Não queria voltar a este caso, mas preciso falar novamente do incidente da mulher que foi atacada em um coletivo em SP. Um sujeito – com 16 (DEZESSEIS) passagens semelhantes – se masturbou e ejaculou no pescoço da moça. Ela estava distraída, como a própria relata nessa matéria, e sentiu um jato quente. Enfim, o cara tentou fugir, mas foi agarrado. Um juiz o soltou considerando que o ato não pode ser compreendido como estupro. O pai do agressor, porque foi uma agressão, disse que o filho deveria ficar preso. Quatro dias depois, ele voltou a fazer a mesma coisa, com outra mulher.
Eu não sou jurista, nem tenho a pretensão de ser. Agora, imagino o quão repulsivo e mesmo traumatizante pode ser o tipo de ataque que essas mulheres sofreram e outras tantas por aí. Semana passada, eu estava passando na calçada e um sujeito, resfriado, espirrou e me acertou. Não houve desculpas. Senti-me enojada. Imagine se fosse esperma. Um beijo roubado, segundo nossa legislação, pode ser considerado estupro. O ato de ejacular em cima de uma mulher – porque se fosse um homem, imagino no que daria – não é.
A partir da leitura de algumas matérias, a da Carta Capital, uma da BBC, que ouviu uma promotora especializada em violência doméstica, e outra, da Folha, na qual juristas se posicionam a favor do jovem juiz que mandou soltar o sujeito (*para os colegas de profissão, parece que a vítima de constrangimento é o juiz, não a moça*), consegui fazer algumas reflexões. Continuo considerando o magistrado machista, na medida que não considerou outras medidas possíveis contra o sujeito, por exemplo, uma avaliação psiquiátrica. O considero machista por não dimensionar o trauma dessa mulher, e de outras atacadas pelo agressor, coisa que a delegada, outra mulher, considerou. No entanto, consigo entender a leitura fria que ele fez da lei. Para que fosse configurado um estupro, segundo a legislação brasileira, o homem teria que ter constrangido a mulher. Obrigá-la a masturba-lo, por exemplo. Logo, o beijo é uma forma de estupro, afinal, a mulher foi constrangida de alguma forma.
A moça do ônibus sequer percebeu o que o cara estava fazendo, até ser atingida, provavelmente, isso pesou na decisão do juiz. Ainda assim, e juristas que falaram à Carta Capital ponderaram que como se configurou em ato libidinoso e sem consentimento, poderia ser caracterizado como violência, logo, estupro. O corpo de uma mulher, ao que parece, configura-se em algo público, que pode ser apropriado sem problema. Agora, e se fosse um homem? Ou um terreno com porteira aberta e alguém cismasse de entrar e fazer alguma coisa lá dentro sem permissão do dono. Mas como se trata do corpo feminino...
O que fica patente no caso, além da insensibilidade do juiz e do promotor, ambos homens, é de como a legislação brasileira é pouco precisa. O que é mais traumático, um beijo roubado, ou ejacularem em cima de você? Eu, Valéria, não teria dúvida, mas a lei precisa ser aplicada de forma equilibrada, minha vontade, ou opinião, não pode ser o parâmetro. De qualquer forma, é preciso ajustar a legislação para que atos como esse possam ser punidos de forma adequada e não tomem isso como pedidos de prisão pra toda sorte de ato. O problema é que nós, mulheres, nos encontramos em uma situação de vulnerabilidade absurda. Esta semana, foram três casos semelhantes, dois em SP, cometidos pelo mesmo sujeito e um no Rio. Como, para muitos juristas, o ato não é de constrangimento, nem é crime, a coisa pode virar uma prática ainda mais comum.
De resto, suspeito que o cidadão possa ter algum grau de retardo mental. A foto dele me sugeriu isso desde o início. Só que o que a maioria de nós está fazendo é discutir o agressor e o juiz e esquecer a vítima. Na matéria que citei, a moça, que tem somente 23 anos, falou da insensibilidade da polícia. Ninguém se ofereceu para levá-la em casa. Um lugar para tomar banho. Mais ainda, um psicólogo. Praticaram-se contra ela outras violências. A primeira, a ação do ejaculador. A segunda, a falta de acolhimento por parte do poder público. A terceira, o parecer frio – ainda que legalmente amparado – do juiz. Quantas outras violências ainda virão?
O fato é que a lei precisa abarcar de forma mais efetiva outros tipos de abuso sexual ou é preciso redefinir o que se convenciona como estupro. É necessário monitorar e atender sujeitos como o agressor do ônibus e não deixá-los livres e mesmo desassistidos para que prossigam atacando mulheres. Além disso, é preciso que as discussões sobre gênero e respeito à diversidade, ao próximo, enfim, sejam inseridas de forma efetiva em nossas escolas, na mídia, no cotidiano das famílias. Chega de abuso e de impunidade. Nossos corpos deveriam ser nossos e, não, algo que, segundo algumas leituras jurídicas, pode ser abusado sem maiores consequências.
PS.: As imagens com a hashtag #meucorponãoépúblico vieram daqui.
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