun é descolado, bonito, toca trumpete e está metido até as orelhas em atividades políticas perigosas na época.  Ele faz parte de algum ramo da juventude comunista, estávamos às vésperas do ano de 1968, e o rapaz volta para a cidade natal, interrompendo a faculdade, meio que fugindo da polícia.  Dean Fujioka canta mesmo em inglês, ele é que dá voz à abertura belíssima de Yuri!!! on ICE (ユーリ!!!), e o ator (*ele é mais que isso, enfim*) é lindo.  Pena que tenhamos poucas cenas com ele.

Dean Fujioka foi um anto mal aproveitado nesse filme.
O problema é exatamente a mudança que fizeram na relação de Jun com Yurika.  E eu considero um grande problema, porque gosto muito de ambas as personagens e a cena do trem, que foi belissimamente representada no anime, é uma das minhas favoritas de todos os tempos. OK. Voltemos.  Não mexeram em Jun, ele está tal e qual no mangá e no anime, mas Yurika, que era senpai do trio de protagonista, virou uma universitária que veio de Tokyo atrás de Jun. Ele a rejeita, por causa dos seus rolos políticos, mas o filme não explica bem as coisas.  

Já a moça é educada, rica e bonita (*ojousama*), como no original, não tem o mesmo tipo de beleza, convém pontuar, mas parece poder fazer o que lhe der na telha... largar a universidade, ir sozinha a um bar de má fama atrás de Jun (*E Dean Fujioka cantou maravilhosamente na sequência anterior*) e tudo mais.  A cena em que ela corta os cabelos (*no mangá e anime eles eram bem longos e bonitos*), ato simbólico de ruptura, não tem 1/10 do impacto que teve no anime e mangá.  Fora que não tem trem e Jun e Yurika passam por Sentaro, que amava os dois, veja bem, sem lhe darem sequer um bom dia.  Foi o ponto baixo do filme.

O acidente de moto foi mudado, mas continua
sendo um dos momentos dramáticos das história. 
Na verdade, por incluir Rittsu, tornou-se ainda mais dramático.
Que mais dizer?  O filme não cumpre a Bechdel Rule, porque a maioria das personagens são masculinas e as femininas com nomes, que eu me lembre, não conversam.  De qualquer forma, Sakamichi no Apollon é centrado na amizade e, assim como no anime, esse sentimento é mais forte entre Kaoru e Santaro e, ainda que não se pegue pesado no bromance, ele está lá.  O final é aquilo, a separação tão longa foi forçada, ainda que fique claro que Kaoru e Rittsu se falaram.  Ele tornou-se médico, conforme desejo da família, ela professora.  Agora, se se falavam na década de afastamento (*no anime foram 8 anos*), porque nãos e acertaram se se amavam tanto?

Terminando, o "slope" do título em inglês, e que é usado em japonês, também, se remete à ladeira que levava até a escola e que Kaoru odeia.  No filme, essa raiva de ter que subir morro (*quem morou na Baixada Fluminense, como eu, certamente se sentiria representado*) é mostrada em várias cenas.  E, sim, não tiveram a coragem de cortar o cabelo de Nana Komatsu.  No mangá, Rittsu está como Julie Andrews em A Noviça Rebelde nas últimas cenas do mangá.  E ele e Sentaro eram católicos.  A região de Nagasaki é o centro do catolicismo japonês.  Recomendo o filme, apesar de alguns defeitinhos, e, sim, ele capturou o melhor do anime e do mangá original.

1 pessoas comentaram:

to louco pra ler sua crítica Valéria, mas queria assistir o filme primeiro. Nada de legendas em português ainda né?

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