Semana passada terminei de ler Rosa Vermelha – Uma Biografia em Quadrinhos de Rosa Luxemburgo (Red Rosa: A Graphic Biography of Rosa Luxemburg), publicado no Brasil pela Martins Fontes. O volume é de autoria da canadense, radicada na Inglaterra, Kate Evans. Não tenho muito contato com quadrinhos ingleses, mas suspeito que a obra possa ser aproximada muito mais dos trabalhos de mulheres sobre elas mesmas, ou outras mulheres, do que qualquer escola em especial. Enfim, tenho muitos elogios a tecer ao quadrinho e algumas críticas, também, mas começo escrevendo que é uma obra que merece ser lida, ainda que não seja propriamente uma leitura leve.
Para quem nunca ouviu falar de Rosa Luxemburgo (1871-1919), ela é a mais importante pensadora socialista de todos os tempos. Algumas de suas frases são lembradas até hoje. Exemplos: "Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem." (*minha favorita*) ou "Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres." ou ainda "Não estamos perdidos. Pelo contrário, venceremos se não tivermos desaprendido a aprender.". Poderia citar um monte de outras. Luxemburgo marcou sua época, foi admirada, odiada, perseguida, amada, enfim, acredito que deveria ser uma daquelas figuras que inspirava fortes sentimentos, nunca a apatia. Tudo isso é muito bem captado pela arte e escrita de Kate Evans.
Nascida em uma família judia na Polônia ocupada pelos russos, ela possuía displasia congênita de quadril e claudicava, já que tinha uma perna mais curta que a outra. De saúde precária, nunca foi vista como bela, o que não a impediu de viver várias aventuras (*incluo as prisões como aventuras*) e romances. Na infância passou de privações econômicas (*a autora do quadrinho associa sua baixa estatura a desnutrição quando criança*). Seu pai era comerciante de madeira, sua mãe membro de uma família de rabinos com grande erudição. Recebeu incentivo dos pais para que estudasse em tempos nos quais muitas portas educacionais estavam fechadas para as mulheres e judeus. Somente 10% das vagas nas universidades poderiam ser ocupadas por eles e na Polônia as escolas superiores estavam fechadas às mulheres. Assim como Madame Curie, teve que sair da Polônia para prosseguir nos estudos universitários. Rosa Luxemburgo foi para a Suíça, sua tese de doutorado em história econômica sobre a industrialização da Polônia é referência até hoje. Falava alemão, russo, polonês e escrevia também em francês, não sei se falava a língua.
Ainda a adolescente, Rosa começou suas atividades políticas e foi membro do partido social democrata de seu país, mas foi na Alemanha que fez sua carreira como política, pensadora e ativista. Há quem pense que ela era alemã, mas ela ganhou a cidadania do país graças a um casamento de fachada (*Eu não sabia disso*). Na Alemanha, fez parte do SPD (Partido Social Democrata), desentendeu-se com as lideranças por seu posicionamento contra a I Guerra Mundial e ousou criticar os rumos ditatoriais da Revolução Russa no momento em que ela estava ocorrendo. Seu pacifismo era visto como fraqueza por gente como Lênin e Trostsky. Terminou sua carreira (*e vida*) no KPD (Partido Comunista Alemão). Foi morta durante a Revolução Espartaquista de 1918-19, que ela apoiou contra seu próprio julgamento.
Talvez a mais famosa foto de Rosa Luxemburgo. |
Ainda a adolescente, Rosa começou suas atividades políticas e foi membro do partido social democrata de seu país, mas foi na Alemanha que fez sua carreira como política, pensadora e ativista. Há quem pense que ela era alemã, mas ela ganhou a cidadania do país graças a um casamento de fachada (*Eu não sabia disso*). Na Alemanha, fez parte do SPD (Partido Social Democrata), desentendeu-se com as lideranças por seu posicionamento contra a I Guerra Mundial e ousou criticar os rumos ditatoriais da Revolução Russa no momento em que ela estava ocorrendo. Seu pacifismo era visto como fraqueza por gente como Lênin e Trostsky. Terminou sua carreira (*e vida*) no KPD (Partido Comunista Alemão). Foi morta durante a Revolução Espartaquista de 1918-19, que ela apoiou contra seu próprio julgamento.
