domingo, 23 de setembro de 2018
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9:42 AM
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Brasil, Clássicos, Feminismo, Literatura, Livros, Mangá-ka, Novela, Polêmica, Questões de Gênero, Shoujo Mangá, TV
Estava no Twitter e sigo uma identidade que posta aberturas clássicas de shoujo anime. Sim, só posta isso e é muito interessante. Daí, apareceu a abertura ao estilo Flashdance de Glass Mask 1984 na minha frente. Foi a primeira versão animada da série que eu assisti. Acredito que boa parte das pessoas que frequentam o Shoujo Café conheceu a série pela animação de 2005. Para se ter uma ideia, há ainda a de 1998 que, pelo menos na minha opinião, é a visualmente mais bonita. Enfim, Garasu no Kamen (ガラスの仮面) ou Glass no Kamen ou Glass Mask, de Suzue Miuchi é uma instituição no Japão.
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Isso aqui é lá do começo do mangá, uma das minhas cenas favoritas. |
O casal principal, Maya e Masumi, um dos maus casais de mangá favoritos, foram inspirados livremente em Mr. Darcy e Elizabeth. Não é o único, aliás, em Hana Yori Dango se dá o mesmo, mas com um Darcy quase delinquente, por assim dizer... Só que em Glass Mask a coisa é tão evidente que quando o anime passou na França, o primeiro, lá de 1984, com o título de Laura ou la Passion du Théâtre, Masumi foi rebatizado de Maxime Darcy. E fazia todo sentido, aliás.
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angústia, culpa, ciúme... |
Se você caiu de para-quedas por aqui e não sabe o que é Glass Mask, trata-se de um mangá shoujo clássico que estreou em janeiro de 1976 (*eu nasci em fevereiro*) e continua em publicação até nossos dias. Não contínua, porque a autora nos tortura com hiatos que podem durar anos. Enfim, a protagonista, Maya, é uma menina comum e pobre de todo jeito, que mora com a mãe viúva que a trata com rispidez e não vê nela nenhuma qualidade. Mas ela tem, a menina tem um talento nato para o teatro e uma persistência que faz com que tenha forças para superar os obstáculos. Ela acaba sendo descoberta por uma velha atriz aposentada, Chigusa Tsukikage, que deseja escolher e treinar uma sucessora que possa assumir o papel que a consagrou, a Deusa Escarlate. Só que Hayami Masumi deseja comprar os direitos da peça, ele é o diretor das empresas de sua família e profundo admirador de teatro.
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Uma declaração de amor no volume 41. |
A proposta do moço é recusada e Maya, que se torna discípula de Tsukikage, termina por dedicar ao sujeito uma antipatia sem tamanho. Ele, por sua vez, finge frieza e até crueldade diante dela, mas se apaixona pela menina (*e se culpa por isso, entre outras coisas por ser dez anos mais velho que ela*) e se torna seu patrocinador secreto. Maya dedica ao seu admirador, a quem chama carinhosamente de "Murasaki no bara no hito", porque ele lhe manda rosas de cor púrpura (murasaki) e paga seus estudos, uma devoção sem limites. As amigas da moça o chamam de "Papai Pernilongo" e faz sentido, também. Com o tempo, Maya termina por tomar consciência de que Masumi não é mau, para seu desespero, passa amá-lo, mas ele é rico, mais velho e tem uma noiva. Eventualmente, ela acaba descobrindo que ele é o "Murasaki no bara no hito"... Algumas cenas chave dos dois foram disponibilizadas nesta página italiana, porque foi a Itália o país ocidental que publicou a obra até onde pode.
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Há poucas cenas assim no mangá. |
Glass Mask, obviamente, não é só isso, como uma boa novela, precisa de trama sparalelas e arcos de história. Eu me foquei somente no romance central, no Darcy X Elizabeth que a autora utilizou como motor da relação entre as protagonistas. A série tem várias peças de teatro (*e eu aprendi um monte de coisas graças a elas*); Maya chega a fazer TV; Masumi tem muitos esqueletos no armário que atrapalham sua vida; Maya arruma um namorado, muito gente boa, e a gente fica vendo o ciúme de Masumi; a antagonista da heroína, Ayumi Himekawa, é uma protagonista a seu modo; e temos, também, a doente terminal mais saudável da ficção, porque a Tsukikage-sensei está morrendo desde o primeiro capítulo do mangá e chegamos no volume 49 e nada.
