Tenho ido muito pouco ao cinema, apesar de ter ido bastante. Explicando, tenho ido ao cinema com minha filha de quase 5 anos, ver filmes para crianças que eu, em condições normais, não assistiria de forma alguma. O último, o que vimos hoje, Cinderela e o Príncipe Secreto (Cinderella and the Secret Prince), era tão ruim que dava até vergonha. Mas foi divertido ver Júlia esbravejando no final e reclamando do filme. Enfim, além dessa belezinha, vou comentar rapidamente (*sim, sem aprofundamentos*) Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível (Christopher Robin), que muita gente me pediu para resenhar, e Pé Pequeno (Smallfoot).
Um ratinho tão educado, só poderia ser o nosso príncipe. Muito óbvio desde o início. |
Vamos começar por Cinderela e o Príncipe Secreto, o último e, certamente, o pior. Temos a história básica da Cinderela, isto é, a menina órfã que é escravizada pela madrasta e as duas irmãs. a dublagem chamou de "meio-irmãs", daí, suponho eu, eram filhas do pai de Cinderela, mas pode ser só um deslize mesmo. A moça, que parece sempre ativa e bem disposta, tem três amigos ratos, um alto e covarde, um gordo e lento de raciocínio (*típico estereótipo gordofóbico*) e um que é doce, gentil e educado (*de cara, se você viu o trailer, já sabe quem é o príncipe*).
Vem o convite para o baile, Cinderela decide ir e nem se preocupa com suas roupas. Nada do drama de não ter o que vestir, de receber trabalho dobrado da madrasta para não ter tempo de reformar vestido velho etc. Ela diz que vai, os ratos sugerem que ela vá atrás da fada madrinha, mas acabam descobrindo uma aprendiz chamada Crystal que está faz tempo, procurando por sua mestra desaparecida. Algumas piadinhas com os problemas de transformação e a incapacidade da jovem feiticeira em transformar o rato-príncipe em um cavalo.
A carruagem é bonita. |
Cinderela vai ao baile, é apresentada com seu nome e cai nas graças do príncipe, um sujeito bem inexpressivo (*até aí, bem igual o da Disney...*), mas há uma terrível feiticeira por trás dessa história, afinal, o príncipe verdadeiro foi transformado em rato quando criança. No palácio, o ratinho recupera suas memórias e recorda se chamar Alex. Há uma profecia que diz que Cinderela seria a moça a quebrar o feitiço, logo, a bruxa má quer se livra dela. A aprendiz descobre uma antiga lenda de que um anel mágico poderia quebra o feitiço pesado jogado no príncipe.
Partem todos, apesar da relutância de Alex, em missão. Dá tudo certo, porque Cinderela é valente, destemida e, claro, boa de coração. O moço se transforma em um belo príncipe. Cinderela e ele cantam um dueto e dançam. Mas temos uma bruxa a derrotar e ela é muito má e poderosa. Cinderela é capturada para que nosso garboso príncipe possa salvá-la. Normalíssimo esse caminho, certo? Clichê. Confronto final. Grande sacrifício do príncipe por sua amada e um final em aberto que deixou Júlia revoltada e me fez gargalhar. Querem que eu conte? Acho que estão pensando em um filme dois.
No trailer e no cartaz, o visual é muito melhor do que no filme. |
Problemas? A parte mais constrangedora do filme para mim não foi nem o roteiro simplório, nem a dublagem de segunda, mas a animação grotesca. Pensem no primeiro Shrek, eu revi dia desses com Júlia, pois é, a animação 3D estava mais ou menos no mesmo nível, acho que ainda mais rudimentar. No trailer não dava para imaginar como a movimentação das personagens era ruim. Os cabelos dos humanos eram uma massa compacta que não se mexia. Enfim, horroroso. Já seria mediano quinze anos atrás, hoje, jogar esse tipo de animação no cinema é uma vergonha. Cumpre a Bechdel Rule, claro, temos Cinderela, a feiticeira que imita a Malévola (*tem até um corvo*) e Crystal. Ágora, ter mulheres em papéis de destaque não torna o filme bom. É somente um caça níqueis que tenta imitar a Disney em vários momentos. Esquecível.
Um pé tão pequeno... |
Agora, Pé Pequeno. Este eu vi com Júlia na semana passada. Da mesma forma que não paguei entradas para Cinderela, porque troquei bônus de um aplicativo, não paguei para ver Pé Pequeno, porque usei os pontos do Premmia da Petrobrás. Essas coisas são úteis nesses momentos, mas até que não me sentiria mal em pagar para ver Pé Pequeno. Assim, não é um desenho que vá mudar sua vida, mas não é ruim, só tem uma mensagem muito otimista em relação à humanidade e, como temos visto recentemente, está difícil acreditar nisso. Vamos lá!
