sábado, 13 de janeiro de 2018

Comentando Viva – A Vida É Uma Festa (Coco, 2017)


Segunda-feira, fui com Júlia e uma menina da mesma idade dela assistir Viva – A Vida É Uma Festa (*Fácil entender o motivo da mudança do título, não é?*).  Olha, não dava muita coisa por este filme, mas ele terminou sendo tão divertido e, ao mesmo tempo, tocante, que não tenho como não elogiá-lo.  Júlia já estava dizendo “vamos comprar o disco” dentro da sala de cinema. E eu derramei algumas lágrimas perto do final.  Alguém da minha TL falou em reviravoltas mexicanas da trama, como nas novelas produzidas no país, mas o que eu vi foi uma história carregada de bons sentimentos sem ser piegas e que, ainda por cima, conseguiu surpreender, sem se utilizar de recursos pobres.

O filme começa com prólogo contando a história de Imelda Rivera, a matriarca de uma família.  Ela era casada, tinha uma filha, Coco (*nome original do filme*), mas seu marido deixou a pequena Santa Cecília, no México, para se tornar um cantor famoso.  Nunca voltou.  Imelda então fechou seu coração e deu a volta por cima tornando-se sapateira e dando início a uma empresa familiar.  A música, porém, foi banida da vida familiar e a foto do marido de Imelda não figura no altar das oferendas do Dia dos Mortos (*Artigo aqui*).  


Vovó Elena é o terror!
Nos dias atuais, a família Rivera é comandada com mão de ferro por Elena, filha de Coco, que mantém a dupla tradição do clã, fazer sapatos e odiar a música. O protagonista, Miguel, um garoto de 12 anos, alimenta a esperança de se tornar um músico de sucesso.  Ele admira Ernesto de la Cruz, o maior músico mexicano de todos os tempos e que morreu no auge de sua carreira em 1942.  Natural de Santa Cecília, todos os anos há um festival de talentos em sua homenagem no Dia dos Mortos.

Miguel deseja participar, mas seus planos são descobertos por sua avó e seu violão é destruído.  Revoltado, o menino decide abandonar a família e, desesperado, tenta se apropriar do violão de Ernesto de la Cruz, que está em seu mausoléu, para participar do tal show de talentos.  Ao tentar fazer isso, ele passa a transitar entre o mundo dos vivos, que não podem mais vê-lo, e o dos mortos, com quem pode se comunicar.  No entanto, se não receber a benção de alguém de sua família antes do amanhecer, ele terá que morar no mundo dos mortos.  Só que os membros do clã só lhe darão a benção se ele renegar a música.  O menino, então, decide encontrar seu tataravô, que ele crê ser o famoso Ernesto de la Cruz.  A única ajuda que recebe é de Héctor, um espírito que não é lembrado no Dia dos Mortos, e de Dante, um cão abandonado que consegue segui-lo para o mundo espiritual.  Héctor, no entanto, tem um preço, Miguel, ao retornar, deve lembrar dele e colocar oferendas para a sua foto salvando-o do desaparecimento.


Imelda pode abençoar Miguel, desde que ele não toque mais música.
Coco começou a ser pensado em 2010 por Lee Unkrich, que dirigiu o filme, e terminou sendo ajustado por Adrian Molina, o principal roteirista. Lidando com as tradições mexicanas, a cultura do país e, também, uma boa dose de estereótipos, o filme contou uma história que trabalha a importância da família, até sobre os próprios sonhos individuais, e a questão da verdadeira imortalidade, que é ser lembrado pelos seus, pelos que o amam.  Assim, filme segue patinando entre o conservadorismo, esse vínculo inquebrantável com sua família, e o desejo de liberdade, encarnado no sonho do menino que deve romper com velhas tradições, ou, pelo menos, repensá-las.

