quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Relembrando Anatolia Story: Sugestão de Documentário sobre os Hititas


Por conta de uns pensamentos aleatórios, estava vendo um vídeo sobre o Grand Bazaar na Turquia e o sujeito mostrou um odre de vinho seguindo o modelo hitita, ele é enfiado no braço, nunca tinha visto, e  me deu vontade de caçar um documentário sobre esse povo que aprendi a amar graças ao mangá Anatolia Story (天は赤い河のほとり).  Resumidamente, a série conta a história de uma adolescente japonesa comum, Yuuri, que acaba sendo levada para o século XIV a.C. pelas artes mágicas da rainha dos hititas que quer sacrificá-la aos deuses.  No passado, Yuuri cai sobre a proteção do príncipe Kail Mursili e termina descobrindo que ela mesma é especial, porque é, na verdade, o avatar de Ishtar, deusa do amor e da guerra.

Versão moderna do
odre hitita de vinho.
Acabei encontrando um documentário de duas horas de duração narrado pelo Jeremy Irons (!!!).  É quase um docudrama, porque há encenações (*meio pobrinhas, verdade*), mas o mais legal são as informações arqueológicas e históricas.  Para quem não sabe, até o final do século XIX, início do século XX, não se sabia que os hititas tinham construído um dos maiores impérios da Antiguidade(*mais ou menos entre os séculos XVI e XII a.C.*), muita gente cria que eles eram somente um dos muitos povos cananeus citados na Bíblia, ou seja, sem grande relevância.  O documentário é de 2003 e diverge em alguns pontos, poucos, aliás, de coisas que li.  Ele está aí embaixo, para quem quiser, não tem legendas, mas é um inglês bem claro, salvo, talvez, pelas partes (*que são poucas*) em que fala um professor egípcio.


Enfim, achei o documentário bem interessante e ele fala bastante de Suppiluliuma II, seu filho (Kail) Mursili II, Zannanza e Nakia (Tawananna), cujo nome real era Malignal (*sim, não estou brincando*).  São todos personagens de Anatolia Story.  Suppiluliuma II, que deveria ser bem terrível no bom e no mal sentido, usurpou o trono de seu irmão e usando engenho e força conseguiu retomar territórios que tinham sido tomados pelos inimigos.  O Império, quando ele assume, estava confinado na Atatólia, reduzido a 1/5, ou 1/6, do que havia sido.  Ele retoma tudo e expande ainda mais.  Só que tomado pela dor, depois de ter seu filho assassinado (*Zannanza*) a caminho do Egito, ele arrasa várias cidades egípcias da fronteira e leva muitos cativos, junto com eles, a peste.  Suppiluliuma morre de peste, assim como seu filho mais velho.  Dois reis em menos de um ano.  Ah, sim, os hititas não acreditavam que seus reis fossem deuses, eles se tornavam deuses depois de mortos.  Semelhante aos romanos, mas eu teria que ler mais sobre isso.

Acredito que esta foi a extensão máxima do Império Hitita.
É curioso que Chie Shinohara não fala da peste, ainda que exista um episódio em que Yuuri escapa de uma por ser vacinada, mas a doença arrasou o Império Hitita e matou gente por vinte anos, inclusive a esposa tão amada por Mursili II.  É curioso que Mursili deixou extensas memórias, nas quais conta que chegou ao trono muito jovem e que seus inimigos debochavam dele.  O texto de uma das cartas lidas no documentário, parece com um trecho de um dos romances sobre o Rei Arthur em que o inimigo dizia que não se submeteria, porque o jovem rei nem barba tinha ainda.  De qualquer forma, o novo rei acreditava que os deuses estavam punindo os hititas pelos crimes do pai (*assassinar o irmão, expulsar a primeira esposa, a rainha Henti, sua mãe*), e tinha problemas com a madrasta (Ha!), que irá atormentá-lo por muitos anos.  Quando ele perde a esposa,  Gassulawiya, lamenta longamente e culpa a Tawananna por bruxaria, ou envenenamento.  Ele termina por exilá-la como no mangá.  Engraçado que o documentário fala um monte da depressão de Kail, sua dor, de como é fácil ter empatia por ele, para só no finzinho comentar que ele foi um grande administrador e guerreiro e expandiu o império.  Parte rápida que não detalhou coisas importantes, leia o mangá, porque Shinohara fala disso e muito bem.