Os Yeti (pés grandes) existem de verdade e moram em uma comunidade acima das nuvens. Todos são felizes, há fartura e tudo mais, porém a comunidade deve pautar sua vida por regras rígidas e inquestionáveis a respeito do mundo, dos rituais para que a vida se renove e tudo mais. Um dia, um jovem yeti chamado Migo vê um avião e encontra um “pé pequeno”, ou seja, um humano. O breve incidente é rápido, o pé pequeno foge em seu paraquedas e o avião cai da geleira. Desaparecidas as evidências, Migo é acusado pelo chefe responsável pelas pedras, onde estão escritas todas as verdades sobre o mundo, de mentiroso. Como ele insiste que viu, é expulso da vila.
O Guardião das pedras carrega o peso da sabedoria e da responsabilidade de forma literal mesmo. |
Ele termina sendo procurado pelos “diferentões” da comunidade, Gwangi, Kolka, e Fleem, um grupo de jovens que ousa questionar, e acredita que os pés pequenos existem de verdade. Eles fazem parte de uma espécie de sociedade secreta e, para a surpresa de Migo, são liderados por Meechee, a filha do guardião das pedras. Migo decide partir em expedição em busca do pé pequeno desafiando a velha crença de que não havia nada abaixo das nuvens.
Ele acaba encontrando Percy Patterson, uma ex-celebridade do Youtube que quer retomar sua fama encontrando o yeti que o pé pequeno visto por Migo relatara ser visto. Migo acaba decidindo levar Percy até o seu povo para provar que diz a verdade, só que isso colocaria em risco todo o equilíbrio da sociedade dos yeti. O Guardião das pedras ainda assim tentará convencer seu povo de que nada existe para além das nuvens. Seria somente uma questão de poder, ou algo mais?
Adolescentes questionadores e cheios de curiosidade pelo mundo além das nuvens. |
Pé Pequeno é um desenho interessante, a animação tem grande qualidade, tudo é muito colorido e os yeti parecem membros de uma mesma espécie, mas são apresentados com uma diversidade de corpos muito legal. Há altos, baixos, mais ou menos cabeludos, magros e gordos. A diversidade é importante, especialmente, em uma animação para crianças pequenas. Outro aspecto do filme é a mensagem positiva já que – e eu não vou dar os detalhes – o filme sugere que os humanos e os yeti são, sim, capazes de conviver em paz, sem se destruírem, ou seja, um passado conflituoso pode ser superado com boa vontade e compreensão. Este tipo de mensagem é muito importante em nossos dias turbulentos, mas utópica demais, eu diria. Para alguns, seria até subversiva, já que desejar a paz e a compreensão do próximo parecem ser sinônimos de fraqueza, ou desvio de caráter.
O filme poderia, também, ser apontado como subversivo pelos conservadores, afinal, Migo e Meechee questionam a autoridade do ancião e lutam pelo direito de fazer escolhas e pensar por si mesmos. Pensamento crítico, questionamento das tradições e da autoridade dos mais velhos, ou seja, ingredientes mais que explosivos. O filme é competente em discutir questões complexas de forma simplificada, isto é, ao alcance das crianças, mantendo-se divertido e sem ser impositivo, também.
Migo tinha que provar que falava a verdade. |
O filme cumpre a Bechdel Rule, mas é centrado em personagens masculinas, Migo, Percy, que recupera sua dignidade, e o Guardião das Pedras que não é de forma alguma um vilão. Aliás, esta foi uma pergunta de Júlia “Esse filme não tem vilão?”. Ao que eu respondi que nem todo filme precisa ter um vilão. Pé Pequeno não é nenhuma maravilha, mas é um bom divertimento. Ah, sim! E tem muita música. A maioria é bem legal.
Amigos reunidos. |
E chegamos ao filme que deveria ser o mais importante desse post, Christopher Robin - Um Reencontro Inesquecível, mas confesso que só o incluí porque várias pessoas queriam minha opinião sobre o filme. Primeira coisa, ao contrário dos dois anteriores, eu queria assisti-lo. Não dublado, claro, mas como iria com Júlia, tenho que me curvar a essas coisas, pelo menos, por enquanto. O ursinho Puff, agora chamado por seu nome em inglês, Pooh, nunca foi uma personagem das minhas favoritas, mas tinha a edição da coleção disquinho com ele quando criança. Segundo, sei que o filme foi muito elogiado pela crítica. Quatro estrelas, acho que foi o mínimo que vi por aí. Desculpem, achei superficial, forçado e piegas mesmo.
