segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Comentando Bumblebee (2018), a última resenha do ano


Sexta-feira fui assistir Bumblebee com minha filha de 5 anos e uma priminha da mesma idade.  Foi a última ida ao cinema de 2018 e, claro, a última resenha.  Não fosse pelo pedido das duas, não teria ido mesmo, ainda mais sendo um filme dublado, mas, no fim das contas, valeu a pena. O filme é divertido e simpático, um pouco como foi o último Homem Aranha, e trabalhou muito bem com a nostalgia de gente que cresceu nos anos 1980, como eu.  O próprio filme em si tenta imitar os filmes adolescentes da época em quase tudo, menos nas referências sexuais, porque, bem, somos muito mais puritanos hoje do que éramos 35 anos atrás.

Planeta Cybertron, a resistência dos Autobots, liderada por Optimus Prime, está perdendo uma guerra civil para os  Decepticons.  Eles planejam evacuar o planeta e procurar um refúgio seguro, mas são interceptados pelo inimigo.  Optimus Prime envia para Terra, o planeta que os acolheria, o agente B-127, que tem a capacidade  de assumir múltiplas formas.  Chegando à Califórnia, ele acaba entrando em conflito com forças do Exército dos EUA, que o identificam com o inimigo, e por Decepticons que estão em seu encalço. Danificado, ele assume a forma de um fusca e se refugia em um ferro-velho.  1987. Um fusca amarelo aos pedaços, machucado e sem condição de uso, é encontrado e consertado pela jovem Charlie (Hailee Steinfeld), às vésperas de completar 18 anos. Traumatizada pela morte do pai e em conflito com a mãe a moça se sente profundamente infeliz.  Consertar o carro é revigorante para ela, mas descobrir que se trata de um alienígena mudará sua vida para sempre.


Charlie finalmente encontrou o
carro certo e, de quebra, ganhou um amigo.
Não vi um filme sequer da franquia Transformers, esta será, portanto, a resenha de um único filme e um filme que se sustenta por si mesmo.  Antes de Bumblebee minha única experiência com Transformers foram as animações antigas que passaram na Globo em algum momento da transição da minha infância para a adolescência.  E não adianta me perguntar detalhes, porque eu não lembro nitidamente de nada, salvo os robôs.  Estabelecido isso, não faço ideia, nem quero saber, aliás, de detalhes do universo da franquia, mas deixo registrado o seguinte, Bumblebee é muito divertido e deve ter sido o melhor filme pipoca que eu assisti em 2018.  Legendado teria sido melhor, mas, bem, fui ao cinema por causa das crianças.

O filme trouxe uma introdução que nos situou muito bem no universo dos robôs e de sua guerra civil.  A parte computação gráfica foi bem deslumbrante e convincente.  Não pensem, no entanto, que isso resume o filme, que ele é somente uma exibição de efeitos especiais com uma história rala.  Ele oferece um roteiro consistente e dramático dentro daquilo que um filem desse tipo exige.  Bumblebee privado de sua voz terá  que buscar uma forma de se comunicar com Charlie que é mais que sua dona, é uma amiga.  A música, e o filme traz uma trilha anos 1980 primorosa, tem um papel fundamental nessa comunicação entre eles.  Não darei spoilers, mas comento o seguinte, se você quiser aproveitar essa parte em especial do filme, é melhor que você o veja com o som original.  A perda em uma versão dublada é mais que evidente.


Como não amar Bumblebee?
Outro ponto, li em pelo menos um site feminista que a protagonista ser uma mulher salvou o filme.  Desculpe povo que vê empoderamento em tudo, mas não vou embarcar em uma narrativa de que isso fez a diferença, podemos falar, sim, em representatividade,mas se fosse um garoto o dono do fusca amarelo não faria grande diferença na narrativa, dou-lhes minha palavra.  Na verdade, o filme é um delicioso emaranhado de clichês e o que faz real diferença é como eles se entrelaçam, como Bumblebee, o robô-carro, consegue ser simpático e ganhar nossos corações desde a primeira de suas cenas.  Pequeno, valente, gentil, ingênuo, capaz de se sacrificar pelas grandes causas e pelos seus amigos.  Ele foi feito para ser amado.  Fora isso, há o efeito nostalgia, que serve para tentar capturar a empatia de gente velha como eu.

Retornando ao ponto, nós já assistimos Bumblebee antes, vou somente comparar com seu antecessor mais célebre e de gênero semelhante, E.T., o primeiro filme que eu assisti nos cinemas.  Se você viu E.T., você viu Transformers, porque ambos elementos muito similares.  Elliot, o protagonista de E.T., é  uma criança, mais limitado em suas ações, portanto, mas a situação de infelicidade familiar é  ponto comum entre ele e Charlie.  Elliot tem uma irmãzinha caçula que parece um problema no início, mas que se torna uma aliada.  Charlie tem o irmão caçula, Otis (Jason Drucker) em situação similar. E há, claro, o extra-terrestre que precisa de ajuda e que aprende a se comunicar com o humano que o acolhe.  Fora isso, temos a incompreensão dos adultos ao redor, seja família (*que depois termina ajudando em ambos os filmes, vejam bem*), ou as "autoridades", cuja ação violenta e insensível coloca o alienígena em perigo.  O que não há em E.T. são Decepticons.


