Como me perguntaram se eu conhecia o filme live action da Rosa de Versalhes (ベルサイユのばら) e eu respondi que, sim, que tinha, inclusive, feito uma resenha sobre ele, fui desencavar o tal texto que estava no meu primeiro (*e saudoso site*), o Shoujo House. Tenho tudo arquivado no HD. Pois bem, era um texto de 2004 e eu tenho quase certeza que assisti ao filme dublado em italiano. Olhando o texto, vi que era coisa bem pobre e atropelada, mas algumas das minhas impressões não mudaram, assistir outra vez só me fez confirmar a impressão inicial. Para quem tiver curiosidade, segue, na íntegra, o texto de 14 anos atrás e, logo após, meus novos comentários.
MacColl era garota propaganda dos cosméticos da Shiseido. |
Para começar, a escolha dos atores e atrizes é muito questionável, muitos não tinham o tipo físico necessário, vide, por exemplo, a protagonista, Catriona MacColl, que é muito bonita, até boa atriz, mas não tem altura e porte para ser Oscar. DVD italiano Mas constrangedor ainda é Maria Antonieta que ao invés de parecer fútil tem um ar vulgar que contrasta com a personagem criada por Ikeda. Aliás, parece que a direção oscilou sem se definir entre seguir a obra original e ter alguma fidelidade histórica. Bola fora, claro, pois se a reconstituição de época ficou muito boa (cenários, figurinos, comportamento de Luís XVI, principalmente), ser historicamente preciso tornaria absurda a presença de Oscar. E isso efetivamente acontece, já que a protagonista parece mais observar a ação do que participar dela. Além disso, o tempo de um longa-metragem normal não conseguiria contar bem a história criada por Ikeda, a não ser que houvesse um mágico responsável pelo roteiro.
Algumas mudanças foram lamentáveis, também. Por exemplo, Rosalie - que também tem um arzinho vulgar - não convive com Oscar e André, Alain não existe, Girodelle que no mangá é galante e cavalheiresco é mostrado como um devasso repulsivo, Oscar aparece criança dormindo com uma boneca, a noite de amor de André e Oscar é em um estábulo (!). Os atores que fazem Rohan, Jeanne e Luís XVI se saem muito bem, e quando não se afasta muito da obra de Ikeda o filme é até aceitável, embora seja um produto para fãs e não mais do que isso.
O filme, como todo o material de Lady Oscar, foi lançado na Itália e foi exatamente uma versão dublada em italiano que eu, que imaginava que nunca veria esse live action, consegui para assistir. Como eu disse, coisa de fã, que quer ter tudo do seu seriado favorito em suas mãos (falta algum vídeo do Takarazuka). Bem, se você ficou curioso, corra atrás do filme, afinal existem coisas muito piores no mercado e a gente assiste, mas esteja avisado, o final é a coisa mais insossa do mundo e absolutamente diferente do anime e do mangá. Se você é fã da Rosa de Versalhes e quiser sugerir um elenco e diretor para um possível remake, mande um e-mail para mim. Se muita gente escrever, eu prometo colocar os resultados aqui na página. ^_^”
Infância feliz. |
Falando em "Lady Oscar" desconfio que esse título foi inventado aqui. Em um determinado momento do filme, Fersen chama Oscar desse jeito e segue tratando-a como Lady Oscar. O filme foi lançado em 3 de março e precedeu em vários meses o anime, que começou a ser exibido em 10 de outubro de 1979. Acredito que algumas ideias do filme, cuja produção foi acompanhada de perto por Riyoko Ikeda, foram aproveitadas no anime, que era do mesmo produtor, Mataichiro Yamamoto. Infelizmente, as ideias aproveitadas não foram as melhores.
André não se conforma com a separação de Oscar, nem com as barreiras de classe. |
Eles não se encontram, André toma um balaço nas costas. E Catriona MacColl, a atriz que interpreta Oscar, com cara de coitada, assustada, vagando pelas ruas, empurrada pela multidão. O filme termina com a festa em Paris e a voz chorosa de Oscar ao fundo. Uma atrocidade reduzir a heroína a esse farrapo de pessoa. E aviso que isso aí não é o final do mangá que a JBC vai publicar em nosso país, acredite em mim, mas é o final mais brochante do qual me recordo em qualquer filme que eu tenha visto na vida, agravado pelo fato de eu amar as personagens. Mas falemos do filme como um todo.
