segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Algumas palavrinhas sobre a primeira semana da novela O Tempo não Para


Assisti a primeira semana da nova novela das sete.  Bem, que dizer?  Não via um primeiro capítulo de novela tão bem amarrado fazia tempo.  A cenografia e fotografia estavam muito bonitas.  O figurino meio realista, mas com algumas liberdades funcionou muito bem.  A ideia de marcar as diferenças com texto e costumes do século XIX, mas com uma trilha sonora dos nossos dias não causou estranheza, mas deu uma dinâmica especial ao episódio.  E a história do iceberg?  Poderia dar tudo errado, mas funcionou.  

A maior suspensão de descrença da novela é o interesse do governo brasileiro, que suponho ser este que aí está, por pesquisa científica e da iniciativa privada brasileira em nela investir de coração aberto.  Uma outra cítica que faço, esta como historiadora incomodada, é que as personagens de Edson Celulari e Juliana Paiva, as que tiveram maior destaque até agora, pensem que qualquer negro ou negra é um escravo.  A família estava em 1886, a escravidão prestes a terminar, e não são capazes de supor que um negro possa ser forro, ou livre.  

A lavagem da honra de Dom Sabino é central no primeiro capítulo.
A personagem de Edson Celulari é bem contraditória, aliás.  Moderno, interessa-se por tecnologia e forneceu uma educação masculina, ainda que no ambiente doméstico, para as suas filhas.  É um empresário de visão e múltiplos negócios, bem diferente da média da época, mas escravocrata em um momento no qual a instituição estava mais que condenada. Era possível ser monarquista e, ao mesmo tempo, abominar a escravidão, afinal, a própria família imperial sinalizava fazia tempo que seu desejo era abolir a prática no país.  Enfim, essa parte é ruim.

A própria Marocas, uma abolicionistas às escondidas, chama Damásia (Aline dias) de amiga e, ao mesmo tempo, mucama de estimação.  Comparem, se quiserem e puderem, a atitude dela com a de Sinhá Moça.  A arrogância, a superioridade, a certeza de que como branca sabe o que é melhor para os negros e negras é uma coisa, mas a personagem de Lucélia Santos jamais se referiria a Adelaide, interpretada por Solange Couto, que está na novela das sete, como se fosse um bichinho de estimação.  Já Marocas tem esse tipo de atitude com todos os seus escravos.  Não é fofo, não é demonstração de carinho, menos ainda de respeito, é outra coisa muito diferente disso...  

Marocas acorda do lado de um homem "nu" e reage.
Falando da Marocas, que é, para mim, a coisa mais legal da novela até agora.  Gosto da Juliana Paiva desde a Fatinha de Malhação, aliás, assistia a novelinha para vê-la como a periguete adolescente de bom coração.  Observando sua Marocas, acho que ela tem tudo para brilhar muito como protagonista dessa história dos congelados no tempo.  O problema é esticar esse choque cultural por muito tempo.  Se O Tempo Não Para fosse um seriado com um capítulo por semana, acho que seria garantia de um sucesso duradouro, sem barriga.  Do jeito que está, acho que, mais cedo, ou mais tarde, teremos alguma enrolação.  Torço pelos autores, que tenham recursos para segurar a história.

Falo isso, porque se as personagens do passado parecem muito interessantes e divertidas, as do presente, algumas delas, me são bem clichê e até chatas. Exemplo maior, já que parece juntar ambas as coisas, é a Betina de Cleo Pires.  A namorada possessiva, egoísta e barraqueira.  Será que bem mais velha, também?  Eu realmente não consigo olhar para o Nicolas Prattes e não ver um garoto de 21 anos.  Ele não é ruim, mas o papel talvez pedisse alguém mais velho.  Segundo o Maurício Stycer do UOL, o primeiro escalado era o Klebber Toledo, um cara de 32 anos.  

