Amanhã, quando já estiver em casa, farei um relato do IV Fórum Nacional de Pesquisadores em Arte Sequencial (FNPAS). Não estive no último dia, mas dois dias foram bem interessantes. No evento foram lançados alguns livros, todos sobre discussões teóricas e análises relacionadas aos quadrinhos, fanzines e alguns álbuns. Uma das coisas legais do FNPAS é que ele promove o encontro de pesquisadores com autores de HQ. Alguns autores de livros já lançados estavam à venda e o objetivo desse post é fazer uma rápida resenha de um deles: Como Escrever Quadrinhos, de Gian Danton.
O livro Como Escrever Quadrinhos não é um guia ou um manual padrão, o interessante dele é ser um relato de carreira, Gian Dalton, que também é Ivan Carlo Andrade de Oliveira, professor da Universidade Federal do Amapá, oferece um material que combina dicas de quem é experiente na área com sua própria experiência pessoal. é como um relato de viagem pelos percalços da escrita de quadrinhos em um país que oferece condições tão difíceis aos profissionais da área. Aliás, tirando pelo próprio autor, a gente pode mostrar que é complicado ser exclusivamente quadrinista - roteirista, desenhista, ou ambos - em um país como o nosso.
O outro livro do autor. Está esgotado. |
O livro é acessível e de fácil leitura. Li em duas horas e meia de viagem de ônibus, mais ou menos. Caminho de Macaé para o Rio. O livro serve tanto como um manual, embora não no stricto senso da palavra, quanto uma espécie de memorial. Em primeiro lugar, o autor fala da carência de materiais que tratem da questão do roteiro das histórias em quadrinhos (*ele tem outro mais técnico publicado anteriormente*), explica que não é a mesma coisa escrever para TV, para o cinema e fazer HQ. Na breve apresentação que fez do seu livro, Gian comentou como muita gente quer pautar sua escrita de quadrinhos por manuais como o do Doc Comparato. Eu,uma frustrada nessa área, tenho esse livro e outros tantos.
O livro oferece um passo-a-passo no processo da criação de um roteiro. Do argumento inicial, o plot, que não deve exceder um parágrafo (*Takemiya Keiko disse o mesmo em uma entrevista e ainda disse que deveria ter no máximo 5 linhas*), passando para o plot decupado, uma ampliação desse primeiro resumão da história, até o roteiro. Este pode ser completo (*full-script*), ou Marvel Way, algo mais livre. A questão é sempre a parceria entre o roteirista e o desenhista. Mais liberdade. Mais detalhismo. Como será? Quem dança ao ritmo de quem?
Muitas das parcerias do autor foram com Joe Bennett. |
O livro também se demora na necessidade de explicar como desenhista e roteirista precisam se complementar. Aqui, cabe a crítica, o autor não pensa deforma séria a possibilidade de um autor completo. Ele vê o mercado de HQ pela ótica americana e brasileira. O mercado mainstream americano divide as funções, o brasileiro costuma fazê-lo, também. O autor opina que em nosso país, um artista faz tudo, porque precisa ganhar o máximo de dinheiro possível em um mercado que paga pouco. Pode ser, mas nem sempre é assim. Há uma geração formada lendo mangá para quem desenhar e roteirizar é um trabalho só. Fora que é estranho não citar Will Eisner, pelo menos, para mim.
No fim das contas, o autor irá explicar, é preciso entender que o quadrinho oferece limitações e possibilidades que o diferencia de outras mídias. A elipse, a possibilidade de não dizer e, ao mesmo tempo, permitir que o leitor imagine, é uma delas. A necessidade da síntese, do uso cirúrgico das palavras, é outra. Quadrinho não é literatura, ainda que seja - aqui sou eu dizendo - de alguma forma. O tratamento precisa ser diferenciado.
Turma da Tribo, que contou com a arte de Ricardo Manhães |
O livro oferece exemplos consistentes dos fundamentos que apresenta. Cita HQs famosas, ou nem tanto. Dá exemplos visuais do que está sendo explicado. Oferece um glossário e sugestões de leitura. De novo, mangá não parece estar muito no radar do autor, porque o exemplo oferecido é o básico de quem não lê mangá, mas leu, pelo menos, um mangá, O Lobo Solitário. De qualquer forma, essas minhas críticas são pontuais, a leitura é válida, especialmente, para quem quer entender o processo de criação de roteiro, personagens, certas questões básicas, mas que muita gente não domina e sai por aí querendo publicar.
Agora, passando para o livro, o material gráfico, eu vi problemas. Há muitos momentos em que temos problemas de revisão. Uma letra "l" faltando em original, muitas palavras que aparecem grudadas aqui e ali. A qualidade de algumas imagens é problemática, também. Fazia tempo que não comprava um livro da brava editora Marca de Fantasia, especializada em livros da área de quadrinhos e que publica material que as grandes editoras recusariam, material muito bom, diga-se de passagem, então, não lembro se esse problema existe em outros livros dele. Vou checar em casa. De qualquer forma, eles poderiam ter dado um melhor tratamento ao livro.
Exploradores do Desconhecido, parceria de Gian Danton e Jean Okada |
É isso. Recomendo o livro. E concordo com o autor, para escrever é preciso ler. Para escrever quadrinhos, precisamos ler quadrinhos. Enfim, conheci pessoalmente o autor e o considero competente e simpático. Há uma entrevista com ele no site Deus no Gibi. O livro tem um preço bem razoável e pode ser comprado na página da editora.
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