Estou faz alguns dias querendo escrever um longo (*sim*) texto sobre Orgulho & Paixão, a novela das seis da Globo livremente inspirada em Jane Austen. Excesso de trabalho e de Júlia tem me impedido, mas, agora, vai! Tentarei organizar o texto a partir das personagens femininas principais, as Irmãs Benedito, além de Ema, Susana, Julieta etc. A partir daí, vou puxando comentários para outras personagens e vamos ver no que vai dar. Ficará organizado? Não sei, provavelmente, não. Antes, porém, é preciso falar do ritmo da trama em si.
O autor, Marcos Bernstein, vem me surpreendendo positivamente. Ele pegou alguns livros de Jane Austen como base, Orgulho & Preconceito, em especial, fez alguns ajustes, e está construindo sua novela sobre uma estrutura bem sólida. Não é Austen, embora tenhamos ecos de suas obras, além da referência de algumas adaptações famosas. Não sei quem notou, por exemplo, a sequência na qual Darcy tenta escrever uma carta explicando o problema de sua irmã com Uirapuru. Tudo ali – roupa do Thiago Lacerda, sua expressão corporal e facial, enquadramentos etc. – se remetia à série da BBC de 1995. Continue assim e estamos no bom caminho.
Uma família interessante. |
Também fui desencavar mais livros da Linda Seger, importante consultora de roteiros que teve vários de seus livros publicados no Brasil anos atrás pela editora Bossa Nova. Um deles, A Arte da Adaptação – Como Transformar Fatos e Ficção em Filme, ajudaria muito aos que se sentem ofendidos pela apropriação do material de Jane Austen em uma novela (*não, não vou voltar ao tópico do desprezo pelo produto nacional*). No capítulo 6 (A Escolha dos Personagens), a autora diz algumas coisas interessantes: “Não é raro encontrar livros repletos de personagens fascinantes. No entanto, essa mesma quantidade de personagens seria demais para um filme de duas horas de duração. (...) No caso da adaptação, uma vez que que os personagens já foram todos criados, o trabalho inicial do adaptador consiste basicamente em escolher, cortar e combinar personagens. A partir do momento em que essas decisões já tiverem sido tomadas, o adaptador precisará contar com as mesmas habilidades necessárias para a criação de personagens, pois alguns deles terão que ser recriados e redefinidos. Em algumas histórias, pode ser preciso até mesmo criar personagens adicionais para deixar a trama mais clara.”
Julieta é uma das criações da novela. |
Em uma novela, que é longa, tem muitos capítulos, tramas também precisam ser criadas. Vide Sinhá Moça, que está no ar no Canal Viva, e que é quase de autoria própria de Benedito Rui Barbosa, já que o livro serviu de base remota tão rala é sua trama, ou mesmo a primeira Escrava Isaura, que foi muito além do livro. Em Orgulho & Paixão, além de uma série de coadjuvantes menores, que existem para preencher espaços, criar alívio cômico, como Ágatha (Vânia de Brito) e Estilingue (JP Rufino), por exemplo, há personagens maiores que efetivamente foram criados. Caso de Ernesto (Rodrigo Simas) e seus irmãos.
Aliás, estou aguardando que o autor diga que homenageou Che Guevara com a personagem, que oscila entre o politicamente chato e o adorável (*mas eu torço pelo Jorge, aviso de pronto*). Ontem mesmo, o Barão de Ouro Verde (Ary Fontoura), me soltou que "todo italiano é comunista". Em 1910, ele certamente diria anarquista, ou até, forçando, socialista. Tenho mais receio dessas “adaptações” desastradas que subestimam o público, e dificultam a vida dos professores de História, do que de mudanças concretas em relação ao original.
