Disse que não faria outro texto sobre Orgulho & Paixão, no entanto, a BBC comentou a novela e eu acabei traduzindo o artigo intitulado Pride and Passion: Jane Austen novels the Brazilian way, porque achei que valia a pena. Traduzi, também, porque a amiga Adriana Sales, professora de inglês, especialista em Jane Austen e sua obra, responsável pela comunidade Jane Austen Society e pelo site Jane Austen Brasil, foi entrevistada para a matéria. É interessante ver o reconhecimento para um bom trabalho e que não causa estranheza para os britânicos verem uma de suas maiores escritoras virando novela.
Orgulho e Paixão: Jane Austen ao estilo brasileiro
Por Matt Sandy
Rio de Janeiro
Otávio parece preocupado e ele deve ficar mesmo; ele está prestes a ser rejeitado por Lídia Benedito |
É Orgulho e Preconceito, mas não como os fãs de Jane Austen conhecem. Lídia Bennet deixa seu noivo no altar, correndo para fora da igreja em busca do Sr. Wickham, o pai de seu filho não nascido.
"Socorro!" grita o Sr. Wickham, que foi enganado e não sabia que ela estava grávida.
"Ele voltou para me resgatar", Lídia exclama para sua mãe, um pouco otimista. "Vamos nos casar e cuidar do nosso menino juntos. Vai ser lindo."
A Sra. Bennet, enquanto isso, quase desmaia.
Você deve ficar preocupado quando sua noiva levanta a saia pronta para correr? Se você é Otávio, então sim. [1] |
A cena vem da novela Orgulho e Paixão, que recentemente terminou sua exibição de seis meses na TV Globo, rede brasileira de televisão. A novela contou com alto investimento e teve várias reviravoltas radicais baseadas em cinco dos romances de Jane Austen, introduzindo sexo, violência e intrigas. "Inspirados em Jane Austen, criamos uma nova história com novos personagens", disse o diretor artístico Fred Mayrink. "Um novo universo que fala claramente para um público de novelas brasileiras."
Semelhanças e Diferenças
De fato, o programa terminou em disputa com os profissionais da classificação indicativa sobre conteúdo considerado explícito para o horário das 18 horas, mas também ganhou elogios pela forma como lidou com as histórias sobre homossexualidade e feminismo. Com 100 horas de exibição para preencher, a novela misturou os romances Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade, Emma, Abadia de Northanger e Lady Susan. O escritor Marcos Bernstein disse que gostaria de ter integrado um sexto romance, Persuasão, mas não conseguiu encontrar um caminho.
Cinco filhas, mas não aquelas que você está esperando... |
Como em Orgulho e Preconceito, a família Benedito ocupa o centro da narrativa e tem cinco filhas que a matriarca Ofélia deseja ver casadas com homens apropriados. E da mesma forma, a personagem principal, Elisabeta, é um espírito livre à frente de seu tempo que é capaz de atrair ou afastar pretendentes. Mas então as disparidades começam. Apenas três das filhas – Elisabeta, Jane e Lídia – são desse romance. As outras duas – Mariana e Cecília – são de Razão e Sensibilidade e Northanger Abbey. A melhor amiga de Elisabeta é Ema Cavalcante, do romance Emma.
"O enredo de Orgulho e Preconceito é ótimo, mas não particularmente complexo", disse Bernstein. "Mesmo uma adaptação para um seriado leva cerca de oito horas. Com o ritmo dinâmico de uma novela, as coisas precisam acontecer rápido. Se eu tivesse usado apenas um livro, ele teria terminado em três dias." Em vez de localizar a trama no interior da Inglaterra do século XIX, Bernstein avançou 100 anos para a era dos ricos barões do café no interior do sudeste do Brasil. "Isso nos permitiu ter esses personagens que são filhos de famílias ricas que não trabalham e vão a festas luxuosas", disse ele. "Na época, a emancipação feminina já estava começando."
