domingo, 21 de outubro de 2018

Casamento como opção de carreira para as mulheres, ou quando o velho torna-se novíssimo


Estamos entrando em tempos que podem ser sombrios.  Eu, de minha parte, espero estar errada, muito errada, aliás, e me retratar daqui quatro anos dizendo que, sim, o candidato que não será nomeado era injustiçado e fez um bom governo.  Desejo isso por mim, pela minha filha, por todos os habitantes do Brasil, especialmente, por aqueles que sentem mais ameaçados por sua eleição.  Aliás, ele será o primeiro presidente do qual minha filha se lembrará, espero que sua memórias sejam boas, ou neutras, como são as minhas sobre o General Figueiredo, porque de Geisel, não me lembro mesmo.  Enfim, estabelecido isso, é mais um post político e feminista.  Quer fugir dele?  Dá tempo, viu?

O casamento como carreira ideal para as mulheres.
Em 1981, Paulo Maluf, na época governador biônico de São Paulo, disse "Professora não é mal paga, professora é mal casada." Anteontem, no Twitter, li a seguinte frase de uma moça "Não preciso receber o mesmo que um homem, tenho marido para me bancar."  Era uma resposta para a falta de mulheres em uma foto de apoiadores do candidato citado, mas não nomeado, no primeiro parágrafo.  Foi algo dito gratuitamente, como uma ofensa para a outra mulher que fez a observação, mas algo absolutamente conectado com o momento em que vivemos.  A lógica, aliás, é a mesma.  

Mas case bem, case para ser rica, ou
vai trabalhar dentro e fora de casa.
 
Uma mulher bem sucedida, na perspectiva de várias pessoas, ainda é aquela que arranja alguém que a sustente.  Esta não é uma ideia feminista, aliás, as feministas lutaram e muito para que as mulheres pudessem trabalhar em condições igualitárias, seguras, e terem acesso a todos os cargos e profissões.  Vejam bem, não que não pudessem trabalhar, porque mulheres pobres sempre trabalharam, na época da escravidão em nosso país, mulheres nessa condição não eram isentas do trabalho pesado (*"trabalho de homem"*) por serem mulheres, a questão sempre foi respeito, remuneração justa e oportunidades iguais.  Se olharmos para o nosso país quase 50 anos atrás, encontraremos a seguinte situação: "Uma mulher com curso universitário no Brasil em 1970 ganhava em média 41% do salário médio de um homem com diploma. Hoje, o percentual é de 75%."  Um progresso considerável, certo?  Para muita gente, parece que não.

Durante muito tempo, a maioria das mulheres, mesmo pobres,
era estimulada a ver o trabalho como algo temporário,
um bom casamento era a meta de vida.
O problema é que frases semelhantes serão muito ouvidas nos próximos anos. Talvez, inclusive, saiam da boca de políticos, homens e mulheres, alinhados com a futura e provável  orientação do governo federal.  Poderão ser ditas por mulheres comuns, também, e de forma sincera, para quem enuncia, claro, de que casamento é o projeto de vida de qualquer mulher.  Nessas horas, lembro sempre do livro "E o Vento Levou" (*vol.1 e vol.2*), porque a discussão não está no filme, quando Scarlett O'Hara se questiona sobre qual a razão de investir tanto tempo em prendas e disciplina (*aquela série de "não podes"*) para arriscar tudo em uma temporada caçando um marido, duas no máximo, ou será vista como uma encalhada, e depois de casada ficar em um canto com as matronas, mesmo sendo uma moça de 16 anos.  Casar e procriar eram os objetivos máximos da vida de uma mulher burguesa, ou nobre, as demais, sempre tiveram que trabalhar muito, mesmo depois de arranjarem o seu "provedor", ainda que não recebessem por seu trabalho, ou fossem sub-remuneradas.

Scarlett é ótima no filme e no livro, mas algumas
discussões feministas importantes, mesmo ela
não sendo feminista, são feitas no original.
Enfim, o ponto central das duas frases que citei lá em cima é que uma mulher não tem do que reclamar, desde que arrume um marido rico.  Sindicato?  Só as barangas e encalhadas ou mal casadas precisam dessas coisas.  E se precisam, é por culpa delas, ou incompetência.  Aliás, conhecem aquela dito popular "nascer pobre é destino, casar com pobre é burrice"? As duas frases sinalizam, também, uma forma de reafirmar uma visão de mundo arcaica e violenta para com as mulheres, porque depender de alguém é sempre uma forma velada de escravidão.


E, sim, você pode confiar no seu senhor, pode ser o seu projeto de vida  arrumar um desses para que ele lhe chame de sua (*porque o dono é ele*), tal e qual na espetacular abertura do filme "O Casamento do Meu Melhor Amigo", e está tudo muito bom.  no fim das contas, a é escolha sua, desde que tenha em mente que você está assumindo um risco. E mais, se o casamento acabar, a mesma sociedade patriarcal que lhe soprou no ouvido que casamento é carreira, vai dificultar a sua pensão e chamar você de aproveitadora, afinal, você pode trabalhar e ganhar o seu sustento, mesmo tendo, sei lá, negligenciado estudos e carreira formal pelo seu marido e família.  Isso não importa.  Lembram do meu texto "Se Marido não é previdência, esposa não deveria ser empregada doméstica".  Recomendo a leitura.  De qualquer forma, a feminista de plantão está aqui para avisar. Aliás, avisar, não é impôr uma visão de mundo.  Feministas, normalmente, há exceções, claro, só avisam e fazem reflexões e se mobilizam, mas não obrigam ninguém a escolher um caminho X ou Y.  Normalmente, quem está do outro lado é que quer obrigar, discriminar e oprimir, como forma de manter privilégios, os seus, no caso dos homens, ou o do seu senhor, no caso das mulheres.  

Em uma sociedade patriarcal, na qual as mulheres valem
menos, recebem salários menores, tem menos direitos. 
Mãe feliz, é mãe de menino.
De qualquer forma, a gente pensou que iria deixar esses arcaísmo para trás, que O Conto da Aia era somente uma distopia literária e nada mais que isso, mas quem vota em quem tem projeto de levar o país 50 anos no passado, deve assumir o que está fazendo, especialmente, quando será você a ouvir que não merece um salário justo, porque é mulher e engravida. E torça para ter filhos homens, porque dentro dessa mesma lógica misógina, cabe a eles bancar você no futuro. Filhas, neste caso, não servem.  Já eles, os filhos, são uma forma de investimento, sabe? Assim, tipo em Caminho para as Índias e outras novelas exóticas da Glória Perez.  Mas é preciso confiar neles, também.  Mas, você sabe, não é?  Se os filhos e filhas não são bem educados, a culpa, dentro desse mundo ideal, será sua, também.  Quem avisa, amiga é!

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