Miguel, o protagonista, é uma criança simpática.  Ser criança tem como objetivo criar empatia com o público prioritário da película.  Júlia, no entanto, desde o trailer, que a deixou ansiosa por meses, se apegou ao cachorro Dante.  Miguel tem talento genuíno para a música, talento que é lapidado pela prática em segredo.  Não é mágica que o faz tocar tão bem, mas o estudo, a observação (*ele toca de ouvido*) dos vídeos de Ernesto de la Cruz.  A intolerância da família é vista como opressiva, mas, dentro da lógica do filme, ninguém pode viver (*ou morrer, descobriremos*) sem os seus. E há permeando a película aquela idéia de que latinos (*Aliás, a família mexicana de A Vida é uma Festa poderia ser uma família italiana de novela da Globo, ou nordestina, ou...*) são mais unidos e solidários, seja com os de sua própria família, seja com vizinhos e mesmo desconhecidos.  Há exceções, claro, temos vilão no filme.  


Miguel venera Ernesto e aprende a tocar vendo seus vídeos.
Agora, ao detectar a perpetuação desse mito – ou nem tanto – em Viva – A Vida É Uma Festa, me fez recordar de uma antiga discussão que tive com meu marido quando confrontamos dois filmes nada infantis: 4Ever Lylia e Maria Cheia de Graça (*ambos assistidos antes de eu começar a fazer resenhas de filmes para o blog*).  Um filme se passava na Rússia e a Lyllia do filme é abandonada à própria sorte por todos, começando por sua mãe.  É desgraça em cima de desgraça e quando ela vai parar na Suécia as coisas só pioram.  Já no segundo, Maria consegue apoio dos seus, se sacrifica por eles, e até de estranhos dentro da comunidade latina já nos EUA.   

Os cenários coloridos de A Vida é uma Festa são de encher os olhos e a concepção das personagens do mundo dos mortos como caveiras (La Catrina) ficou bem interessante e, ao mesmo tempo, bem previsível.  De certa maneira, e não estou dizendo que ficou ruim, a forma como construíram o México no filme é bem parecida com a que colocaram em Rio.  Há tudo aquilo que estereotipicamente se associa ao Rio de Janeiro e se generaliza para todo o Brasil: favela, Carnaval, futebol, praia etc.  No caso do México, o gosto pelo melodrama, a festa do Dia dos Mortos, a música etc.  A vila de Santa Cecília parece, também, uma cápsula do tempo na qual esse velho México alegre, pacífico e carregado de sons e cores está encerrado.  Não esperava outra coisa de um filme da Disney, ainda mais de fantasia.  E isso é tanto uma crítica, como a percepção de que esta é a forma como as coisas são conduzidas pelo estúdio e estamos conversados.  O filme não tenta enganar ninguém e, nesse sentido, isso é um grande mérito.

Família é tudo no filme.
 (*não sei quem são os caras cortados, não.*)
Não posso dar muitos detalhes da história, porque posso entregar a reviravolta que acontece durante a história.  O fato é que o filme trabalha muito bem com a questão da criação dos mitos.  O que é Ernesto de la Cruz?  Um mito, quase um herói, afinal, morreu no auge de sua fama.  Ele não precisa de família para lembrá-lo, ele tem milhares de fãs. Já outros mortos sem parentes, ou quem deles se recorde, vivem na periferia do mundo dos mortos, em uma favela paupérrima, somente aguardando seu segundo fim. Lembrar é importante.  O que é a imortalidade?  Neste caso, como para os antigos gregos, era ser lembrado.  É preciso ser herói?  Não, mas é preciso ter alguém que goste de você.  A família pode fazer isso por tradição, algo importante no filme, mas a lembrança é afetiva, também.  

Quem se lembra de Héctor?  A caveira que vive nas franjas do mundo dos mortos, sempre tentando cruzar a ponte, sem conseguir, sabe que aqueles que se lembram dele, que o amam, estão partindo.  Quando esse último vínculo se romper, ele terá que partir para a jornada do esquecimento.  Há um mundo dos mortos para os esquecidos?  Ninguém sabe.  Se sabe, não comenta.  Há muita tristeza em A Vida é uma Festa.  A sequência da favela é de cortar o coração, porque, aqui, no mundo “real”, há muita gente esquecida, também, morrer é somente o último ato de suas tristes vidas.  Mas não vou politizar nada, não se preocupem.  Héctor é uma das melhores coisas do filme.