Como um trovão. |
O quadrinho Rosa Luxemburgo é bem complexo. Ao mesmo tempo que ele empolga e nos arrasta, afinal, a protagonista é uma mulher fascinante, ele é pesado, porque Evans tenta colocar o máximo de texto de Rosa (*e o que ela cortou está nas notas*) dentro da obra. Em um pequeno vídeo da autora que encontrei, ela se mostra fascinada com o cabelo de Rosa Luxemburgo e ela brinca dizendo que os escritores socialistas do século XIX pareciam ser pagos pelo número de palavras que usavam e diz que tentou transformar os escritos de Rosa em textos em formato do Twitter. Desculpe dizer, mas ela não faz isso, não.
Minha percepção, e isso atua contra a boa leitura do quadrinho, é que a autora é tão apaixonada pelos textos de Rosa Luxemburgo, que ela queria colocar tudo o que pudesse. Ela acredita no potencial revolucionário de Rosa Luxemburgo e o seu quadrinho é uma espécie de manifesto. Em alguns momentos o excesso de texto funciona, em outros, o quadrinho parece ficar em segundo plano. Da mesma forma, algumas metáforas visuais da autora são poderosas, começando pela que está na capa, a I Guerra se processando dentro dos cabelos/cabeça da Rosa, são muito boas, é a imagem da capa. Aliás, pergunto-me se houve edições em cores de Red Rosa, porque achei muitas páginas coloridas na busca do Google e a edição brasileira é toda em preto e branco. Enfim, voltando ao ponto, talvez, ela pudesse usar menos texto e mais imagens como esta, mas ela queria que as palavras de Rosa Luxemburgo transparecessem.
Na maioria dos momentos, a autora é capaz de apresentar o pensamento de Rosa, ou Luxemburgo explicando Marx, de forma clara. Mais valia, fetiche da mercadoria, imperialismo, o rascunho da teoria da dependência etc. Mas não diria que Rosa Vermelha é um livro didático. Você vai ler e terá que ir além para entender melhor as questões. A autora mostra, também, a rebeldia intelectual de Rosa, capaz de questionar até as premissas de Karl Marx sem nenhum temor. Agora, ela não vai dar destaque às críticas de Rosa à Revolução de Outubro, a coisa passa meio batida.
Ninguém é sagrado, nem Marx. |
Já Zetkin tinha a percepção da luta de classes, mais ampla, como Rosa, e a da luta pelos direitos das mulheres, que o sexo feminino não receberá tratamento igualitário se não lutar por ele. Nem preciso dizer que acho que Rosa Luxemburgo, por mais genial e corajosa que fosse, não estava percebendo como a questão das mulheres ia além da derrubada do capitalismo. Espaços de mulheres são espaços de luta estratégicos e importantes, por isso, quando um Stálin fechou a seção feminina do partido comunista soviético, ele sabia exatamente o que estava fazendo. Aliás, os jacobinos, ainda na Revolução Francesa, também fecham os clubes de mulheres e tentam mandá-las para casa. Esse exemplo, Rosa Luxemburgo já tinha em mãos.
Rosa e sua amiga Klara Zetkin. |
Falando em gatos, a autora retorna pelo menos três vezes ao fato de Rosa não ter filhos. Nunca li suas cartas, não sei se era uma preocupação constante de Rosa Luxemburgo, mas a autora reforça um estereótipo de gênero. Uma mulher sem filhos é incompleta. Rosa não quer/pode ter filhos, então, ela tem um gato. É como se fosse um refúgio da mulher solitária. Não que Rosa fosse solitária, mas sua vida era de solteira, mesmo com vários amantes. Nesse sentido, o quadrinho é fenomenal, porque nos mostra – e isso está nas cartas de Rosa Luxemburgo – uma mulher que gostava de sexo e de homens, não a madre superiora do movimento socialista.
