Detesto essas listas de livros que toda feminista, toda mulher, todo homem, todo bom cristão, todo gay, todo ET, todo papagaio etc. deveria ler na vida. Aliás, essa coisa de listas de livros e textos só vale para ementa de disciplina da faculdade e, mesmo lá, a maioria não lia e era feliz e aproveitava a disciplina do mesmo jeito. Aliás, acho que em toda a minha vida acadêmica, só fiz todas as leituras em duas disciplinas, em uma delas para brigar com a professora e ter os subsídios para confrontá-la (*eu era dessas*) e terminei acreditando que ela foi uma das melhores professoras que tive na vida.
Essa história de listas é uma espécie de ditadura bem intencionada, mas, ainda assim, ditadura. Tutela intelectual: eu sei o que é melhor para você. Sim, porque não são sugestões, são listas obrigatórias que "todo mundo tem que ler". E a gente vai repassando, às vezes, sem nem parar para pensar que as listas obrigatórias variam a depender de quem as faz, quais seus gostos, idade, origem, formação, posicionamentos políticos, se é homem ou mulher, hetero ou homo, se professa alguma religião etc. Raramente, muito raramente, a pessoa que monta a lista vai conseguir transcender suas condições de produção.
A última lista que abri só tinha uma mulher (*Aleluia! Tinha uma!*), Hannah Arendt, forte viés filosófico, e tinha um pezinho no centro leste da Europa. Só faltava estar escrito, bom seria para a felicidade plena que você lesse em russo e alemão, sua experiência no original sempre é melhor. Aviso que não tinha lido nenhum dos livros indicados, nenhum. Devo ser uma pessoa muito infeliz ou mal (in)formada.
Acredito que todo mundo deveria ler, agora, a forma como as pessoas interagem com aquilo que leem e o mundo tem muito de pessoal, de particular. Impôr leituras que podem tornar as pessoas melhores, mais críticas, mais felizes é uma bobagem. Pior ainda, pode afastar as pessoas dos livros, minar-lhes o prazer de ler. Obviamente, se você está em alguma área científica, a coisa ganha outros tons, mas listas de internet não se aplicam a isso, mesmo quando incluem livros acadêmicos nelas. Falo das coisas que circulam de forma generalizada e sempre bem intencionada.
E, sim, é somente a minha opinião, nada mais. E opinião de alguém que leu muito menos do que as pessoas acreditam que ela leu e que leu e lê muita bobagem pelo simples prazer de ler. E, sim, uma das piores coisas que poderiam acontecer na minha vida é não poder ler, a segunda é escolher o que ler. Daí, The Handmaid's Tale me deixar tão aterrorizada, assim como saber de moléstias nas quais a pessoa esquece/desaprende como ler e não consegue voltar a fazê-lo. Ler liberta. Uma vez que você aprenda a ler, ninguém conseguirá impedir que você o faça, daí, no Sul dos EUA, haver leis proibindo que se ensinasse os escravos a ler. Já a terceira, bem, preciso conviver com ela: é não ter tempo para ler tudo o que quero e preciso.
De resto, detesto listas com filmes e mangás obrigatórios, também, mas isso fica para outro post.
1 pessoas comentaram:
Acho que essas listas deveriam ter por título "lista de livros obrigatórios para quem quer ser crítico de literatura/cinema/música etc". ^^
Elas reproduzem a ideia de que a arte tem elementos que a tornam melhor ou pior em que no geral a forma é meio imprescindível para determinar se um livro é realmente bom ou não. Pegue São Bernardo, por exemplo, que é umm crítica, dentre outras coisas, ao ritmo de produção capitalista. A primeira parte do livro é objetiva, rápida, pragmática, mas no meio do livro, com um acontecimento chave, a estrutura muda e passa a ser mais subjetiva, reflexiva, lenta. Isso mostra a preocupação do autor em contar a história não só através da ação do livro, mas na própria forma como ele foi escrito. Livros considerados cânone geralmente seguem essa ideia (Montanha Mágica, Em Busca do Tempo Perdido, Rumo ao Farol).
Mas eu aprendi isso na faculdade de Letras que prepara alunos pra fazerem esse tipo de análise. Não significa que todo mundo precise saber essas coisas ou que esteja proibido gostar de obras que não sigam essa cartilha. Mas isso é minha opinião. Essas listas não parecem concordar com essa visão.
Conforme você disse, há que se questionar quem constrói essas listas (e o próprio cânone). E acho justamente que uma forma muito eficaz de fazê-lo é aprendendo os mecanismos de decisão para confrontar e questionar ausências.
Outro ponto interessante que você levantou é a forma diferente com a qual as pessoas recebem uma obra. Vivi isso ontem mesmo. Fui assistir mãe! e amei o filme. Comentei que meus favoritos do Aronofsky são Cisne Negro e Requiem para um Sonho e, bem, agora tem mais um nessa lista. Mas saindo do cinema ouvi um grupo de adolescentes (deviam ter uns 17 anos) comentando que detestaram o filme. E dá pra entender. Eu vi o filme - spoilers gigantes aqui - como uma alegoria da história do mundo baseada em alguns acontecimentos bíblicos (expulsão do paraíso, Caim e Abel, dilúvio, morte de Cristo) e nós acompanhamos tudo do ponto de vista da mãe natureza, em que embora o Deus de Aronofsky tenha esperança na humanidade (e seja levado pelo desejo de ser adorado), a natureza não tem fé nenhuma em nós, mas ela ama Deus profundamente e aceita a decisão Dele, mesmo lamentando que o amor que ela sente por Ele não seja o suficiente.
Mas o fato de eu ter gostado tanto do filme só diz respeito a mim. Assim como esses adolescentes não terem gostado só diz respeito a eles. Eu acho muito prepotente querer determinar o que os outros devem ou não ler para se tornar pessoas melhores. Eu gostei da experiência de ver o filme, estou refletindo sobre ele e me sinto bem assim, mas isso não significa que todo mundo tenha que se sentir da mesma forma. Há filmes que são parte do cânone e não dialogaram comigo quando assisti. Simplesmente não gostei deles.
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