quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Comentando Doidas e Santas (Brasil, 2017)


Ontem, fui ao cinema.  Precisava.  Estou cansada, com meu pé ainda lesionado, provas que não terminei de corrigir e, bem, assisti ao trailer de Doidas e Santas.  Daí, pensei “É uma comediota que pode me fazer rir.”  Lembrei de Minha Mãe é uma Peça 1 e 2, De Pernas para o Ar 1 e 2, Loucas para Casar e Os homens são de Marte e é pra lá que eu vou (*que não resenhei, mas que me fez rir muito*), era de algo assim que eu precisava, um amontoado estereótipos, aquele arzão de especial de TV, mas um dinheiro bem investido.  Doidas e Santas não é nada disso.  Não é comédia, não é drama, tampouco um mix inspirado das duas coisas, parece mesmo uma quase novela do Manuel Carlos em formato filme.  E, bem, isso é bem desabonador.  O final até me surpreendeu, mas não compensou a fraqueza do filme. 

A trama básica da história é a seguinte, Beatriz (Maria Paula) é uma terapeuta e escritora de autoajuda sucesso.  O tema de seus livros é sempre o mesmo: receitas para salvar seu casamento.  Durante uma entrevista para a TV, ela descobre que apesar de cuidar da felicidade alheia, ela é profundamente infeliz.  Seu marido (Marcelo Faria) é insensível e a trata com desdém.  Sua filha adolescente (Luana Maia) é uma estranha para ela.  Sua mãe (Nicete Bruno) é um peso que sua irmã caçula, a ativista pelos direitos dos animais, Berenice (Georgiana Goés), não quer dividir.  Pressionada pelos prazos para entregar seu próximo livro, magoada com o marido, um dia, ela decide chutar o balde e recomeçar a vida, o problema é que ela não sabe por onde.

Pagodão na Mangueira.
Que eu digo de um filme como Doidas e Santas?  Ele trabalha em cima de estereótipos como a irracionalidade feminina (*todas somos doidas*), da paixão dos homens por futebol, sem nenhuma inspiração.  Infelizmente, Maria Paula não conseguiu tornar sua personagem nem engraçada, nem simpática, ela é uma chata e culpada por absolutamente todos os seus problemas.  É um massacre, um horror e ela tem experiência em fazer comédia.  O que aconteceu?  Posso estar colocando muito peso na protagonista, o resenhista do site Adoro Cinema atribuiu muitos dos problemas ao diretor Paulo Thiago.  E o filme não tem ritmo mesmo.  Fazia tempo que não assistia um filme brasileiro com este defeito.

Olhando Beatriz, lembrei das dondocas das novelas do Manoel Carlos.  Mulheres finas, superficiais, que tratam os serviçais e os suburbanos – vide a cena na Mangueira e o incidente com o funcionário da blitz do Detran – com desdém, superioridade não somente econômica, mas intelectual.  Criaturas preconceituosas assim existem, claro, vide a legião de batedores de panelas que continuam a assombrar a internet.  Só que a atitude não é somente dela, mas da personagem de Nicete Bruno.  Vide a cena do vídeo na qual ela trata com altivez de sinhá a empregada negra e o porteiro nordestino.  Triste aquilo.

No decorrer do filme, mãe e filha se reconciliam.
Falando em negros, há alguns no filme.  Salvo pela orientadora, ou diretora, da escola da filha da protagonista, todos são absolutamente subalternos e, na maioria dos casos, hipersseualizados.  Uma delas, sem rosto, como a bela mulher negra que desce as escadarias da Mangueira. O close da câmera, que acompanha a bunda da moça, louvada pela protagonista e sua irmã, é constrangedor.  A piada, claro, é com as escadarias. Vantagens de ser pobre e favelada, subir e descer escadas é melhor que academia.  Funcionou? Não comigo.  Ri muito pouco.  Os argentinos, homens, neste caso, também são sexualizados, todos são cortejadores, viris.  O filme é uma coprodução, daí a viagem para Buenos Aires.  

Voltando para Beatriz, sempre sisuda, sempre julgando, sempre analisando, temos a sua vizinha Valéria (Flávia Alessandra), uma mulher liberada (*periguete seria o termo*) e até leviana, que reclama o tempo inteiro do marido tão atencioso.  Ela queria um homem “normal”, que não lhe enchesse de mimos, carinhos, que a trocasse pelo futebol e pela cerveja, que a traísse com outras mulheres.  E, bem, quando conhecemos Alex, na pele do Thiago Fragoso, lindo como eu nunca vi, a gente começa a pensar muito mal da vizinha prestativa.  Da mesma forma que Beatriz começa a ser revelada como péssima mãe, esposa e filha.  

O novo livro com temática diferente.
No final das contas, a coisa poderia até caminhar para a gente imaginar que as grosserias da personagem de Marcelo Faria eram fruto da imaginação de Beatriz.  Afinal, todas as mulheres são loucas, não é mesmo?  Descobrimos que ele é um bom pai, um genro prestativo e mesmo um bom marido, Beatriz, a megera workaholic, que ignora a filha e reprime a mãe idosa de uma forma doentia, é que não consegue ver isso.  As mulheres é que são culpadas pelo seu sofrimento.  Mulheres que colocam a profissão acima da família especialmente.  Bom que Beatriz tenha a possibilidade de largar parte das atividades estressantes para passar mais tempo com a filha e se divertir, não é mesmo?  Gente da classe social dela, pelo menos em filmes, pode fazer isso.

Terminando, porque o filme não vale tantas palavras.  O filme cumpre a Bechdel Rule tranquilamente, afinal, boa parte do elenco é feminino e fala dos problemas de Beatriz.  As piadas são fracas.  A protagonista é doentia e nem tira umas lasquinhas do Thiago Fragoso, que tinha sido chutado por Valéria, a vizinha fogosa.  A sequência dos dois é de uma artificialidade tremenda.  Só serviu mesmo para me fazer pensar que ele ficaria ótimo como o Mr. Darcy da versão novela de Orgulho & Preconceito que sairá no ano que vem.  Pena que não achei nenhuma foto decente dele no filme para colocar aqui.  E mais, há sites dizendo que ele é protagonista, só que o ator mal aparece em cena.

Isso aqui deve ser de uma cena pós-créditos.
De resto, o final, que não vou mentir que me surpreendeu, pode parecer empoderador para as mulheres, mas se quiserem uma sugestão, corram atrás de um clássico como Recruta Benjamin que tem problemas, também, mas oferece um final parecido e realmente inspirador para as mulheres.   Isso, claro, se não houver alguma cena pós-créditos, basta olhar a foto do casal  na beira da praia.  É o vestido (*lindo, aliás*) que a protagonista está usando na última cena.  De repente, havia algo mais, só que todo mundo que estava na sessão levantou e saiu.

Cabe comentar que o filme é baseado em um livro de mesmo nome escrito por Martha Medeiros e que se tornou famoso como peça de teatro estrelada por Cissa Guimarães.  Não sei a peça, se é melhor, mais interessante, mas Doidas e Santas é um Manoel Carlos ruim para o cinema, cheio de clichês de gênero, classismo e racismo, que não conseguem ser diluídos em boas piadas rasteiras que me fazem rir, ainda que me sentindo culpada.

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