quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Muito Além do Mangá: Comentando "Qual o Problema com as Mulheres?" de Jacky Fleming


"Mulheres podem ser gênios, ou suas cabeças são pequenas demais?  Por que na escola só aprendemos sobre duas três mulheres?  O que todas as outras estavam fazendo?"
Passando pela Livraria Cultura no domingo, eu encontrei na seção de História, não na de quadrinhos, um livro intitulado "Qual o Problema com as Mulheres?", de Jacky Fleming.  Eu peguei curiosa com o título e comecei a folhear.  Eram cartuns satíricos ilustrando os mil obstáculos que as mulheres enfrentaram no Ocidente ao longo se séculos.  Lendo a orelha, vi que se tratava do vencedor Prêmio Artemisia em 2017 na categoria humor.  Não sabe que premiação é essa?  


As mulheres de posses que tinham irmãos,
podiam bisbilhotar as aulas, mas os cabelos
atrapalhavam, porque cobriam as orelhas. 
O Prêmio Artemisia foi criado em 2008 por quadrinistas francesas para premiar mulheres, afinal, é muito, muito fácil, como o próprio "Qual o Problema com as Mulheres?" mostra, os homens não vão se preocupar em olhar o trabalho das mulheres.  Aliás, há um cartum no livro que os homens prontamente identificavam os problemas de uma obra de arte tão logo descobriam que a autora era uma mulher.  Não foi por outro motivo que as Irmãs Brontë assinaram como nomes masculinos os seus romances, só se revelando muito mais tarde.
Exclusão, silêncio e homens sábios para dizer
que nem adiantava ensinar nada às mulheres.
"Qual o Problema com as Mulheres?", cujo nome em inglês é The Trouble With Women, é uma coletânea de cartuns publicados no The Guardian.  A autora debocha das limitações impostas 'as mulheres, expõe as falas vergonhosas e misóginas de gente como Darwin, Rousseau (*arroz de festa esse aí, mas...*),  Schopenhauer, Charcot, Freud,  Barão de Coubertin, Ruskin... (*esse daí é outro...*).  Conta-se a história de algumas mulheres notáveis, mas ignoradas pelos livros de História, normalmente.


A esfera doméstica... 
Como professora de História e feminista, sei bem o que é esse silenciamento.  Como é difícil romper com certas resistências para, simplesmente, mostrar que a humanidade não é composta somente por homens e o resultado?  Algumas meninas se sentem FINALMENTE parte da tal da História.  Aliás, se coisas como o Escola Sem Partido forem adiante, será mais difícil ainda.  Fleming fala que as mulheres estão se esforçando para tirar suas antepassadas do "lixo da História".  E é isso mesmo.  Como se dizia na Grécia Antiga "das mulheres, é melhor que delas nada se fale".  Daí você não fala, não escreve, não deixa que elas escrevam, daí, diante dos vazios, diz que elas não fizeram nada, nem são capazes.
Por que não se fala das mulheres nas aulas de História?
Quantas mulheres não tiveram seus trabalhos apropriados por homens, aliás?  Em alguns casos, não foi por mal, afinal, com a assinatura de um homem, eles poderiam ser publicados.  Mas nunca se esqueçam que quem definia essas regras eram os próprios homens.  E ainda vinha um escroto como o Ruskin  (*e a autora nem mergulha na pedofilia do cara...*) dizer que "(...) o intelecto feminino não serve para inventar ou criar... Sua maior função é elogiar.". Eu não gosto do Ruskin, como não quero explicar, recomendo minha resenha de Desperate Romantics, porque ela é introdutória ao meu desprezo.
O tal "Lixo da História".


Regatando umas as outras do "lixo da História".
Em "Qual o Problema com as Mulheres?" fala-se de questões raciais, de classe.  Sabe a castração que as mulheres burguesas sofriam, porque não eram feitas nem para estudar, nem para os esportes, nem para os trabalhos pesados, porque eram mulheres.  Daí, olhem as mulheres pobres, aquelas que sempre trabalharam.  Elas eram tão fortes e exploradas quanto os homens pobres.  "Ah, mas você não vai querer ter mãos de homem, não é?".


O resgate precisa continuar.
O humor da autora é ácido.  E, com certeza, funciona melhor em inglês, no entanto, a edição da L&PM ficou muito boa.  A tradução funciona, há notas.  Ah, sim, no fim do volume há biografias de todas as mulheres citadas na obra, o que é fundamental.  Das apresentadas, acho que só havia umas quatro que eu não conhecia.  Senti falta, porém, de que a autora tenha colocado na biografia da Marquesa de Châtelet, Gabrielle Émilie de Tonnelier (1706-1749), que ele foi a tradutora das obras de Isaac Newton para o francês.  E, sim, o livro não fala de mulheres-soldado, trata-se de outra lacuna.


Os homens e seus tipos de barba. 
É uma fonte de referência para
discussões dentro da obra.
É isso, mais um título para a série Muito Além do Mangá.  Vale a leitura, mas é coisa rápida, 1h no máximo para terminar o material.  E é possível utilizar alguns cartuns para discussões sobre gênero, mulheres na ciência, esportes e literatura.  foi uma grata surpresa.  É um livro importante e necessário e a L&PM está de parabéns.  Se você comprar pelo link do Amazon, ajuda o Shoujo Café a se sustentar.  Está menos de 20 reais e eu paguei bem mais na Cultura... Ai! 

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