A história básica do filme é a seguinte, tudo começa com a despedida de Christopher Robin do seu mundo encantado de infância, o Bosque dos Cem Acres, a caminho do colégio interno. A partir daí, o filme introduz de forma muito competente (*muito mesmo*) acontecimentos da vida da personagem em uma espécie de prólogo, a morte da mãe, a vida adulta, o encontro com sua futura esposa (Hayley Atwell), a ida para a Segunda Guerra, a transformação do menino em homem, agora interpretado por Ewan McGregor, um do tipo que acaba sendo escravizado pelo trabalho, que esquece as pequenas alegrias da vida e que, ainda que faça tudo por sua família, mantém-se afetivamente afastado dela. E, claro, de como o pai tenta encaminhar sua jovem filha, Madeline (Bronte Carmichael), no mesmo caminho de infelicidade que trilha. O reencontro com o ursinho Pooh, que veio em busca de Robin, porque as personagens do bosque desapareceram, é exatamente a chance do reencontro com a criança interior, com as conexões que perdemos com as coisas simples e boas da vida. O sumiço das outras personagens é uma metáfora desse afastamento/esquecimento.
Um mundo de machos, com uma mãe solitária. |
Essa história que descrevi já foi vista e contada várias vezes. O que me incomodou foi a forma superficial e tola. Um vilão caricato e mensagens simplistas sobre o mundo dos adultos e, em especial, o mundo do trabalho em uma sociedade capitalista. Critica-se a forma como o trabalho é organizado, a exploração da mão-de-obra (*algo que causou riso aos japoneses, que invejam o trabalhar demais do protagonista*), sem tecer qualquer crítica ao sistema em si. Outra coisa que me incomodou, é a diversidade, tanto a étnica-racial, quanto a presença de mulheres no escritório de Christopher Robin. Sabe aquela coisa forçada, como se a Inglaterra pós-Segunda Guerra não tivesse racismo? Lembrei da série Small Island da BBC e toda a abundância de boa vontade dos britânicos para com os jamaicanos... Enfim, o que funciona em um Pé Pequeno muito bem, parece falso em um Christopher Robin.
Agora, o que poderia ser mudado e não foi, claro, é a falta de fêmeas no bosque dos Cem Acres. Na fantasia criada por A.A. Milne, pai do Christopher Robin original, em 1926, parece que só havia machos, a única exceção, a mamãe canguru, Can. Daí, a única cena que me chamou a atenção, pelo seu caráter ridículo mesmo, foi quando Robin, agora já reconciliado com sua criança interior, leva a esposa e a filha para conhecer o universo de sua infância e o canguruzinho se espanta e pergunta “O que é isso?”. A mãe prontamente responde “É uma menina.”. Pare e pense no quanto as mulheres são sub-representadas em certos mundos ficcionais a ponto de gerarem essas situações inusitadas e constrangedoras. Como que em uma floresta não haveria bichos fêmeas? Que seja... Cumpre a Bechdel Rule, mas as representações femininas são as mais rasas. O filme é centrado nos machos, Robin e Pooh em especial.
Robin se reconcilia com sua família e reencontra sua criança interior. |
Eu realmente não entendo o que o povo viu em Christopher Robin. Nostalgia da infância, reforçada pela presença de personagens queridas? Crítica ao sistema capitalista? Apologia ao Estado de Bem-Estar Social, já que são criadas as férias remuneradas dentro do filme? Eu realmente não sei. Perguntei para a Júlia de qual dos três filmes ela gostou mais, ela disse do Ursinho Pooh, mas foi incapaz de recontar a história. E eu sei que quando ela gosta de alguma coisa, ela guarda os detalhes e é capaz de recontar o filme em minúcias. Bem, se um dia reassistir ao filme, talvez repense esses comentários, talvez, eu não tenha embarcado na magia da história e tenha sido dura demais com uma película que tinha como objetivo somente aquecer o coração e divertir as crianças.
É isso. Não gosto de escrever resenhas compactas, mas estava deixando passar muitas coisas que assisti com Júlia. Perdi a conta, acho, dos filmes que vi com ela e não resenhei, seja por preguiça, falta de tempo, ou por achar desinteressante mesmo.
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