terça-feira, 20 de novembro de 2018

Comentando Emma (Inglaterra/EUA, 1996)


Como ano que vem teremos uma nova adaptação de Emma, de Jane Austen, nos cinemas, decidi assistir as versões do romance para cinema e TV.  São somente quatro, duas séries da BBC (1972 e 2009) e dois filmes, um para o cinema e outro para a TV, em 1996.  Na verdade, não garanto assistir a série de 1972.  Sei que a tenho gravada em algum lugar, mas é uma produção que parece ter envelhecido mal, mesmo para alguém que gosta de coisas antigas, como eu. Vou tentar analisar cada obra por si mesma e, depois, fazer um post comentando as adaptações no geral e comparando algumas coisas.  Será que consigo antes do fim do ano?  Tentei fazer algo assim com Jane Eyre, mas não cumpri a maratona completa.  Claro que há muito mais adaptações de Jane Eyre do que de qualquer obra de Jane Austen, mas, ainda assim, queria ter terminado.  

Para quem não conhece o básico da história daquele que muitos consideram o melhor livro de Austen, literariamente falando, Emma conta a história da única heroína da autora que é rica por nascimento e goza das vantagens que o dinheiro pode trazer.  Emma Woodhouse (Gwyneth Paltrow) tem bom coração, mas é um tanto mimada e tem como hobby arrumar casamentos para os outros, enquanto esquece de si mesma.  Ela se dispôs a cuidar do pai viúvo e idoso (Denys Hawthorne) e acreditar que solteironas ricas não tem motivo para serem infelizes.  Ela tem um vizinho, George Knightley (Jeremy Northam), que é 16 anos mais velho que ela e que visita os Woodhouse com grande frequência.  Ele é o único a apontar as falhas no comportamento da protagonista, que é mimada por todos. O irmão de Knightley, John  (Brian Capron), é casado com a irmã mais velha de Emma, Isabella (Karen Westwood).


Greta Scacchi sempre competente e muito
bonita graças ao figurino inspirado.
A história começa com o casamento da governanta de Emma, arranjado pela própria, aliás.  Com a partida de Miss Taylor (Greta Scacchi), Emma sente um grande vazio e decide tomar como amiga uma órfã pobre, Harriet Smith (Toni Collette), e arranjar-lhe um bom casamento.  A moça já tem um pretendente, mas Emma decide que o jovem fazendeiro (Edward Woodall) não é digno de Harriet e decide que ela irá se casar com Mr. Elton (Alan Cumming), o pastor, que, na verdade, está em busca do dote da heroína.  A coisa não termina bem e Elton acaba se casando com uma noiva rica e esnobe (Juliet Stevenson).  No meio disso tudo, dois jovens para a vila de Highbury onde se passa a história.

Jane Fairfax (Polly Walker), moça órfã, mas de boa família e muito bem educada, é tudo o que Emma deveria ser em termos de comportamento social e não é. Emma se recente disso.  O outro novo morador da vila é Frank Churchill (Ewan McGregor), filho de Mr. Weston (James Cosmo), o homem que se casou com a governanta da protagonista.  Churchill é charmoso, mas leviano, e Emma se sente atraída por ele e se comporta mal por influência do rapaz.  A situação gera atrito entre a heroína e Mr. Knightley que, em silêncio, sempre foi apaixonado pela moça.  De qualquer forma, Emma termina frustrada em todos os seus planos como casamenteira e se desespera ao descobrir que ama Knightley e que pode tê-lo perdido para sua amiga, Harriet Smith.


Harriet Smith vira massa de modelar nas mãos da heroína.
Curiosamente, ou talvez, não, já que a atenção para Jane Austen tinha sido atraída pela série  da BBC de Orgulho & Preconceito e pelo filme para o cinema de Razão & Sensibilidade, ambos de 1995, tivemos dois filmes baseados em Emma em 1996.  Se não me engano, este Emma com Gwyneth Paltrow e Jeremy Northam foi o segundo filme adaptado de uma obra de Jane Austen que eu assisti e fazia bem uns vinte anos que eu tinha visto ainda em VHS.  Confesso que me lembrava muito pouco da produção da Miramax.

Uma das características desse filme de Emma é que ele é solar.  Os figurinos de Ruth Myers são luminosos, usando muitas cores claras e, ao mesmo tempo, vibrantes.  Nem tinha lido a parte que discute isso no verbete da Wikipedia, mas está lá boa parte do que percebi.  Tudo passa leveza, as cores são claras, mesmo o figurino masculino não passa a ideia de peso e sisudez.  É tudo muito elegante e bonito.  O figurino termina, de certa forma, amenizando alguns problemas de escalação de elenco, ou inadequação física de atores e atrizes.  
Mr. Elton quase agarra Emma dentro da carruagem.
Vejam bem, já vi muita gente reclamando de Keira Knightley como Lizzie, mas Gwyneth Paltrow era bem pouco beldade do início do século XIX, também.  Só que o figurino bonito, coisa que o de Orgulho & Preconceito de 2005 não é tanto, ajudam a alongar algumas silhuetas e ela passa a ideia de ser uma fada.  Na verdade, Emma tenta ser uma espécie de fada madrinha, meio esnobe, é verdade, esta é uma das características da moça que mais salta aos olhos, e que, apesar de tudo, quase sempre se frustra com as suas maquinações, entre outras coisas, por não dar ouvidos à razão e ao bom senso, isto é, Mr. Knightley. 