Samuca apaixona-se perdidamente por Marocas. 
Acho a personagem do rapaz superficial e forçada.
O ator mais velho daria mais legitimidade a uma personagem que é apresentada como um dos jovens empresários mais ricos do país.  Aliás, eu gosto da interação de Prattes com a Juliana Paiva, desde que esqueça que ele é o tal empresário poderozão, quando ainda deveria estar na faculdade.  Se ainda o apresentassem como um gênio, tipo o sujeito que terminou o doutorado com 14 anos de idade, mas não é o caso.  Daí, acho profundamente irritante as partes em que ele está na tal empresa moderninha e exigindo, porque um cara poderoso assim não pede, claro, que lhe chamem de Samuca, mesmo os desconhecidos.  

Tendo visto cinco capítulos, a gente consegue formar opinião e mudar de ideia a respeito de algumas personagens.  Não gostei da Carol Castro, que faz uma militar, no início, não entendo o namoro de uma mulher com um sujeito como o Elmo (Felipe Simas), mas as cenas da personagem com a mãe, a hipócrita e fofoqueira, Solange Couto, ficaram ótimas.  Aliás, o discurso de crítica à ditadura militar se faz presente no texto da novela em vários momentos, nos diálogos de mãe e filha, afinal, Coronela é saudosa da ordem, moralidade e disciplina de outros tempos, enquanto a mais jovem retruca que não era bem assim, ou entre Samuca (*ai, esse apelido...*) e outras personagens supostamente autoritárias.  

Mas, para muita gente, o que importa é que
os dois atores formam um lindo casal.
O conflito, no caso dele, é o destino dos congelados, especialmente, Marocas, mas fica evidente o tom "sabe com quem está falando" do jovem bilionário, que me faz lembrar do Bial falando da biografia de Roberto Marinho e de como ele teria "peitado" a ditadura (*que ajudou a instalar*), ligando direto para o presidente da época  (*Costa e Silva? Médici?*) e dado um ultimatum "Nos meus comunistas ninguém mexe!". Altamente democrático, só que não, é somente uma demonstração de (*abuso*) de poder mesmo.

Outra que não gostei de cara, Christiane Torloni, me pareceu melhor quando estava interagindo com Marocas, as duas tiveram cenas muito legais.  Daí, vocês já devem ter percebido meu problema com a trama, se os congelados estão em cena, ela funciona, só que nos capítulos 2 e 3, eles mal apareceram.  Espero que Torloni esteja só usando o picareta Laércio.  Aliás, tem sobrenome esse moço, não?  O ator está registrado na página do GShow somente como Micael.

Rosi Campos só apareceu no primeiro capítulo.  
Uma grata surpresa foi ver Cyria Coentro no elenco.  A primeira cena dela, acho que foi, pelo menos, já deu o tom da personagem, uma mulher pobre, batalhadora, com princípios morais rígidos e que criou os filhos com muito sacrifício, mas vê um deles, a filha, se desencaminhando.  Aliás, a novela tem muitas mulheres fortes, ou decididas, cada um a sua maneira.  As discussões sobre papéis de gênero já apareceram com muita força na primeira semana e devem continuar, especialmente, ressaltando o choque cultural dos congelados.  Já o vilão principal da trama é um homem, Emílio (João Baldasserini), mas ele ainda não me convenceu, por assim dizer.  Eva Wilma, a cientista, está em uma posição vilanesca, não sei se vai ter maior mobilidade dentro da trama.

De resto, o elenco negro é grande.  Miton Gonçalvez é sempre prazeroso de se ver trabalhando, vai interagir diretamente com a personagem de Celulari, mas a coisa de ser catador me pareceu forçada.  Poderiam tê-lo colocado em outra profissão humilde, mas menos subalterna, por assim dizer, até porque, ele tem uma casa muito boa, sustentou os netos e filhos em escolas particulares, ao que parece.  Aliás, na relação dele com a neta, que foi demitida da empresa do moderninho Samuca sem que ele soubesse, fica evidente uma crítica ao serviço público.  quando alguém de tão poucas posses seria levado pela neta super-consciente para um hospital particular?  Com qual dinheiro?