Kail Mursili.
O documentário dá um bom espaço, também, para o filho mais jovem de Mursili II, que governou como braço direito do irmão, mas destronou o sobrinho, que tentou destruí-lo.  Hattusili III deixou uma autobiografia, o mais antigo texto conhecido desse tipo, chamada "Apologia", na qual justifica seus atos, então, só temos as palavras dele.  Hattusili foi o último grande rei dos hititas e é citado no final de Anatolia Story.  Ele conta que quando criança todos esperavam que ele morresse, porque tinha saúde frágil, mas que o irmão mais velho teve uma visão de que se fosse dedicado à deusa Ishtar (!!!) e se tornasse seu sacerdote, ele viveria.  Ele efetivamente se torna sacerdote da deusa, mas é, também, guerreiro e esteve presente na grandiosa batalha de Kadesh.  Deve ser daqueles eternos doentes de mangá, ou alguns santos e santas que eu conheço, o documentário até retoma a ideia da doença e fragilidade da sua saúde quando da morte dele. Agora, só como rei, acredito que foram quase 30 anos.  E era o sujeito que iria morrer logo... 

No mangá, a Rainha Henti é assassinada por Nakia.
 A batalha, uma das melhor documentadas da Antiguidade, foi, durante muito tempo, vista como uma vitória inconteste dos egípcios.  Ramssés II era um grande mentiroso (* Larry Gonick faz piada com isso no excelente The Cartoon History of the Universe*) e, claro, ninguém sabia quem eram os hititas por mais de 3 mil anos.  Na volta de Kadesh, Hattusili encontra sua amada, a mulher mais importante e poderosa da História dos hititas,  Puduhepa.  Ela também era uma sacerdotisa de Ishtar e Hattusili acredita (*é o que ele deixa registrado*) que foi a deusa que os uniu.   Há várias declarações de amor por escrito para a rainha, os hititas escreviam tudo, ao que parece, de leis até sentimentos mais íntimos e ternos.   Segundo o documentário, que é sobre os hititas e pode exagerar um tanto, nunca um rei tinha se expressado de forma tão apaixonada e amorosa em relação a sua rainha.  Casamentos reais normalmente eram uniões politicais e assim continuarão por muito tempo, o que não quer dizer que o amor, o respeito e a parceria não pudessem ser cultivadas entre os esposos.
Selo da Rainha Puduhepa.
Puduhepa se torna uma espécie de co-governante do marido, negociando com potências estrangeiras, gerenciando uma bem sucedida política de casamentos e na diplomacia em geral (*ela troca cartas com reis e rainhas, como Nefertári, bem amada de Ramssés II*), julgando junto com o rei.  Além disso, ela recebe uma missão interna importante, racionalizar o panteão hitita que tinha mais de mil deuses porque eles incorporavam os de outros povos e coisa e tal.  Tarefa das mais sérias.  Ela era 25 anos mais jovem que o marido e ele morre antes dela, a rainha segue como Tawananna durante o governo de seu filho.  A rainha viúva era mais importante que a esposa do rei, lembram de Anatolia Story e dos problemas de Mursili II?  Antes disso, Puduhepa envia mensageiros ao Egito, pedindo à Ramssés, agora um aliado, que seus sacerdotes intercedam pela vida de seu marido.  Bem que Chie Shinohara podia fazer outro mangá sobre os hititas, ou alguém poderia fazer um filme sobre Hattusili  e Puduhepa. 
A atriz que faz Puduhepa no documentário é muito bonita.
O documentário termina com a morte de Hattusili, porque não há uma explicação fechada para o fim do Império Hitita, ainda que os Assírios estejam lá do ladinho como potência em ascensão.  O mundo estava se transformando e o equilíbrio no Oriente mudando.  E só há registro de quatro reis depois de Hattusili e os registros pararam.  Um povo que escrevia e registrava tudo compulsivamente, não pararia de escrever de repente se algo muito terrível não tivesse acontecido.

Príncipe hitita em Ouke no Monshou.
Espero que não tenha sido um post chato.  Vi o documentário e me empolguei.  Gosto dos hititas, junto com os romanos e os espartanos são o meu povo favorito da Antiguidade, me fez lembrar e ter vontade de reler Anatolia Story.  Ah, sim!  Os hititas aparecem em Ouke no Monshou (王家の紋章) como vilões, já que a heroína, Carol, cai no meio dos egípcios que são os mocinhos, por assim dizer.

1 pessoas comentaram:

Adorei o post Valéria, tive contato com história dos hititas por conta de Anatoly também. É incrível como mangás podem nos fazer tomar interesse por qualquer assunto!

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