domingo, 7 de janeiro de 2018

Gordofobia: Recomendação de livro


Estou com uma conexão horrível e sem poder sentar no computador, fazer posts complexos no tablet, ou celular, é algo,complicado. Daí, teremos posts aleatórios, alguma coisa melhor, só no fim do dia. Enfim, no fina, do ano, é eu já estava com essa net indigente, a BBC fez uma excelente matéria sobre gordofobia. Daí,  um famoso humorista, conhecido por ser um bully, decidiu fazer piada e atacou a ativista Alexandra Gurgel. Se um sujeito com milhões de seguidores ataca alguém, não pensem que a pessoa não receberá centenas (*ou mais até*) de insultos de seus minions. Foi o que ocorreu, mas Alexandra, que não deixa as coisas baratas, conseguiu alavancar uma hashtag chamada #gordofobianaoepiada e fez um vídeo resposta.  Perdi tudo isso, claro, por causa da internet.


Alexandra Gurgel, ativista contra a gordofobia.
E tem um canal no YouTube maravilhoso.
O que é  isso, afinal? O que é gordofobia? É  todo o ódio e depreciação aos gordos e tudo o que parece gordo aos olhos de quem vê.  Tipo a miss Canadá que virou gorda, porque, bem, não pesa vinte quilos a menos do que o esperado para se ajustar aos padroes de beleza esquálidos de nosso tempo.  Mamãe, que é  gorda desde a minha gravidez e que passou uma parte considerável de sua juventude tentando emagrecer, reclamou de mais esta invenção. Já  não bastava essa história de homofobia?  Eu não estava com paciência para explicar, tampouco ela para ouvir, mas o fato é  que gordofobia, o termo, ou lipofobia,  outra possibilidade menos usada, pode ser recente, mas o bullying, a perseguição,  a estigmatização, é  coisa velha. 


Gordíssima Miss Canadá. 
Eu já sofri com isso é não consigo superar essa mazela que é o desejo de emagrecer. Não superei. E não  pense que emagrecer está ligado à  saúde, ou a isso somente, mas a padrões criados no social, mutáveis ao longo do tempo. Eu engordei muito no ano passado, foi um ano de doença, pneumonia, lesões nos meus dois pés,  enfim, e voltei ao limbo. 44, 46, os números que não são nem para magras, tampouco para as gordas, segundo parte do ativismo contra a gordofobia. Curiosamente, fui até hostilizada por uma ativista que me disse que gordo é quem veste a partir de 50. Segundo ela, eu não estava habilitada a falar sobre o assunto  porque não era meu lugar de fala. Vê se pode?! 


Coisas qualquer gordo/a pode já ter ouvido.
Desculpe, mas eu nunca vesti 50 e fui vista como gorda a vida inteira, esse aspecto ajudou a formar, ou deformar, a minha personalidade.  Salvo em breves momentos de magreza, sempre fui a gorda, que, por ser gorda, não era bonita, ou bonita o suficiente.  Minhas notas escolares pouco importavam e eu já ouvi toda a sorte de atrocidades, começando em casa.  Uma mulher, para ser bonita de verdade, precisa ser magra.  Ter uma visão crítica e histórica sobre esse rolo todo, não é suficiente para romper totalmente com o assujeitamento. Eu estou na sociedade, que é gordofóbica  e machista, é não flutuando sobre ela, para além  dela.  O que tento fazer é não contaminar Júlia com minhas inseguranças.  Espero conseguir.


A culpa existe e é sempre sua.
E não pensem que o capitalismo não tem nada a ver com a perseguição aos gordos, nem está cego para as possibilidades de lucrar com eles. O espaço plus size  não para de crescer e eu não sou nada, nem magra  para a sociedade em geral, nem gorda  para algumas ativistas mais agressivas. Tente se colocar no meu lugar... mas o post não é sobre mim é sobre um livro: As metamorfoses do gordo: história da obesidade.


Georges Vigarello.
Georges Vigarello é  um historiador francês que trabalha na linha da História das Mentalidades, isto é, como sentimentos, ideias, práticas mudam na longa duração. Curiosamente  seus livros - quase todos eles - costumam sair no Brasil.   Ele trabalha com temas como beleza, limpeza, estupro, o esporte, a virilidade,  o corpo, enfim, e mapeia como a questão vai sendo vista com o passar do tempo. Os marcos dele, normalmente, são o final da Idade Média para os dias atuais, as fontes são francesas, em sua maioria. Enfim, todo mundo deveria ter um livro dele em casa. É um dos meus historiadores favoritos.


Primeiro livro dele que li.
Em As Metamorfoses do Gordo, ele mostra como a gordura, que em francês durante muito tempo estava relacionada a nobreza, fartura, algo positivo em um mundo de desigualdades e risco de fome, foi, lentamente, passando a se associar a lentidão de raciocínio, sujeira, feiúra, dubiedade de caráter.  Foi uma transformação lenta, mas quando a ciência (*e ela também muda e tem suas limitações*) passou a ser um discurso de verdade, a estigmatizacao da gordura tornou-se cada vez mais forte. Ele já tinha roçado nesta discussão no seu livro sobre a beleza, porque discutiu como no século XX a beleza feminina passou a estar cada vez mais associada a padrões sempre mais exigentes de magreza.


Falar de beleza é falar de magreza, também.
Ele conta casos diversos. Da dificuldade, durante muito tempo, de medir o que era gordura boa é ruim. De que a gordura só se tornava um problema quando impedia alguém, um nobre, claro, de cumprir suas funções. Fala, também,  de quando esbelteza de talhe passou a ser importante, de como era difícil para um membro da nobreza levar adiante uma dieta, porque, bem, oferecer e participar de banquetes era algo inerente ao seu espaço social. O livro também comenta como a exigência da magreza, a degradação pelo "excesso" (*algo que cai variar no tempo e no espaço*) de peso era maior em relação às mulheres, do que em relação aos homens. Mas Vigarello não é um historiador feminista, ele percebe e discute essas questões, porque é um bom historiador, antes de tudo.


A história da virilidade tem três volumes e
 está disponível em português
.
É isso, outro dia, posso comentar sobre gordofobia de novo, sobre minha história de vida, por assim dizer.  De resto, recomendo o canal Alexandrismos, Não Sou Exposição e o texto da Lola sobre o caso.

4 pessoas comentaram:

"ô lôco, meu" , essa fobia é arbitrária !! Mas também pessoas magras ao extremo também são discriminadas. Esse assédio moral pode acabar em treta.

Quando a sociedade for capaz de pensar em coisas tão básicas quanto roupas e bancos que sirvam para todos a gente pode discutir a discriminação de gente magra demais.

Diria sim, que pessoas muito magras podem sofrer algum tipo de bullying, ainda mais com essa moda de corpo sarado. Mas, diria tambem que sao niveis muito diferentes.O que quero dizer, é que pessoas "muito" magras tem espaco,representatividade e nem de perto sao tao ridicularizadas em filmes, e midias de forma geral, como as gordas. O ponto da reportagem e a critica, se eu entendi correto, foi como a sociedade DEFINE quem é gordo ou nao, e como isso impoe o que é bonito ou aceitável. Eu sempre fui magra,mas e incrivel como "engordar" esta enraizado como "ruim" pra mim. Minha irma sofreu muito bullying por ter sido gordinha no ensino fundamental, chegou a mudar de escola. Enfim, adoro suas indicações de livros e autores, Valeria, mesmo quando nossas opinioes nao batem sinto que voce abre uma nova perspectiva dos problemas para mim, é sensacional.

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