Um colega postou esta matéria do Japan Times no Shoujo Café. A rigor, será nosso último post de 2017, a tradução de uma matéria-entrevista com Frederik Schodt, o norte-americano que, de certa forma, foi o primeiro a pensar mangá academicamente e publicar suas reflexões em um livro (*Manga! Manga!: The World of Japanese Comics*), o tradutor que apresentou Tezuka e A Rosa de Versalhes (*Sim!!! A primeira tradução feita no Ocidente do maná de Riyoko Ikeda*) para o Ocidente. Só por isso, ele mercê ser lembrado. Ele, na época, acreditava que mangá precisava ser espelhado e retocado, influenciou toda uma geração com suas idéias. Quando os mangás começaram a ser publicados no original, sem espelhamento, muitos jogavam as teorias dele na nossa cara para dizer que “os puristas” estavam errados. Lembro até hoje do povo vaticinando que Kenshin seria cancelado em três meses...
Schodt, no entanto, percebeu que há outras possibilidades e seu trabalho hercúleo, tal e qual um São Jerônimo, não pode ser desprezado. Não deve, também, ser esquecido. Agora, ele é mais tradutor e foi o responsável pela biografia de Tezuka publicada nos EUA. E, bem, vejam que importante, 2018 marcam os 90 anos do nascimento de Osamu Tezuka. Imagino que muita coisa deve sair no Japão e no mundo. No Brasil, que parece, às vezes, não ser deste mundo, já não sei...
Por Ayako Nakano
Staff Writer
4 de dezembro de 2017
O escritor, tradutor e intérprete norte-americano Frederik Schodt sempre se inspirou nas complexidades da linguagem. No entanto, o veterano de 67 anos usa um termo bastante direto para descrever o que os fãs modernos de mangá nos EUA podem pensar dele hoje, dizendo que eles podem "odiá-lo". Schodt se fez um nome ao longo das últimas quatro décadas, traduzindo as obras de figuras tão importantes como o 漫画 の 神 様 (Manga no Kamisama, "Deus do Mangá") Osamu Tezuka de "Astro Boy". Ele foi convidado para Tóquio em outubro para receber o Prêmio Fundação Japão de 2017 pela sua importante contribuição para a compreensão da cultura japonesa.
A viagem marcou um retorno de Schodt a uma cidade que visitou pela primeira vez há mais de meio século, quando chegou a Tóquio em 1965, aos 15 anos como filho de diplomata.
Depois de se formar em uma escola americana em Tóquio e retornar aos Estados Unidos, Schodt voltou em 1970 para estudar intensivamente japonês no programa de intercâmbio na Universidade Cristã Internacional, em Tóquio. Ele retornou para uma pós-graduação especializada em interpretação e tradução em 1975 e passou a trabalhar na empresa de serviços de tradução e interpretação Simul International, "traduzindo tudo: documentos governamentais, discursos, coisas aborrecidas, coisas divertidas" - antes de retornar a San Francisco em 1978, onde ele reside desde então.
Schodt sempre quis fazer "algo com língua" profissionalmente, mas uma carreira relacionada ao mangá nunca foi planejada. "Eu amava mangá, mas não havia como ganhar a vida", diz ele. "Mesmo em 1971, eu estava pensando: ‘Eu queria poder estudar mangá na universidade’, mas naqueles dias, não havia tal coisa".
Hoje em dia ele mangá é seu ganha pão, fornecendo serviços de interpretação especializada em TI, e ele ama escrever – ele é autor de oito livros, mas ele é mais reconhecido por suas inúmeras traduções de manga, incluindo o 「攻殻機動隊」 de Masamune Shirow (Kōkakukidōtai, "Ghost in the Shell").
Schodt começou a trabalhar em traduções de manga durante seu tempo na Simul. Um grupo de amigos nos seus 20 anos (outro americano e dois japoneses) que se chamavam 駄 駄 会 (Dadakai) foi até a Tezuka Production, o escritório do deus do manga, para pedir permissão para traduzir os primeiros cinco livros de 「火 の 鳥」 (Hi no Tori, "Phoenix") - uma obra-prima de manga épica que cativou Schodt desde que o leu pela primeira vez como estudante de intercâmbio.
Os membros de Dadakai - uma referência ao dadaísmo e ao kanji 駄 (da), usado em だ じ ゃ れ (trocadilhos), だ だ を こ ね る (para reclamar) e だ め (não é bom) - eram fãs de Tezuka e expressaram o desejo de apresentar seu trabalho Para o Ocidente. Schodt admite que seu japonês na época era "muito bom", mas sublinhou isso com uma advertência.