Com trajes e cenários luxuosos, a Globo não economizou na novela. |
Considerado inadequado para crianças [2]
Orgulho e Paixão tem cenas que fariam a Srª. Bennet original erguer as sobrancelhas. Em uma delas, o amigo de Darcy, Camilo (Charles Bingley de Orgulho e Preconceito) se inscreve para um clube de luta clandestina. Em outro, sua mãe Julieta supera o trauma de ter sido estuprada por seu marido tendo uma noite de paixão com seu novo noivo. Tais cenas levaram o Ministério da Justiça a rejeitá-lo como impróprio para qualquer pessoa com idade inferior a 12 anos.
Há também diferenças mais sutis na adaptação das personagens inglesas originais. Casais são vistos se beijando e tocando um no outro, mesmo tomando banho juntos em uma cachoeira. "Não é possível tornar os personagens tão reservados ou contidas como no original. Nossa história acontece 100 anos depois", disse Bernstein. "É mais Downton Abbey que Jane Austen." [3]
Na versão brasileira, Darcy desce até a mina. [4] |
Mas a trama central, quando Elisabeta enfrenta um conflito interno ao conhecer um homem rico e aristocrático chamado Darcy, será familiar para qualquer fã de Jane Austen. "Decidimos tentar introduzir elementos mais suaves em seu comportamento", disse o ator Thiago Lacerda. “As pessoas imediatamente entenderam que havia alguma rigidez, mas nosso Darcy era um Darcy mais brasileiro."
Gravidez não é um drama
E a Sr.ª Bennet brasileira também está mais descontraída. Mesmo quando a Lídia engravida, "ela vê isso como algo que vai passar e fazer parte do cotidiano", diz a atriz Vera Holtz. O show também tentou alargar os limites, em uma cena que apresentou um beijo gay que sem precedentes. Em outro, Elisabeta vai a uma festa vestida de calças como declaração feminista.
Um toque moderno, Camilo entra para um clube de luta. |
Os membros da comunidade Jane Austen Society, que tem 4.000 membros no Brasil, aguardaram ansiosamente a chegada da novela. Sua presidente, Adriana Sales, que completou recentemente seu PhD intitulado Jane Austen e seu Fandom Digital, disse que a reação entre os fãs hardcore estava fortemente dividida. "Havia dois grupos separados, aqueles que achavam que era agradável e aqueles que estavam muito desapontados, pois esperavam uma adaptação mais fiel."
Mas, ela pensou, "valeu pois ela disseminou a obra da autora para uma ampla audiência brasileira". Para o diretor Fred Mayrink, "É bonito pegar emprestadas referências culturais de outros países e desenvolver uma história baseada nessa literatura. Jane Austen permeia toda a novela porque ela está presente em seu universo, no seu tom e no dia a dia. dos personagens ".
Reportagem adicional de Shanna Hanbury.
[1] Bem se vê que quem escreveu essa legenda não procurou saber sobre quais seriam as personagens homossexuais da história. A preocupação de Otávio era bem outra e a fuga de Lídia foi um alívio para ele.
[2] O texto comprou a ideia de que a novela realmente tinha um conteúdo sexual exacerbado. A camisa molhada de Mr. Darcy e os fanservices de Colin Firth em Orgulho & Preconceito, ou o tom da versão de Jane Eyre de 2006 não deixavam nada a dever à novela da Globo e eu nem vou meter nesse balaio coisas como Desperate Romantics... Enfim, brincadeira a parte achei que a matéria pendeu para o sensacionalismo aqui.
[3] Definitivamente, não vejo nada de Downton Abbey em Orgulho & Paixão. Até a ideia de um mundo partido entre criados e patrões não se fez presente na trama da Globo. O foco era outro. E nesse aspecto a telenovela se aproxima mais de Austen, pois nos livros da autora, os criados são invisíveis, ou quase.
[4] Acho que há algum trocadilho, ou piada na expressão "goes down the mine", mas não sei explicar. Procurei e não encontrei.
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