Rosa e Mimi. |
Jogiches, o amante que ameaça matar. |
Rosa Luxemburgo era um ser humano e essas contradições fazem parte da sua biografia. Agora, quantas mulheres se calam diante da violência masculina? Preferem sofrer a ver o companheiro preso? Se preocupam com um agressor quando ele eventualmente vai preso? Ou, ainda, quantas mulheres de esquerda se calam diante do assédio e outras atitudes machistas dos colegas de partido, coletivo, ou o que seja, porque, bem, elas têm que entender que eles são homens e “primeiro a revolução” e “resolvido o problema de classe, o de gênero se resolve” ou “o feminismo é uma ideologia burguesa”. Ah, você não sabia dessa última? Pois é, nem sempre as pessoas consideraram o feminismo como “coisa de comunista”, não.
Kostya é mandado pela mãe para se uma espécie de governanta de Rosa. |
Enfim, muita coisa acontece nas 179 páginas de Rosa Vermelha (*fora as notas*). A I Guerra ocupa o terço final, e as páginas últimas se dedicam à Revolução Espartaquista. Rosa Luxemburgo defendia que a revolução deveria ser espontânea, nascer das massas, em um movimento não guiado ou apropriado por uma elite. "A massa não é apenas objeto da ação revolucionária; é sobretudo sujeito." Kate Evans parece acreditar nessa premissa. Parte das críticas de Rosa aos bolcheviques nascem em virtude da forma como eles tomaram a revolução para si e eliminaram as vozes dissidentes, assim como a autonomia das massas. Agora, uma coisa é teoria, outra coisa é prática...
Sobre a guerra. |
Terminada a guerra, temos as agitações e se existe um vilão em Rosa Vermelha seu nome é Friedrich Ebert, que vai governar no início da República de Weimar. Membro do SPD, apresentado como ex-aluno de Rosa (*havia uma espécie de escola para os membros do partido*),mas pouco interessado e inteligente, ele se torna líder da ala revisionista do partido e que não tem pudor em se aliar à Extrema Direita, os freikorps, para destruir a Revolução Espartaquista. Kate Evans não tem simpatia por ele.
Os freikorps antecipam os nazistas. |
"Há tropas do governo na praça à frente!"
"Este item não está na pauta.", responde o outro.
"Não devemos discutir a defesa armada do edifício?", pergunta um terceiro.
Não precisamos. Nenhum alemão abrirá fogo contra outro alemão (...)"
Discursando para as massas. |
É isso, trata-se de um quadrinho interessante, sobre uma mulher que merece ser lembrada e ter sua obra conhecida. Trata-se, também, de um olhar feminino e feminista sobre Rosa Luxemburgo, sobre o pensamento socialista da virada do século XIX para o XX, sobre a Grande Guerra e as revoluções que agitaram o final da década de 10 do século passado. E estou escrevendo sobre Rosa Vermelha, porque gostei e a série de resenhas"Muito Além do Mangá" privilegia quadrinhos feitos por mulheres, ou sobre mulheres, e que não sejam japoneses e são poucas resenhas: Bordados, de Marjane Satrapi, Olympe de Gouges, de Catel Muller e José-Louis Bocquet, Aya de Yopougon, de Marguerite Abouet e Clément Oubrerie. Eu recomendo. E, se você se interessar por comprar, pode usar o link do Amazon e ajudar o Shoujo Café a se sustentar (*não que eu vá deixá-lo fechar, mas é uma ajuda, sim*).
1 pessoas comentaram:
Terminei de ler os quadrinhos hoje, depois de meses. É uma leitura realmente densa, com muitas notas que acabam atrapalhando o ritmo, embora sejam muito importantes para alguém como eu, que não está familiarizada nem com os escritos, nem com a vida de Luxemburgo. E que mulher!
As tramas finais, da revolução de outubro e da ascensão do SPD ao poder, a cena a la Monte Phyton que mencionou na resenha, me lembrou amargamente da esquerda brasileira no atual momento, mais preocupada em fazer piada no Twitter, gravar vídeos de "lacração" nas comissões do Congresso, agir como um bando de imaturos, do que fazer de fato alguma coisa pra nos ajudar.
Postar um comentário