Miguel, Dante e Héctor, que corre o
risco de morrer de novo e para sempre.
Outro ponto a se destacar em A Vida é uma Festa é o vilão, porque ele é mau, ele é vil, é cruel.  O humor está lá, claro, mas a violência, ainda que em tons Disney, foi muito mais profunda, do que eu esperava.  O que se é capaz de fazer pela fama?  E, nesse sentido, cito a única coisa que realmente não gostei no filme: Frida Kahlo.  A grande artista é uma das personagens coadjuvantes do filme e foi transformada em uma estela megalomaníaca, obcecada pela própria imagem, tal e qual certas estrelas que habitam as redes sociais de nossos dias.  Um ícone como Frida poderia ter tido melhor tratamento, sabe?  Nunca li nada sobre ela que apontasse para a criatura fútil que colocaram no filme.

Que dizer mais?  O Shoujo Café e um site feminista, então, vamos para as mulheres.  O filme cumpre a Bechdel Rule?  Sim.  Temos uma série de personagens femininas com nomes: Frida Kahlo, Elena (avó), Coco (bisavó), Imelda (tataravó), as tias Rosita e Vitoria.  Dessas eu lembro, mas há mais personagens femininas, como a mãe e a prima de Miguel, mas seus nomes não são ditos, ou é algo muito rápido.  Há ainda a funcionária que autoriza a travessia do mundo dos mortos para o nosso, mas seu nome não é dito.  Todas elas têm falas.  Algumas conversam entre si e o assunto nem sempre é Miguel, ou Héctor, mas as tradições, a questão em torno da música.  


Não gostei da Frida do filme.
Há mulheres fortes no filme, mas elas não estão no filme para questionar as estruturas, mas para reforçá-las.  Qual o papel da velha matriarca?  E, sim, quem manda na família (*filhos, noras, netos etc.*) é vovó Elena.  Cabe à velha, que não tem mais função reprodutiva, que, muitas vezes, sobreviveu ao marido, garantir a ordem, a mesma que pode tê-la obrigado à submissão, seja mantida.  Normalmente, cabe à velha matriarca aterrorizar as mulheres jovens da casa, recebendo dos filhos (*homens*) todas as honras, porque, bem, ela coopera ativamente para a reprodução do sistema patriarcal.  Sabe a má fama da sogra?  Então, é bem por aí.  

O filme, claro, centra-se na tradição de não ouvir ou fazer música e é Elena quem garante que o que sua tataravó estabeleceu seja mantido.  Ela lembra minha avó materna em alguns aspectos.  Aliás, eu entendo bem a importância das mulheres para a manutenção de uma família, minhas duas avós tiveram que tomar as rédeas da situação e cuidar (*quase*) sozinhas dos filhos.  Uma ficou viúva com cinco crianças pequenas (*uma ainda por nascer*), outra, foi abandonada com quatro. Por  isso, é preciso ressaltar que a família Rivera não é uma família convencional.  Afinal, toda a manutenção do clã dependeu da força de uma mulher jovem, que abriu mão de sua sexualidade e da possibilidade de reconstruir sua vida em prol da criação de sua única e amada filha (*e do ódio e amor ao primeiro e único marido*).  Além disso, o filme também mostra que essas mulheres tem papel ativo na economia, na produção. Nem todo filme mostra que as mulheres trabalham para além das tarefas domésticas, muito menos, que sejam elemento fundamental para a produção de uma empresa familiar.


A bisavó "Coco" (Socorro), assista para descobrir
por qual motivo o nome leva seu nome.
Terminando.  Viva – A Vida É Uma Festa é um bom filme.  A trilha sonora é muito legal, animada e até comovente (*Lembre de mim*).  Foi a maior bilheteria para um filme com elenco latino de todos os tempos, mas, aqui, no Brasil, a estréia foi modesta se comparada com outras produções da Disney.  Motivo?  Nada a ver com o filme, mas com a política da empresa de exigir uma parcela maior dos lucros, algo que não foi aceito por algumas redes de cinema no país.  Resultado?  Um dos mercados mais importantes da Disney (*Não sabia, é?*) vai lhes render menos que que poderia.  É isso.  Se tudo correr bem, semana que vem resenho O Touro Ferdinando e O Destino de uma Nação.  Espero assistir os dois. 

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