"A língua é difícil", diz ele. "Eu ainda estou aprendendo muito - até mesmo o inglês". A permissão foi concedida para traduzir o mangá, sem outros pedidos além de "fazer um bom trabalho" e "ser fiel (*ao original*)". "Eu acho que eles ficaram surpresos que alguém quisesse traduzir o mangá japonês naquela época", diz Schodt. "Era um mundo diferente." A equipe apresentou seu rascunho no início de 1978 apenas para descobrir que a Tezuka Production ficaria sentada sobre ele por 25 anos. Na verdade, somente em 2002 que a Viz Media em San Francisco publicou pela primeira vez o trabalho.
"Nós nos precipitamos", diz Schodt. Sem demora, ele publicou "Manga! Manga! The World of Japanese Comics "em 1983. "Eu pensava que era muito cedo para publicar mangás", diz ele. "A primeira coisa que precisávamos era um livro sobre mangá, então eu o escrevi ". O livro introdutório, que hoje é uma leitura obrigatória para estudantes de manga no Ocidente, é um extenso relato da história do gênero, seus temas e estilos. Schodt terminou o livro com 100 páginas de suas próprias traduções, incluindo um trecho de 26 páginas do Dadakai - traduzido "Phoenix". Apontando para uma de suas páginas, Schodt lembra de pedir a Tezuka para redesenhar um personagem porque sabia que a cena não funcionaria para um público ocidental. No Japão do século VIII, a seqüência mostra um personagem de ficção de 東大寺 の 正 倉 院 (Tōdaiji no Shōsōin, um tesouro no Templo de Todaiji) para contar a um intelectual da corte imperial da vida real 吉 備 真 備 (Kibi no Makibi) o sonho sobre a Fênix.
"É uma sequência muito bonita (e) muito filosófica, mas Tezuka gostava de colocar gags em partes sérias da história", diz ele. "Ele fez isso muitas vezes e os fãs adoravam isso. Nesta cena, ele coloca (o artista do mangá) Shigeru Mizuki ネ ズ ミ 男 (Nezumi-otoko, o “homem rato” como o de 'GeGeGe no Kitaro') em vez do personagem histórico que deveria estar lá ". Tezuka aceitou graciosamente o pedido de Schodt e redesenhou o personagem.
A anedota acima talvez forneça uma visão dos esforços laboriosos de Schodt para introduzir um meio cultural estrangeiro para os leitores ocidentais em um momento em que a Internet não estava amplamente disponível e as pessoas não tinham acesso ao pacote de programas de design da Adobe. O processo técnico envolvido na reprodução dos títulos do mangá é incompreensível. Primeiro, Schodt teve que criar uma imagem fotográfica, então inverter as imagens, 反 転 (hanten) ou 逆 転 (gyakuten) em japonês, para criar uma imagem espelhada para poder ser lida da esquerda para a direita. Então, ele teve que apagar manualmente os caracteres japoneses em balões de texto e colar inglês neles. Ele também redesenharia a onomatopéia em inglês. [*Nota da tradutora: Eu li o livro e ele realmente acreditava que se os mangás não fossem espelhados, não seriam aceitos.*]
Essas técnicas eventualmente lançaram as bases para a publicação do mangá dos EUA, mas Schodt, que admite ser "parcialmente responsável" pelo processo de espelhammento, diz que "os fãs norte-americanos hardcore de mangá agora provavelmente me odiariam por isso. "(Eles) não querem mais as páginas espelhadas. Eles não querem a arte retocada. É um mundo diferente ", diz ele, explicando que as editoras dos EUA atendem aos que querem "autenticidade", com o máximo de textos japoneses possível.
"O mundo da tradução (de mangá) mudou hoje. Eu não sou necessário para a maioria dele ", diz Schodt, observando como a "digitalização" ("digitalização" e "tradução") pelos fãs on-line afetou em grande parte o mundo da publicação. No ano passado, Schodt traduziu uma biografia de manga de 904 páginas intitulada "The Osamu Tezuka Story", algo que ele diz da qual estar se "recuperando" durante grande parte deste ano.
Com 2018, marcando o 90º aniversário do aniversário de Tezuka, um mestre de tradução de mangá pode sempre esperar encontrar alta demanda para seus serviços, com certeza.
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