Fingir que morreu para não morrer, rendeu
uma das melhores sequências do capítulo 1.
Não sei o motivo de não listarem (*GShow e Wikipedia*) entre os atores da novela Sérgio Menezes dos Reis, que apareceu bastante como o médico que atende Marocas.  Imagino que seja uma participação especial.  Foi dele duas cenas complicadas, uma quando ele concorda com Samuca sobre o fato de ter sido deus a salvar a moça.  Seria mais interessante se ele meneasse a cabeça, mas, sei lá, se não concordasse o empresário, talvez, seu emprego estivesse por um fio.  Mais adiante, ele aceita ser confundido com um escravo por Marocas, de novo, sem resistência e para se submeter a uma vontade do empresário.  

Como pontuei lá em cima, é forçado que gente de 1886 não fosse capaz de imaginar que um negro, ainda mais com aquela postura, não pudesse ser um homem livre.  De resto, a São Paulo da Globo não consegue colocar orientais e seus descendentes em cena, quando basta andar pelas ruas e você os vê aos montes.  Ninguém notou a ausência?  Eu notei.  Continuarei assistindo?  Não sei.  Não sei mesmo.  Quero ver as outras personagens acordarem, quero ver suas reações, como irão lidar com a questão dos escravos, enfim... De qualquer forma, estou assistindo muitas novelas.  Estou atrasada em Orgulho & Paixão.  Sinhá Moça, ainda bem, caminha para o fim.  Queria acompanhar Jesus da Record, até por eles terem a coragem de colocar os filhos de Maria e José, jé que é ponto de divergência inegociável entre os católicos e boa parte dos evangélicos e protestantes, mas não tenho tempo para tanto.  

Semana que vem, pai e filha irão se reencontrar.
Finalizando, O Tempo Não Para teve uma audiência recorde em seu primeiro capítulo, foi merecido e a melhor desde Cheias de Charme.  Não sei como ficou a média da semana, houve queda no terceiro capítulo, que, junto com o segundo, me pareceu muito chato, mas acredito que a ansiedade em ver as reações dos congelados vá garantir boas médias nos primeiro capítulos.  Ah, sim!  Houve uma referência 'a O Tempo Não Para em Orgulho & Paixão.  Elisabeta e Darcy comentavam os 25 anos do desaparecimento do Albatroz, o navio de Dom Sabino.  Infelizmente, derrubaram o meu vídeo do Vimeo e não achei em outro lugar, mas deve estar no Youtube.

2 pessoas comentaram:

Achei o primeiro capítulo ótimo e percebi alguma influência de Wes Anderson nas cores, cortes e montagem, mas pode ser só viagem minha.
Infelizmente só curti o primeiro capítulo mesmo, no terceiro deu pra mim. Além de não ter gostado de nenhum personagem contemporâneo, com exceção da família do Milton, a relação racial da novela me incomoda terrivelmente, não vi contestação dos personagens negros ao serem reduzidos à imagem de escravos, nenhum fica ofendido, nenhum age de maneira irritada. Fora que não aguento mais o maravilhoso Milton nos papéis de homem ultra humilde. Sei lá, parece só racismo velado travestido de texto provocador.
Acho que preferia a família boazinha abertamente escravocrata e evoluindo pra uma nova visão de mundo, soaria menos hipócrita, ou ainda melhor, uma das escravas como protagonista. Nos moldes que tá um contraponto poderia ter sido feito tendo um Samuca negro, seria uma dinâmica muito mais interessante com essa mocinha.
Fora isso o texto em si me incomodou também, a sequência de apresentação de Samuel como grande empresário descoladinho e socialmente engajado foi escrita de um jeito tão forçado que eu comecei a rir. Fora Eva Wilma dando as credenciais de grande cientista várias vezes em toda cena.
Tomara que seja só má interpretação da minha parte, gosto da maioria do elenco, a premissa é interessante e estou curiosa sobre a reação dos outros ao acordar, provavelmente voltarei pra ver quando acontecer e espero mudar essa impressão inicial.

R.Reis, concordo basicamente com tudo. Talvez, eu tenha mais paciência, mas tudo o que você colocou está corretíssimo.

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