Esse aspecto do livro é bem explorado no filme. A interação entre Emma, Harriet e Mr. Elton, está bem caracterizada.  Infelizmente, até pela extensão da película, talvez, ele sequer tem duas horas de duração, o Frank Churchill de Ewan McGregor não se destaca como deveria, menos ainda Jane Fairfax, que é motivo de tanto ciúme por parte da heroína.  A trama dos dois, importante no livro, não é explorada satisfatoriamente.  O filme caracteriza bem os sentimentos de Emma em relação à Jane Fairfax, é verdade, mas a outra aparece muito pouco.  Mrs. Elton acaba se destacando mais que Jane, porque o seu aspecto cômico termina se harmonizando melhor com o tom do filme.


Ewan McGregor e seu cabelo horroroso.
Agora, o que filme caracteriza de forma ainda melhor são os sentimentos de Mr. Knightley por Emma.  Quem conhece o Shoujo Café sabe que eu adoro o Jeremy Northam, o considero muito bonito e elegante, ele está desse jeito em Emma.  Estonteante.  Ele é, também, um Mr. Knightley muito bem humorado, sempre espicaçando a heroína com sua língua afiada que transparece muito mais do que em outras adaptações.  Ele me agrada, verdade, mas foge um pouco do que é a personagem no livro.  Esta versão de Mr. Knightley não é tímida, não é sisuda, e tem um certo ar provocativo, que fica evidente em várias sequências, mas, especialmente, em uma que eu adoro, a do baile.  "Bother and Sister? No Indeed!".  Eu fiz uma montagem com a mesma sequência em todas as adaptações, ela está aí embaixo:



Falando nisso, um dos destaques desta adaptação é colocar em evidência as discussões de classe e de gênero que estão no original.  Emma pode ficar solteirona, porque é rica, mas a condição de mulheres como Miss Bates (Sophie Thompson), tia de Jane Fairfax, ou da própria moça, ou de sua avó viúva, Mrs. Bates (Phyllida Law), pode ser deplorável.  Uma mulher da pequena nobreza não deveria trabalhar.  Jane é obrigada a isso, o que gera consternação de todos os que se relacionam com a família.  Jane é governanta.  As Bates dependem da caridade da família de Emma, de Mr. Knightley, enfim, de todos que se dispuserem a isso.  

Por questão de classe e cavalheirismo (*em um mundo ideal, claro*), tanto os Woodhouse, quanto os Knightley, mesmo os Elton, protegem essas mulheres e tornam sua vida menos miserável para os padrões de seu grupo social, afinal, elas até tem uma criada (*imagine o que deveria ser o salário dessa mulher*), mas não estão livres das humilhações.  Uma das passagens do livro que está em todas as adaptações é quando, instigada por Frank Churchill, Emma termina por ser grosseira e arrogante com Miss Bates, o que resulta em Mr. Knightley colocando panos quentes e, mais tarde, passando uma descompostura na heroína ("Badly done, Emma!"*).


Knightley quase sacode Emma nessa cena da bronca.
Ponto um, em uma sociedade em que as mulheres eram condenadas à dependência - dos maridos, dos pais, dos irmãos, dos filhos  - depender de estranhos deveria ser horrível.  Daí, lembre-se da importância dos feminismos em defender que temos direito a educação formal, espaço no mercado de trabalho, cidadania (*voto, se eleita, também*), salários iguais etc.  Emma era uma privilegiada e ela sabe disso, ao casar, no entanto, ela também se colocava em uma situação de dependência, mesmo sendo em relação ao galante e sexy Mr. Knightley de Jeremy Northam.

Outro ponto, agora ligado ao filme em si.  Nesta versão, e revendo as outras vou comparar, claro, Mr. Knightley ao confrontar Emma sobre seu mau comportamento chega a tocar nela, quase sacudi-la.  É uma adaptação e como pontuei o Mr. Knightley de Northam é muito mais expansivo que os outros.  De resto, adoro a cena do baile, quando Knghtley e Emma conversam sobre a pequenez de Mr. Elton.  E há um casal de extras dançando, muito interessante.  Ambos são baixinho, a atriz é gordinha e usa um vestido vermelho e o homem é bem de meia idade.  Parecem gente comum, por assim dizer.  Nesse aspecto, esse Emma surpreende com detalhes.


Atirando e errando.
Outra cena muito boa é a da reconciliação de Emma e Knightley quando da visita de Isabella, o marido e o bebê.  Emma está com o sobrinho no colo e Knightley é todo ternura.  Outra cena legal desse filme, que foi usada nas promoções e na capa do VHS e DVD, é de Emma e Knightley praticando arco e flecha.  Emma sempre dá uma de cupido e termina errando.  Não erra tanto com o arco e flecha, mas termina atirando uma flecha fora do lugar ao ser cutucada pela versão "naughty" de Mr. Knightley. A capa do meu DVD tem o rosto de Emma tomando chá, mas a do VHS era do arco e flecha.  De resto, há a cena da declaração de Knightley e ficou bem bonita, mesmo que a sequência em si seja diferente do livro.

Enfim, é isso.  Minha memória do filme estava bem apagada. Lembrava bem do Mr. Knightley de Jeremy Northam (*claro!*), mas lembrava de muito pouco em minúcias.  Gwyneth Paltrow defende bem sua Emma, e deve ter servido de base para a composição de Agatha Moreira na novela da Globo.  Fora isso, é sempre é interessante ver Greta Scacchi atuando.  Ela tem várias cenas com Emma.  Não se fala de sua gravidez, mas no fechamento do filme, ela aparece com um bebê no colo na pintura de Emma.  Aliás, como não poderia deixar de ser, o filme cumpre a Bechdel Rule sem problemas.  Enfim, o filme é leve, tem humor, é bonito de se ver graças ao figurino inspirado.  Vale as quase duas horas de apreciação.


2 pessoas comentaram:

Você planeja assistir a web série "Emma Aproved"? Eu assistir ela há alguns anos atrás e gostei. Inclusive você pode achar ela legendada.

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