Ernesto e Luccino são personagens simpáticas. |
Houve quem criticasse, com razão, o fato de Elisa (beta) (Nathália Dill) ter levado Darcy (Thiago Lacerda) para o quarto para que tivessem uma conversa privada. O autor precisa lembrar que isso seria um escândalo total, mesmo com a situação alterada que foi criada pelo sumiço da protagonista e sua irmã. E Darcy, sendo tão cioso das boas maneiras e convenções (*é o que querem que pensemos da personagem*), não aceitaria ficar só com a mocinha em um quarto e de portas fechadas. Da mesma forma, é cansativo que se perpetue que títulos nobiliárquicos brasileiros, como o de Barão, fossem herdados. Ema (Agatha Moreira), ou seu pai (Marcelo Faria), jamais serão nobreza e isso nada tem a ver com o fato de ser República, mas, simplesmente, porque era ilegal no país durante a Monarquia. Mas, enfim, no geral, a novela está indo bem, muito melhor do que eu esperava. Mas vamos às personagens, ou esse texto nunca termina.
Eles devem ser o casal favorito da novela. |
Agora, continuo achando Marcos Pitombo fraco e de poucos recursos dramáticos. Ele é muito bonito, verdade, e graças à Anaju Dorigon e à direção, talvez, as cenas fluem bem, mas ele me parece ter recursos dramáticos limitados. Se exigirem demais, acredito que ele não vai render. Falando em Rômulo, a personagem Fani (Tammy di Calafiori), pouco ou nada tem a ver com a original, de Mansfield Park, mas seu mistério parece instigante. Eu acredito que a esposa do Almirante (Christine Fernandes) esteja viva e tenhamos um recurso do tipo “mad woman in the attic”, como em Jane Eyre, ou em O Direito de Amar, isto é, a mulher está viva e é trancada pelo marido (Oscar Magrini) em algum lugar da casa e dada como morta. E falou-se de uma irmã e Fani deixou cair a bandeja. Foi por causa da irmã de Rômulo, ou da patroa? Fani talvez seja a única a saber do segredo e resta descobrir se ela é cúmplice ou igualmente prisioneira.
O almirante encontrou o ponto fraco de Cecília. |
Os irmãos de Fani, especialmente, Ernesto Pricelli e Luccino Pricelli (Juliano Laham), orbitam outras personagens e realmente não sei se terão histórias próprias. Luccino é o mecânico de motocicletas e automóveis do fictício Vale do Café. Ele é o fiel guardador da identidade secreta do motoqueiro vermelho. Na abertura, aparecem dois motoqueiros de vermelho. Seria Luccino um deles, ou é Mariana? Aliás, já estou falando da segunda irmã, Mariana, interpretada por Chandelly Braz. Vejam só, eu achava que não iria gostar da Mariana, muito menos do Coronel Brandão, aliás, principalmente dela.
Será que Uirapuru vai seduzir Mariana? |
A Mariana da novela pegou todas as características da do livro, mas acrescentou-se o aventureira e uma língua um pouco mais ferina, ela é o par da Elisa(beta) sem seus impulsos de independência e vontade de sair da sua cidadezinha natal. E Chandelly Braz vai bem como a personagem e seus arranca-rabos com Lídia, salvo o do pó de mico, que achei pastelão demais, estão sendo bem interessantes. Juntar no tal Uirapuru (Bruno Gissoni) duas personagens, Willoughby e Wickham, não me parece ainda uma boa ideia, afinal, o moço não irá se envolver com Elisa(beta), já que criaram o tal Olegário para assediar a mocinha. O problema entre Uirapuru e Darcy não vai passar pela disputa da mocinha, mas pelo rancor em relação à irmã. Ele só tentou seduzir, ou chegou a deflorar a irmã de Darcy? Fará o mesmo com Mariana? De resto, a disputa entre Mariana e Lídia pode, além disso, se tornar cansativa.
Outra variante do Zorro. |
Falando de Lídia, como imaginei, Bruna Griphão está ótima. A Lídia da novela potencializou as falhas de comportamento da original, resta saber se as de caráter, também. Lídia era uma periguete no livro e o é na novela, e poucas vezes este termo caiu tão bem para alguém. Acredito, porém, que ela não terá um final semelhante ao do livro, casada com o picareta mal caráter do Wickham, mas vão lhe dar um final “feliz” ao lado do tenente gago, Randolfo (Miguel Rômulo). Até gostaria que houvesse a coragem de colocar pelo menos uma das irmãs entrando em uma união desfavorável. Lídia, no livro, é tão autora de sua desgraça, quanto vítima, ainda que, e isso é importante ressaltar, que seus pais sejam colocados por Jane Austen como corresponsáveis, o pai em especial, por não assumiram uma postura responsável para com a menina.
