Talvez, você seja muito jovem e não se lembre da famosa Coleção Vaga-Lume, da Editora Ática. Ela reunia romances nacionais juvenis e, alguns, até discutindo temas mais adultos (*para nossos tempos limitados*). Era leitura obrigatória na maioria das escolas nos anos 1970 até o início dos anos 1990. Meu irmão adorava, eu, odiava. Preferia ler clássicos internacionais recontados da Ediouro, a querida Coleção Elefante, ou a coleção Veredas, da Editora Moderna, que tinha histórias mais atuais, como as aventuras dos Karas.
Pois bem, um dos livros mais amados da Coleção Vaga-Lume era Éramos Seis, de Maria José Dupré, de 1943. O livro narra a história de Dona Lola, a protagonista, seu marido, Júlio, e seus filhos, Carlos, Alfredo, Julinho e Isabel. Eu nunca quis ler o livro, meu irmão leu e releu. A história começava nos anos 1920, com as durezas enfrentadas pelas famílias pobres urbanas da época. O patriarca morria. Dona Lola seguia sacrificando-se para criar os filhos. Carlos era esforçado, responsável, estudioso, o apoio da mãe e teve que abrir mão de seu sonho (*ele queria estudar medicina, mas só havia cursos privados e muito caros*) pelo bem da família. Alfredo era o moleque danado, depois jovem rebelde, que termina seguindo com os Pracinhas para a Itália. Julinho, o caçula e favorito da mãe, Isabel, a queridinha do pai, ambos abandonam Dona Lola, viram-lhe as costas por um motivo, ou outro. Por exemplo, Isabel apaixona-se por um homem separado. Prefere seguir com ele.
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O livro já foi adaptado várias vezes. Para o cinema, em um filme argentino de 1945. A partir daí, tivemos quatro telenovelas baseadas em Éramos Seis: 1958, 1967, 1977 e 1994. Daí, vocês tiram a importância da obra. Compare com outros grandes sucessos de público, como livros como Orgulho & Preconceito, ou Jane Eyre, ou, no campo das telenovelas, a importância de Coração Selvagem entre nossos vizinhos latinos. Não falo de qualidade, embora desafio alguém a atacar Éramos Seis dentro daquilo que o livro se propõe, mas aceitação e certeza do sucesso.
Eu só assisti a versão do SBT, a de 1994. A versão da emissora utilizou o roteiro de Sílvio de Abreu e Rubens Edwald Filho, o mesmo de 1977. Comprou os direitos e executou a melhor telenovela da editora. Sucesso de público e de crítica, fez uma reconstituição de época em termos de costumes e figurinos, além de fazer uma abordagem da História do Brasil, a partir do olhar dos paulistas, que fique claro, quase impecável. Até o núcleo rural da trama, puxado por Osmar Prado e Denise Fraga, funcionava bem.
A família de 1977, na primeira fase. |
Nunca vi representação de uma família patriarcal pobre tão bem feita como a de Éramos Seis. Algumas sequências ficaram grudadas no fundo da minha mente. E a novela não fez concessões às sensibilidades modernas. Exemplos? O pai batia nos filhos. O pai exigia submissão da esposa e era autoritário. O romance da filha com um homem desquitado não foi tratada como coisa de menor importância. Era uma novela realista, ainda que com humor e crianças (*na primeira fase*). Foi nessa novela que vi Tarcísio Filho (Alfredo) mostrando o talento que, na Globo, não conseguia exibir.
Enfim, os direitos do roteiro expiraram e, segundo o jornalista Nilson Xavier, a Globo comprou seus direitos. Haverá uma outra adaptação em breve com base nesse roteiro. Só que a Globo comprou, também, os direitos do livro. Resultado? O SBT está impedido, provavelmente, para sempre de reexibir sua novela mais elogiada. Sabia-se que Sílvio Santos colocaria a novela no ar, ela só tinha sido exibida em 2001, como parte de um marketing agressivo contra a nova produção da Globo, então...
Reconhecem o Caio Blat e o Wagner Santisteban entre as crianças? |
Foi tudo dentro da lei. Tudo. Só que é triste que uma obra de tanta qualidade seja condenada ao limbo. É uma grande perda, grande mesmo. E não acho que a Globo vá "estragar" coisa alguma, só acredito que o realismo do original - livro e roteiro - será sacrificado em prol das tais "sensibilidades modernas". Aliás, todo mundo parece estar se curvando a elas, basta comparar as versões de Sinhá Moça de 1986 e 2006 (*estou devendo um texto, eu sei*), ou a forma como a Record foge de temas espinhosos em suas adaptações bíblicas. Também, não me preocupo com sexo, os/as puritanos/as de plantão parecem, como dizia Dona Bela, "só pensarem naquilo" e, claro, não tem noção dos limites impostos às tramas das seis. Bem, é isso. Eu espero que essas atitudes agressivas não virem moda... Ainda se o livro fosse domínio público...
Pensei em Candy Candy (キャンディ・キャンディ), que por disputa judicial entre as autoras, está aí sem poder ser republicado e o anime reexibido. Sim, achou que eu não seria capaz de fazer a ponte com shoujo mangá? é possível, sim. Disputas que se arrastam por anos e anos, podem prejudicar grandes obras e sua difusão. Agora, no caso de Éramos Seis, a Globo cercou por todos os cantos, acho que foi xeque-mate mesmo.
1 pessoas comentaram:
que triste, eu nem saba disso tudo, muito menos q era adaptação de livro e tinha varias versões, só vi a 1994. E que novela maravilhosa, elenco maravilhoso, do tempo que o sbt fazia boas novelas, tirando as atuais infantis.
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