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E tome sofrimento por 43 anos... |
No pé onde eu estava quando interrompi a leitura, porque não gosto de ser torturada e Suzue Miuchi é cruel, só faltava mesmo resolver o rolo desses dois. Masumi não pode romper o noivado, porque se trata de um acordo de famílias. Ele, como filho adotivo, deve muito ao pai, ainda que esse mesmo sujeito o tenha tratado com imensa crueldade. Assim sendo, caberia à noiva dele, que parece ser uma pessoa sensata, romper o enlace. Nem sei se isso já rolou, porque só retomo esse mangá quando a autora tomar vergonha e decidir terminar.
Você não precisa de 43 anos para desenvolver uma relação ficcional, não mesmo, mas o autor de Orgulho e Paixão poderia ter feito muito melhor com seu Darcy e sua Elisabeta. Um dos pontos baixos da novela, que termina na segunda-feira, é que o autor da novela, que desenvolveu de forma tão correta o amor de Luccino e Otávio (💚💚💚💚)
, ou mesmo a relação de Aurélio e Julieta, desenrolando esses dois romances ao longo de meses de trama, tratou o romance dos protagonistas com muita negligência. Não se fez contraste entre Darcy e Elisabeta, porque o rapaz sempre foi muito mais simpático e emotivo do que seria desejável, a um inglês, a um Mr. Darcy e mesmo aum homem de sua época.
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O par combinou quase que imediatamente. |
Poderiam tê-lo colocado sisudo e sendo derretido com o tempo. Os dois poderiam ter desenvolvido admiração e respeito um pelo outro antes de se lançarem nos tórridos beijos, mas não foi assim. Já a mocinha, assim como a original na qual foi inspirada, poderia descobrir que julgara mal o caráter de Darcy. Tudo foi atropelado e não foi culpa dos atores. Eles combinaram muito bem e foram competentes defendendo seus papéis, foi problema de roteiro mesmo.
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Para quê esse beijo na primeira semana? |
Eles se beijaram na primeira semana. Elisabeta nunca teve outro interesse romântico no horizonte, já que Wikham nunca existiu de fato, mesmo o obstáculo da vida profissional nunca se desenhou de forma consistente. Logo de saída, tentaram Ernesto como ponta do triângulo, mas a química entre ele e Ema foi mais forte. E nem adianta alguém vir com o papo que era planejado, porque novela é obra aberta e a gente percebe bem quando se faz uma mudança de rumo para o bem, ou para o mal. Da mesma forma, Susana nunca foi uma ameaça real ao casal, seja porque a personagem de Alessandra Negrini nunca exerceu fascínio ou outro sentimento qualquer sobre Darcy, seja porque suas armações eram capengas demais. Ela nunca conseguiu ser nem Lady Susan, nem Caroline Bingley, mas foi um excelente Dick Vigarista.
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Susana nunca foi uma opção para Darcy. |
De resto, a mocinha começou chata, gritalhona, mal educada mesmo e eu me desgastei um dia no Twitter com uma moça que disse que Lizzie Bennet seria exatamente assim se ganhasse forma no século XX. Aquela velha confusão de que para ser forte, uma personagem feminina precisa ser mau humorada e autossuficiente em tudo. Não precisa, nem deve. Mas a mocinha melhorou consideravelmente, e foi convertida em uma super justiceira no quinto final da novela. E a culpa não é de Elisabeta, ou de Nathália Dill, é do autor da novela. Personagens ficcionais são criações dos autores e não tem vida própria, ou autonomia. Ainda que algumas personagens nos encantem tanto, ou nos causem tanta raiva, a ponto de as considerarmos quase pessoas reais, elas não são. Daí, faltou a Marcos Bernstein um pouco de "razão e sensibilidade" e uma pitada a mais de "orgulho e preconceito" ao tratar de seu Darcy e sua Elisabeta. Um beijo na primeira semana, o romance muito precoce dos dois, tudo prejudicou o brilho do par.
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Aurélio e Julieta tiveram um desenvolvimento como casal que os protagonistas não receberam. |
Agora, um momento muito importante dos dois que eu não comentei na época certa, aconteceu lá pelo capítulo 100, um pouco antes até, foi o pedido de casamento que Darcy faz a Elisabeta sem consultá-la. Ele vai direto aos pais da moça, porque ela, como mulher, é uma peça a ser passada do patriarca para o marido. E, legalmente, era isso mesmo à época. Ele, Darcy, lhe daria a honra de ser sua esposa. A recusa da moça gerou certa comoção. Eu, de minha parte, achei ótimo, primeiro, porque uma mulher, em especial uma mocinha como ela, não é coisa para ser "pedida" sem seu consentimento, segundo, porque deveria ter sido consultada antes e não exposta na frente de todos, terceiro, porque ela queria poder escolher inclusive se desejava continuar namorada ou amante, como queiram, sem ter que virar esposa.