Lídia, mais periguete impossível. |
A postura do patriarca é menos ácida e inerte em relação à esposa e às filhas e isso vem rendendo ótimas cenas. O que é aquela mulher com o vestido de noiva entalado? E olha que a piada esticada poderia ficar ruim, mas está se sustentando bem, graças ao talento da dupla de atores. Como comentei, Ofélia é o par de Lídia. Mãe desmiolada, filha, idem. Fora que é a caçula superprotegida, tal e qual no livro original. E, no fim das contas, os atores parecem estar se divertindo MUITO, se eles se divertem, eu me divirto, também.
O casal mais divertido da novela, sem dúvida. |
Falando em Camilo, bem, ele é uma personagem gostável e sua relação de amizade com Darcy é uma das boas surpresas da novela. Darcy exerce em relação ao rapaz não somente uma função de irmão mais velho, mas quase de pai, com um acolhimento que a ficção não costuma retratar. Camilo é frágil, muito mais que o Mr. Bingley do livro. Bingley, ainda que influenciável, era o senhor de sua vida, não devia explicações a ninguém, e era, inclusive, taxado de volúvel. Ora, Camilo é essencialmente bom como Bingley, mas totalmente assujeitado à mãe. Ela, Julieta (Gabriela Duarte), controla o filho e o patrimônio da família. Ele não tem autonomia, precisa amadurecer como homem.
Jane não quer que as mentiras prevaleçam. |
De resto, temos ainda Ludmila, esta, sim, uma feminista de verdade e consciente de suas escolhas. Estou adorando a atriz Laila Zaid e vendo que, pelo menos neste caso, o autor aceitou em cheio, porque condicionou as atitudes ousadas da personagem ao fato de ser rica. Aliás, houve o ótimo diálogo entre Julieta e Ludmila no baile: "Ludmila Matoso de Albuquerque." (L) "Por que não se identificou antes?" (J) "E estragar a diversão???" (L) "Você tem a língua bem ferina." (J) "Então somos duas." (L). E o arremate vem com o podemos agir assim, porque somos ricas. Mesmo ricas, há um preço a pagar, mas a forma como Ludmila encara as alfinetadas, com elegância, bom humor e consciência de que está transgredindo as regras da boa sociedade, são das melhores coisas da novela até agora.
Ludmila é uma das personagens secundárias mais interessantes. |
E já que estamos em Elisa (beta), falemos dela. Passei a gostar mais da protagonista, passei mesmo. Não sei se me acostumei, mas acho que ao longo dos capítulos, Elisa tomou consciência de que precisava melhorar, de que era caipira e inculta (*no original, a educação das moças foi muito descuidada*) e admitiu que foi precipitada em alguns momentos. Isso é bom, meio que tempera aquela má impressão inicial que tive da personagem, a despeito da minha simpatia por Nathália Dill. Em São Paulo, e não sei quanto tempo a personagem irá passar na capital, afinal, o centro da ação é o tal Vale do Café, ela pode conviver com Ludmila e, talvez, aprender alguma profissão, quem sabe? Ter objetivos e não somente sonhos. E, pelo menos nesse momento, não tenho muito mais a falar sobre ela, nem sobre Darcy, especificamente.
Ludmila pode ser uma boa influência para a mocinha. |
Esse Olegário (Joaquim Lopes) parece ser um obstáculo fraco e que logo poderá se tornar cansativo. Obviamente, há uma saída fácil, ele pode passar a amar Elisa(beta) de verdade, deixando de ser simplesmente um fantoche de Susana. Pode, mas será que vai? Um indício de que ele tem algum caráter foi dado na sequência do bordel, que foi muito mais realista do que o tratamento da questão na novela anterior das seis, Tempo de Amar. Um ambiente sórdido, no qual moças poderiam ser vendidas e compradas, mesmo contra sua vontade. Ali, Olegário mostrou que pode se salvar. Pode, será que vai? E, claro, ele não ficará com a mocinha, ela já tem um carimbo de endereço, falo de como a trama será conduzida.