O pai se orgulha de Oscar e fica feliz quando ela duela com um sujeito. |
Primeiro salto, 1767, é anunciado o noivado de Maria Antonieta e do Delfim. O pai de Oscar comunica para a filha, que ele chama de filho, que, um dia, ela será comandante da guarda da rainha. Oscar parece feliz, mas segue com André para o estábulo, atira a espada para um lado e pega uma boneca que está escondida. Deita-se abraçada com a boneca e com André ao seu lado. Patsy Kensit, a menininha que faz Oscar, é uma gracinha. Enfim, este tal estábulo tem uma função na narrativa, porque é nele que Oscar se despe da personagem que o pai lhe impôs. Sim, neste filme, bem mais que no anime, Oscar arrasta o peso de ter que ser homem, só que com um agravante, André repete para ela mais de uma vez que ela nunca conseguirá desempenhar o papel masculino que tanto persegue.
Antonieta considera Oscar uma amiga. |
Falemos do André do filme, que é interpretado de forma bem irregular por Barry Stokes. Esqueça o André doce e abnegado do mangá, ou mesmo o mais decidido do anime, no filme, ele é um sujeito cabeça quente, que responde na lata, ciumento e que incorpora um modelo de masculinidade intimidador. Esta última palavra cabe, porque Catriona MacColl não tem porte para ser Oscar, ela chega a ser mais baixa que várias das mulheres em cena. Ela era o rosto das campanhas da Shiseido, uma mega fabricante de cosméticos japonesa, que foi uma das patrocinadoras do filme.
Fersen demora um monte de tempo para descobrir que Oscar é uma mulher. |
Voltando ao André, ele tem uma autoestima impressionante. E uma das suas falas é memorável. Ele agarra Oscar e a beija. Não é igual ao mangá, tampouco como no anime, não é uma tentativa de estupro (*salvo se você enquadrar beijo como estupro*), ele não está bêbado, só está muito enciumado e achando Oscar linda. É logo depois do baile que ela dança com Fersen. Oscar o rejeita e ele diz que não lamenta por si, pelo que fez, lamenta por ela não ser capaz de entender o grande amor que está jogando fora.
O estábulo é o refúgio secreto dos dois. |
De resto, a história é toda fragmentada, Rosalie não sabe que a Duquesa de Polignac (Sue Lloyd) é sua mãe de sangue, como no mangá e no anime, nem nada é dito. Só sabe que deseja se vingar dela, porque a duquesa atropelou sua mãe com uma carruagem, provocando, assim, sua morte. Já que falamos de Rosalie, é preciso falar de Jeanne (Anouska Hempel), a grande vilã da série. No filme, o “Caso do Colar” é muito mal inserido e eu só consigo ter pena do Cardeal Rohan (Gregory Floy), que foi levado a achar que a rainha Maria Antonieta o queria por amante... Enfim, Rohan é sensato e avisa que fazer um julgamento público seria péssimo para a monarquia, mas Luís XVI (Terence Budd) prefere ouvir sua esposa.
A Maria Antonieta mais fútil que eu já vi em tela. |
A Antonieta desse Lady Oscar parece a caricatura da rainha fútil que muitos professores teimam de empurrar nas suas aulas de Revolução Francesa. Poderia até dizer que são os franceses tentando limpar a barra de seu rei, mas não chegaria a tanto, porque Luís XVI faz quase nada nesse filme. Já a relação com Fersen – que é um ator sueco – é sem culpa e começa antes do rei consumar seu casamento. Só que não temos o encontro no baile, Antonieta e Oscar veem o sueco da janela em meio a exercícios militares. Ambas terminam se apaixonando.
Romance exibido para o mundo inteiro. |
Agora, uma das coisas mais divertidas do filme é Gerodell (Martin Potter). Não fica muito claro por qual motivo o pai de Oscar cisma de casá-la com ele, aliás. Parece que o velho já estava variando e comunica à filha que ela precisa se casar. Gerodell tem umas ceninhas ao longo do filme inteiro, sempre ou manjando Oscar, ou metido em alguma atividade moralmente condenável (*como querer prostituir Rosalie*). O sujeito é cheio das más intenções e acaba sendo divertido. Leva as ofensas de Oscar na esportiva e vê tudo como parte de um jogo sexual excitante.