Vilões MUITO malvados.
Os vilões do filme são malvados.  São cruéis, mas os humanos do filme não ficam muito atrás.  Os robôs querem usar os militares e eles acreditam que poderão usar  os robôs para conseguir vencer a Guerra Fria.  Bem, assistam o filme e vejam no que isso dá.  Estalecido isso, o diferencial de Trasformers é a violência.  Estilizada, adequada à classificação indicativa do filme, mas bem consistente.  Há mortes e algumas não são atenuadas.  A mãe desnaturada aqui, que só vi o o trailer que ressaltava a amizade entre a menina e o fusca, sem destacar os aspectos violentos do filme, não checou que era classificação 12 anos.  Não sou criminosa por levar meninas de 5 anos para ver Bumblebee, nada na lei me limitaria nesse aspecto, porém, Júlia se assustou em determinados momentos, fechou os olhos.  

Foi, com certeza, o filme mais violento que ela já viu.  Se eu tivesse checado, e isso é dever do adulto (ir)responsável, provavelmente, não teria levado a minha pequena.  Ela gostou do fusca, dos robôs em geral, da menina protagonista, do irmão dela (*uma criança*), mas ficou visivelmente assustada e quando Charlie se machucou, ela não deixou de notar o sangue.  Não leve crianças pequenas, portanto, ou leve,mas esteja ciente de que não é um filme para elas mesmo. Tem carros, tem robôs, mas é para gente um tanto mais velha.


Se Memo fosse branco, será que ele não ficaria com a garota no final? 
Queria não ter que pensar nisso, mas não posso evitar.
Agora, se no quesito violência o filme não faz grandes concessões, quando o assunto é romance e, claro, sexo, tudo é inócuo.  O vizinho de Charlie, Memo (Jorge Lendeborg Jr.) se interessa por ela.  Ela termina descobrindo o segredo da menina, se torna uma espécie de parceiro.  Só que o romance entre os dois não evolui.  Não estou pedindo que o filme obrigasse Charlie a se tornar namorada de Memo, mas em um filme dos anos 1980,e Bumblebee tenta se parecer com ele, isso ocorreria.  Se Charlie fosse um rapaz e Memo uma garota, talvez tivéssemos algo de romance, também.  Além do puritanismo vigente em nossos dias, há, também, a ideia de que uma protagonista feminina precisa se sustentar sobre as próprias pernas, ser forte e, claro, um romance poderia comprometê-la.

Poderíamos falar da neurose em cima da sexualização, algo que algumas feministas estão levando aos extremos.  Charlie tem 18 anos.  Ela tem  um visual absolutamente dessexualizado.  Provavelmente, uma menina como ela nos anos 1980, e com aquele perfil roqueiro, teriaum visual tão limpo, mesmo com seus gostos pouco peculiares, ela se interessa por mecânica, por exemplo.  Só que há todo o esforço de diferenciá-la das "outras" meninas, um trio de garotas que parecem uma caricatura das meninas malvadas de filmes high school, e olha que esse tipo de personagem já é em si uma caricatura.  


Você já viu esse filme,mas assiste de novo,
porque Bumblebee ficou muito legal.
Enquanto Charlie é dessexualizada, as meninas, em especial sua líder, Tina (Gracie Dzienny), usam maquiagem berrante, roupas justas e curtas e se equilibram sobre saltos altíssimos.   Mensagem dada.  Outra coisa, voltando para Memo, e não quero acusar o filme de ser racista, mas isso chamou a minha atenção, o rapaz é negro e ele é somente o amigo da menina branca.  Agora, basta Trip (Ricardo Hoyos), o colega de escola bonitão da personagem aparecer na tela que, bem... Se esse moço fosse Memo, ou se ele tivesse alguma função no filme além de aparecer sem camisa e fazer a protagonista perder um pouco o chão, talvez fosse diferente. 

Já caminhando para o final, o filme cumpre a Bechdel Rule.  Temos várias personagens femininas com nomes, que conversam entre si e que não estão falando de um homem.  O destaque vai para a protagonista e sua mãe, Sally (Pamela Adlon).  A relação das duas é conturbada.   A menina, que abandonou o esporte depois da morte do pai (*algo que o filme não conta detalhes*) não perdoa a mãe por tentar recomeçar sua vida.  A mãe, assim como a de Lady Bird, é enfermeira, tem um marido desempregado e dependente, trabalha muito, e faz o possível pelo bem estar de sua família.  


Como explicar para sua mãe que um robô destruiu a sua casa?
Charlie é revoltada, mas, diferente do filme sensação no ano passado, não é insensível às necessidades de sua família.  Ela trabalha, ela se esforça, ela quer seu carro, chega a exigir a ajuda da mãe, mas não fica de braços cruzados esperando que as coisas aconteçam e culpando os outros.  Sim, esse aspecto de Bumblebee dá de dez em Lady Bird, até na representação da adolescente revoltada e egoísta até certo ponto.

Saldo final?  O diretor Travis Knight fez um excelente trabalho.  Não sei qual caminho será tomado pela franquia, mas sei que Bumblebee é um filme muito divertido e interessante por ele mesmo.  É um filme de robôs.  É uma homenagem aos filmes adolescentes dos anos 1980 (*Clube dos Cinco, em especial*).  É uma ode à  amizade e à fidelidade.  É um filme que reforça a importância da família,do perdão e da compreensão entre pais e filhos.  Repito, você já assistiu esse filme, mas um  valente fusquinha amarelo faz toda diferença nele.


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