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Já Luccino e Otávio tiveram quase três meses para desenvolver o seu romance. |
Aliás, poucas coisas me parecem tão abusivas em um relacionamento do que aqueles pedidos públicos de namoro, casamento e por aí vai. O sujeito é bonzinho, ou parece ser, acha que está concedendo uma grande honra a uma mulher, afinal, qual de nós não tem dois desejos máximos? O casamento e a maternidade? Como uma mulher, especialmente se muito jovem, rejeita publicamente um cara que chega com um lindíssimo buquê de flores e um anel e a pede na frente de sua família, ou de uma multidão? Dia desses aconteceu uma coisa assim no meu trabalho, onde, a rigor, namoros não são permitidos. Temos quinhentos alunos só no terceiro ano e foi na hora da saída que um ex-aluno abordou uma das meninas. Lindo? Não. E se fosse um casal homoafetivo nunca seria permitido o espetáculo. De resto, qualquer mulher que rejeitasse um cara com um monte de flores na frente de uma pequena multidão seria vista como malvada, talvez, chamada de vadia e ingrata.
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Eles passaram boa parte da trama como um casal sem conflitos algum que merecesse o nome. |
Enfim, aquela cena, para mim, foi a síntese do crescimento de Elisabeta e da sua construção como mulher livre e, sim, elas existiam em tempos passados, ainda que fossem minoria e, não raro, pagassem caro por não querer se casar, por transar com um homem sem estar unidas pelo matrimônio, por desejarem uma carreira, por terem filhos fora do casamento e os assumirem diante da sociedade. Elisabeta ama, mas não aceita ser tratada dessa forma convencional e, sim, machista. Ela ama, mas tem prioridades outras, como a carreira, e não quer ser esposa ainda. Ela ama, e o cara é legal, mas não é legal ser exposta na frente de uma multidão. Talvez, pouca gente tenha dado crédito para essa cena que, a meu ver, foi uma das melhores mensagens de empoderamento que o autor passou. E ele passou muitas, algumas de forma muito chapada, outras, como no pedido de casamento, de forma sutil, porém direta.
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Muito romance e pouco orgulho, ou preconceito. |
Concluindo, porque acabei de ver o penúltimo capítulo e vi muita gente criticando a mocinha e outros a defendendo. Olha, o autor pode ter exagerado nas doses de discursos engajados e de ações heroicas (*algumas impensadas*) da protagonista, mas ela fez o que tinha que ser feito no caso da bomba. Pegou o troço e jogou pela janela. Aliás, bomba que aprecia de desenho animado, mas para quem não notou, desde o início a novela tem um pé nas princesas e vilãs da Disney, já teve capítulo que parecia homenagem à Corrida Maluca e o de ontem me fez lembrar de Os Apuros de Penélope. Foi ruim? Não.
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Se quiser uma adaptação de verdade de Orgulho & Preconceito, pegue da da BBC de 1995. |
De resto, a gente está careca dever o herói de filmes de ação resolvendo tudo sozinho e ninguém, ou quase ninguém, reclama. Mas é mulher, então, vira uma ofensa, ela vira uma chata intrometida, tudo se torna inaceitável aos olhos de certos segmentos do público Parem para refletir sobre isso. E eu não curto esse tipo de personagem resolve tudo, faz tudo, tem resposta para todos os problemas do mundo, enfim, mas há nítida diferença no grau de tolerância quando o arrogante-destemido-fodástico é um homem e quando é uma mulher. Elisabeta não precisava andar em cima do trem. Não precisava, mesmo, mas o único homem em condições físicas de fazê-lo era o Camilo e vocês, que vêem a novela, sabem que se o povo dependesse dele, o trem explodia. Mais textos sobre a novela virão, um deles amanhã, sem dúvida.
P.S.: Se você quiser textos sobre a novela, há vários. Alguns que eu achei em uma busca superficial, um deles é sobre o final de Sinhá Moça, mas comenta um incidente de Orgulho e Paixão são esses 1a - 1b - 2 - 3 - 4 - 5 - 6 - 7 - 8.
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