Respiro fundo agora. Queria muito escrever que amei o filme, mas não, o que vi foi uma película arrastada sobre, que não aprofunda discussão alguma das várias que teve a chance de agarrar, cheio de clichês e que não oferece uma protagonista que consega angariar apoio ou simpatia, a despeito da interpretação que rendeu para Saoirse Ronan sua terceira indicação ao Oscar Decepcionante. Aposto que estaria muito mais satisfeita se tivesse assistido Três Anúncios para um Crime, ou Pantera Negra. E aviso que talvez entregue spoilers ao longo do texto.
O centro do filme é a relação entre mãe e filha. |
A jovem passa os dias na escola junto com sua melhor amiga, Julianne (Beanie Feldstein) sonhando em cursar uma faculdade na Costa Leste, em especial, Nova York. Ela detesta sua cidade natal e vê aquele mundinho como pequeno demais para sua genialidade. Só que sua mãe não acredita que a família possa sustentar seu curso em outra cidade, ou mesmo que a filha tenha capacidade de ser admitida – quanto mais com bolsa de estudo – em alguma universidade renomada. Ao longo do filme acompanhamos, principalmente, as experiências de Lady Bird na escola, sua interação com os colegas, a tentativa de alcançar o seu sonho, deixar a família e Sacramento, e os conflitos com sua mãe.
Você largaria sua melhor amiga de uma vida inteira? Lady Bird faz isso. |
Quando terminei o filme, na verdade, ao longo dele, fiquei me perguntando se não estava de má vontade com Lady Bird. Será que se eu fosse adolescente, ou jovem, não seria tocada pelo filme? Só que lembrei de filmes com adolescentes que eu assisti já adulta, por exemplo, do excelente As Vantagens de Ser Invisível, ou mesmo a comédia Saved (*que eu nunca comentei aqui*) e, não, eu sei que não foi má vontade. Imaginei que iria ao cinema para ver um filme sobre uma jovem talentosa, rebelde, sim, mas que tinha seus sonhos de futuro tolhidos, porque nos EUA não temos universidades públicas e é muito caro cursar o ensino superior. O que eu vi foi uma adolescente de 17-18 anos (*ela faz aniversário no quarto final do filme*) que não valoriza nem o esforço feito pela mãe, que nãos e esforça nos estudos, que não pensa duas vezes em trocar sua melhor amiga desde sempre para se integrar ao grupo dos populares da escola fingindo ser o que não é, uma garota de classe média alta.
Danny não foi honesto, mas eu consigo ter simpatia por ele. |
Acredito mesmo que se o foco do filme fosse a relação mãe e filha, ele poderia ser melhor. Se ele dividisse os holofotes com Jules, a amiga gorda e com baixa autoestima, mas muito simpática e inteligente, ou o primeiro namorado de Christine, Danny (Lucas Hedges), que a usa para esconder da família – católica, muito conservadora – que é gay, mas não é um sujeito horrível, mas somente um adolescente sob intensa pressão, o filme seria melhor. Só que o filme se foca em Christine “Lady Bird”, cuja única preocupação é ir embora de Sacramento, se afastar da família, e reclamar da vida.
Mensagem do filme: se seu namorado parece tímido, ele pode ser gay. |
Kyle, o novo amor de Lady Bird, é um jovem metido à intelectual, que fala de-va-ga-ri-nho, parece sempre entediado, se diz contra o sistema e não usa celular (*ainda um luxo na época*), porque não quer que o Estado o espione. Só que seu quarto – nós o vemos quando ele e Lady Bird transam pela primeira vez – é cheio de todos os privilégios e tecnologias que o dinheiro pode comprar. Discurso descolado da prática, mas, até aí, ele é uma personagem possível. O jovem não vê Lady Bird como alguém especial, mas não é desonesto quanto a isso, não é mesmo. Já a moça, que parece ter o dedo podre para homens, romantiza a relação e se frustra. Talvez a melhor cena do pai da protagonista, já lá no final do filme, seja exatamente aquela em que ele diz para a filha que “ela merece mais”. Sim, nenhuma mulher, nem nenhum homem, merece ser tratada como qualquer coisa. Ainda bem que pelo menos esta mensagem o filme pareça passar.