As mocinhas quase tiveram sua virgindade vendida em um bordel. |
Alessandra Negrini se jogou na comédia e se eu achava que ela estava exagerada, agora, vejo como o tom calculado e que, bem, está funcionando. Ela é falsa e só é realmente espantoso que as personagens caiam na dela. Aqui, cabe a crítica, a mocinha, Elisa(beta) deveria ser mais esperta e perceber o engodo, estar um passo à frente da vilã senão sempre, pelo menos, às vezes. Mas parece que esta não é a opção. E Darcy, um homem adulto e vivido, não parece ser mais esperto que a mocinha. De resto, complicado que a vilã acredite poder conquistar Darcy, não como é, enfim... Mas será que vão recorrer a um golpe da barriga ou algo do gênero?
Dupla de vigaristas. |
A amizade entre Ema e Elisa(beta) é, também, uma das melhores coisas da novela. As duas – Agátha Moreira e Nathália Dill – conseguem convencer como as melhore amigas, apesar de tão diferentes, no temperamento e condição social, e a interação de ambas é muito boa. A introdução de Ludmila, uma mulher moderna e independente como Elisa almeja ser, e o ciúme de Ema me fizeram lembrar da minha relação com a minha melhor amiga de infância e única, aliás. Quando ela, que era um pouco mais velha, arrumava outras amigas, eu me roía de ciúmes. Ema tem que amargar essa situação, ainda que já esteja se entendendo com Ludmila, a distância da amiga, que pode ficar em São Paulo, e, ainda por cima, a desilusão amorosa. Não é pouca coisa, não!
Susana e Petúlia. |
Com essa declaração cedo demais, não sei o que será de Jorge e Ema, mas eu não queria que a mocinha se envolvesse com Ernesto, que é uma personagem simpática, para que o moço perdesse outro interesse amoroso, porque minha torcida é pelo amigo advogado. Poderiam introduzir o Frank Churchill – personagem original do romance Emma – por quem a mocinha fica parcialmente fascinada, ou mesmo pegar o violãozinho secundário, Xavier Vidal (Ricardo Tozzi), e o aproximá-lo de Ema, talvez quando a moça ficasse sabendo da ruína financeira da família. Poderia ser um drama interessante com a possibilidade de fazer vários núcleos e personagens interagirem. Quem sabe? A novela não é minha, enfim.
Ema está colhendo o que plantou. |
Concluindo, dos romances de Jane Austen, acredito que o que melhor esteja sendo aproveitado seja Emma. Orgulho & Preconceito aparece como fundo, mas as liberdades tomadas são consideráveis, mais para o mal, do que para o bem, eu diria. A mudança em duas das irmãs foi benéfica para a trama, ainda que Cecília pareça pouco com a protagonista de Northanger Abbey. Aliás, Mansfield Park é o material mais mal aproveitado na novela. Nada, ou quase nada se parece com o original, fora que a trama da esposa escondida, ou prisioneira, se remete a outros clássicos da literatura, como Jane Eyre (*e sua autora faz aniversário hoje*), mas sabemos bem que Jane Austen não é a única fonte de inspiração, ou não teríamos um Zorro em Orgulho & Paixão...
1 pessoas comentaram:
Boa noite!!
Sei que sou a última pessoa que poderia comentar algo sobre essa novela, uma vez que faz pouco tempo que estou acompanhando e não conheço a biografia a qual ela está sendo inspirada, mas só sei que, de todos os casais, estou gostando do possível envolvimento entre Ernesto e Emma, e gostaria que eles ficassem juntos. Porém, descobri agora que a novela começou há pouco tempo (jurava que já estava do meio para o fim, rs) e sei que muitas águas ainda vão rolar pelo que li do seu post, então tudo ainda está muito imprevisível. O que posso dizer é que faz mais de 10 anos que não acompanhava novela nenhuma, mas essa realmente está prendendo minha atenção!!
Que a trama continue assim!!!
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