Girodelle pervertido é a melhor coisa desse filme. |
Falando no baile, ele se parece com o do mangá. Oscar chega vestida como homem, flertando com todas as mulheres, beija uma delas (*sim, tem beijo lésbico no filme*) e irrita o pai. Já Gerodell, é o que eu descrevi acima. Só faltou a plaquinha do Oscar Club, mas isso não poderia rolar mesmo. No filme, há nudez, algo que eu tinha deletado da minha mente, talvez, nem seja isso, a versão que assisti pode ter saído da mão da censura italiana. Como há toda essa narrativa de mulher obrigada a agir contra sua natureza, depois da cena da briga do bar, com Oscar chegando quebrada em casa com a ajuda de André e de Fersen (*a cena é diferente no mangá*), da descoberta do conde, enfim, a moça se olha no espelho e tira a camisa. André está olhando pela fresta da porta. Achei que ia ficar nisso, só que, mais tarde, voltamos a cena para Oscar e a atriz está desfilando pelo quarto sem camisa. Assim, foi inesperado, eu diria.
Oscar toca terror no baile de noivado, mas Girodelle acha tudo muito excitante. |
O filme cumpre a Bechdel Rule? Sem dúvida. O filme é feminista? Não. As mulheres do filme são cheias de defeitos e contradições. Oscar não é forte como no mangá e nem capaz de enganar que é, como no anime. Ela é salva por André repetidamente, tutelada por ele e termina aceitando seu lugar, ainda que não saibamos se uma Oscar iria conseguir se ajustar ao ideal de feminilidade exigido. Antonieta, a segunda personagem mais importante, é a caricatura da futilidade dita feminina. Só faltou colocarem a coitada falando “se não tem pão, que comam brioches”. Já uma das mulheres mais importantes da vida de Oscar no mangá, a mãe, é morta por trás das cenas. Sequer a vemos. Rosalie, Polignac, Jeanne, pouco impacto tem na história.
Oscar usa um vestido para dançar com Fersen e André fica para morrer de ciúmes. |
Falando da caracterização da época. A gente vê que é um filme caro. Houve um investimento considerável e as locações foram escolhidas a dedo, inclusive o próprio Palácio de Versalhes. Só que quando pensamos em figurino e cabelos, o filme fica naquele meio termo entre o mangá e a época. Enfim, algumas roupas parecem boas, mas, no geral, não há grande fidelidade. O pessoal do Frock Flicks gongou Lady Oscar. Claro, eu dou um desconto para a dureza da análise delas, mas, não, para a desatenção de escrever que a maioria das personagens pensava que Oscar era um homem. O único enganado que realmente faz diferença no filme é Fersen e, mesmo assim, não dura muito. Enfim, mas elas são especialistas em história da moda, mas não conhecem nada da Rosa de Versalhes. Agora, eu também fiquei chocada quando o filme fala que estão todos de luto pela morte do Delfim, o filho mais velho de Luís XVI e Antonieta, e ninguém está de preto...
A noite de amor dos dois é no estábulo. |
Agora, o filme foi a primeira adaptação internacional de um mangá. Recebeu permissão especial do governo francês para filmar em Versalhes. Foi todo feito com autorização de Riyoko Ikeda, ela chegou a dar palpites na escolha do elenco, ainda que sua escolha para Oscar não tenha sido acatada, e contou com um diretor de renome e música de Michel Legrand. O que deu errado? Muita coisa mesmo. Talvez, a incompreensão do que era o mangá, de que se tratava não de uma obra histórica “de verdade”, mas de uma fantasia. Se o filme fosse feito depois do anime ter sido exibido na Europa, talvez o resultado fosse outro. Nunca li Ikeda criticando o filme. Imagino que, ou ela gostou, ou aceitou a culpa de ter ajudado a produzir esta obra.
A atriz como Maria Antonieta em Waffen für Amerika. |
1 pessoas comentaram:
Ótimas colocações! Amo suas resenhas ♡_♡
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