Aí você troca o namorado-gay pelo intelectual rico que acha que é anarquista e trata você como qualquer coisa. |
Falando da mãe de Christine, Laurie Metcalf talvez seja a única que mereça ganhar uma estatueta por esse filme. E aviso que minha simpatia é muito mais para ela do que para a filha. Marion é uma mulher sobrecarregada e que luta para manter a família unida e em condições minimamente confortáveis. Ela parece dura, enquanto o pai é só afeto e compreensão, mas acolhe a namorada do filho, Shelly, que parece ter sido expulsa de casa. Ela segura as pontas quando o marido depressivo perde o emprego, tenta garantir que os seus continuem tendo serviço de saúde e uma vida segura, mas ela não pensa duas vezes em jogar na cara da filha o quanto de esforço faz por ela. A relação mãe e filha é intensa e doente durante quase todo o filme e parte da revolta da protagonista tem sua origem aí.
Sabe a Cordélia de Buffy, então... |
Por mais que eu entenda a pressão sobre Marion, e eu não quero me tornar uma mãe como ela para a minha filha, ela não agiu da melhor forma com Christine. O que fica da relação é que a mãe tinha medo de deixá-la voar, o título do filme não é à toa. Lady Bird é filha temporã, muito desejada pela mãe, e Marion parece não conseguir imaginá-la longe, em perigo, fora de seus olhos. A própria neurose da mãe com escolas públicas, os gastos que assume para que ela frequente uma escola particular – ainda que com bolsa – estão ligadas a isso. Sabe aquele tipo de gente que acredita que uma escola mais rígida, religiosa, vá impedir que os filhos se metam em confusão? Simpatizo com Marion, ela é uma guerreira, por assim dizer, mas está longe da perfeição e tem grande responsabilidade em alguns comportamentos da filha.
Se sua mãe não quer, ou pode, comprar uma bobagem qualquer. Roube. Normal fazer isso. |
O filme, no fim das contas, passa uma mensagem conservadora e nostálgica que uma personagem não teria como processar em poucos dias, demoraria anos para que ela realmente acreditasse que não existe lugar melhor que o lar. E terminamos com a quase certeza de que ela vai voltar para Sacramento um dia e colocar suas filhas, caso as tenha, na mesma escola católica, se forem meninos, podem ir para a escola masculina gêmea que era frequentada por Danny e Kyle. É terrivelmente frustrante ter que escrever que Lady Bird se torna pior ainda conforme eu penso sobre ele, mas sei que não o terei na cabeça por muito tempo, salvo se ele vencer o Oscar este ano.
Uma relação difícil, uma mãe que às vezes exagera, mas isso não limpa a barra da protagonista, não. |
É isso. O filme cumpre a Bechdel Rule, mas não sei se ele é um filme feminista aos meus olhos. Querer voar, sem se esforçar, as custas dos outros, não é uma atitude feminista. Ter uma protagonista mimada e insensível aos que estão ao seu redor por boa parte do tempo, não o qualifica como feminista, nem ter sido escrito e dirigido por uma mulher. Reforço ainda que com tantas mulheres diretoras que mereceriam indicação e tão poucas indicadas, é realmente absurdo que Greta Gerwig tenha chegado lá. Enfim, se você não estiver muito a fim de ver Lady Bird, guarde o seu dinheiro para outro filme, porque certamente há coisa muito melhor em cartaz. Fora isso, as legendas são bem ruins. Colocam uns abrasileiramentos como ENEM (*Deveria ser SAT - Scholastic Aptitude Test ou Scholastic Assessment Test), CPF (*O certo seria SSN – social security number), que são absolutamente desnecessários. E acabou.
2 pessoas comentaram:
Sabia que não iria gostar do filme.
Por que?
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